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Projeto Vazou: uma pesquisa sobre o vazamento não consentido de imagens íntimas

Projeto Vazou: uma pesquisa sobre o vazamento não consentido de imagens íntimas

O vazamento não consentido de imagens íntimas, também conhecido como “revenge porn”, é uma forma de violência contemporânea. Pouco se conhece sobre seus motivos e efeitos, características de causadores e vítimas, quais redes sociais são mais utilizadas etc., em especial por causa do baixo índice de denúncias e pela inexistência de fontes oficiais confiáveis.

A falta de dados impede que o fenômeno possa ser compreendido e, por consequência, que políticas adequadas de prevenção e repressão possam ser propostas. Alguns pesquisadores já realizaram entrevistas, estudos de caso e análises de jurisprudência; além disso, há várias reportagens sobre o tema. São ótimas referências, mas ainda nos falta um panorama mais completo sobre esse fenômeno.

Pensando nisso, o Grupo de Estudos em Criminologias Contemporâneas, sediado em Porto Alegre, lançou recentemente o Projeto Vazou, que busca colher essas valiosas informações a partir das experiências das vítimas dos vazamentos. Os resultados, ainda parciais, já trazem algumas informações interessantes.

A maior parte das pessoas que relataram ter arquivos vazados pertence ao gênero feminino (80%). Combinado com os relatos, esse percentual indica que muitos relacionamentos contemporâneos permanecem pautados por uma cultura machista, pela ideia do amor romântico, pela sujeição a um “papel” socialmente esperado e pelo processo de objetificação do outro.

Os pesquisadores, obviamente estão cientes de que o método empírico traz consigo hipóteses de “cifras ocultas”: a baixa incidência de homens respondendo ao questionário pode indicar, por exemplo, um maior silêncio do gênero masculino quanto ao tema; podem ocorrer também casos em que a vítima não relata o vazamento por acreditar que ela assumiu o risco do vazamento, como nos casos em que a própria pessoa envia o “nude”, que vem a ser vazado posteriormente.

Outro ponto interessante é que a grande maioria daqueles que participaram da pesquisa afirmaram conhecer quem vazou o arquivo e, em 70% dos casos, a vítima tinha algum tipo de relacionamento afetivo com quem compartilhou indevidamente a foto ou o vídeo.

Esses dados desmontam a lenda de criminosos estranhos que exploram a vulnerabilidade dos sistemas de informação, evidenciando que esse tipo de violência sexual também é mais frequentemente cometido por pessoas próximas.

Esse fenômeno contemporâneo envolve muitas outras questões que precisam ser melhor compreendidas pela sociedade: os riscos de culpabilização das vítimas; o direito ao esquecimento, concretizado, no meio cibernético, pelo pedido de desindexação de nomes dos mecanismos de busca na internet; a possibilidade de criminalização da conduta de vazamento (já objeto de projetos de lei); as medidas de proteção às vítimas; o desenvolvimento de uma programação própria dos aplicativos que evite o compartilhamento não autorizado; e muito mais.

A pesquisa tem analisado também o que faz com que as pessoas autorizem as gravações íntimas, os motivos dos vazamentos, os aplicativos mais utilizados, suas consequências para as vítimas e as formas de recuperação do incidente. Essas informações estão sendo compiladas e sua análise será publicada nos próximos meses.

Por enquanto, o projeto de pesquisa segue em andamento e conta com a ajuda de interessados em divulgar ao máximo o seu questionário para ampliar o universo de respostas. Se você já teve arquivos de imagens e/ou vídeos vazados, ou conhece quem tenha sido vítima de vazamento não consentido, pode contribuir com a pesquisa acessando o site oficial aqui.

Leandro Ayres França

Doutor e Mestre em Ciências Criminais. Professor, pesquisador, escritor e tradutor.

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