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Proporcionalidade em Direito Penal (Parte 4)


Por Fábio da Silva Bozza


É na análise da adequação entre finalidade proposta pela lei e o meio escolhido para atingir o fim que se verificam os maiores problemas para a aplicação do critério de proporcionalidade.

O descrédito em relação à proporcionalidade fez com que Sternberg- Lieben chegasse a afirmar que referido critério é mais um desejo dirigido ao legislador racional do que uma garantia comprovável e juridicamente vinculante na decisão para o caso singular (STERNBERG-LIEBEN, 2007, p. 124). No mesmo sentido, Roxin entende que, apesar da reconhecida qualidade constitucional, a proporcionalidade é “mais um postulado político-criminal que uma regra vinculante” (ROXIN, 2006).

Neumann desenvolve duas teses a respeito do critério de proporcionalidade: a) trata-se de um critério débil, porque sua aplicação exige uma pluralidade de valorações que não são determinadas pelo critério, e, b) referida debilidade não coloca em dúvida, no essencial, o potencial argumentativo da proporcionalidade (NEUMANN, 2012, p. 204).

Quanto ao esceptismo em relação à capacidade de rendimento do critério de proporcionalidade para limitar o direito penal, afirma que decorre de razões estruturais, razão pela qual, devido à sua complexidade, deve ser entendido “antes como um instrumento altamente complexo e necessitado de ajustes do que uma afiada espada para conseguir um ordenamento jurídico-penal liberal”. A complexidade decorre da necessidade de solução de uma equação com três incógnitas: “a questão é como encontrar, segundo uma escala de medição não determinada, a relevância não determinada de uma magnitude em comparação com a de outra tampouco determinada” (NEUMANN, 2012, p. 203).

No entanto, o critério de proporcionalidade deve ser avaliado de forma positiva, pois funciona como modelo argumentativo com o qual a crítica jurídico-política a uma lei penal pode ser transformada em uma decisão de relevância constitucional (NEUMANN, 2012, p. 211).

Talvez a debilidade do critério referida por Neumann não seja um ponto negativo, mas sim parte da estrutura de qualquer critério. O critério para definir qualquer coisa, de fato, não apresenta seus elementos, mas apenas o próprio critério. Se o critério para analisar a constitucionalidade de uma norma restritiva de direito fundamental atende ao subcritério da adequação, apenas se sabe que a norma é idônea para atingir determinado fim, e não quais os meios são idôneos para tanto.

Segundo Hassemer, a análise da adequação (idoneidade) desafia a teoria e a prática do direito penal no que se refere às consequências das intervenções penais. Reconhece que se trata de uma questão empírica, que se dirige à análise da aptidão do meio de cuja aplicação se trata. Afirma: “A irritante pergunta sobre se o sistema jurídico-penal pode resistir a uma avaliação de suas consequências, sobre se esta produz consequências positivas ou negativas, se e para quê é apto, pode reformular-se como o principal caso de aplicação da ‘idoneidade’ em Direito penal” (HASSEMER, 2012, p. 194).

Aponta o critério da proporcionalidade como relativo aos posicionamentos teóricos a respeito das funções do direito penal. Segundo o autor, a análise da adequação varia conforme se considere como função do direito penal a proteção de bens jurídicos, a confiança na norma, a ressocialização do autor do fato punível ou a intimidação da ação criminosa, se se admite ou não como adequada a busca por consequências simbólicas ou comunicativas (HASSEMER, 2012, p. 194).

Em que pese a racionalidade e autoridade do argumento de Hassemer, parece que de referida relatividade o critério de proporcionalidade não padece: em um Estado Constitucional, em que todos os órgãos estatais estão vinculados à proteção dos direitos fundamentais, somente são admissíveis como funções do direito penal aquelas que se dirigem à tutela de direitos fundamentais. Por essa razão, estão afastadas, de plano, a noção retributiva da pena, como quer o relator do Projeto de Código Penal Brasileiro[1], bem como a busca por efeitos meramente simbólicos.

Assim, somente podem ser entendidas como funções da pena admissíveis em um Estado Constitucional as de ressocialização (prevenção especial positiva), neutralização (prevenção especial negativa) e intimidação (prevenção geral negativa).

Cabe aqui ponderar que a análise da constitucionalidade de qualquer norma penal não deve ter como objeto a conduta incriminada pelo tipo, mas sim a adequação do direito penal para realizar a tutela de direitos fundamentais. Em tese, referida adequação pode ser alcançada por meio da ameaça contida na lei penal (que, com muita fé, podemos acreditar que funciona como critério de orientação para os comportamentos humanos), da ressocialização produzida no sujeito, que não mais voltará a delinquir depois de passar pela execução penal, ou pelo efeito intimidativo da execução da pena criminal.

Em síntese, o exame de constitucionalidade de qualquer norma penal tem que passar, necessariamente, pela análise das teorias sobre os fins preventivos da pena. Caso seja reconhecido algum efeito preventivo ao direito penal, o princípio da proporcionalidade deve servir, apenas, para limitar seus excessos no âmbito de análise do subcritério “necessidade” e “proporcionalidade em sentido estrito”.

Agora, se dermos razão aos argumentos desenvolvidos pelas teorias críticas, no sentido de que é possível concluir, a partir de pesquisas empíricas, que a pena criminal não apresenta qualquer efeito preventivo, devemos reconhecer a inconstitucionalidade do direito penal como um todo. A tese que aqui defendo é a de que adequação ou não de determinada norma penal deve ser analisada a partir de argumentos que se comprovem empiricamente.

Como qualquer discurso está marcado por um local de fala, e esse pequeno ensaio não passa de mais um discurso, e levando em consideração a superioridade qualitativa dos argumentos desenvolvidos pelas teorias críticas quando colocados em comparação com os produzidos pelas teorias legitimadoras do poder punitivo, defendo a tese abolicionista ao reconhecer que argumentos sociológicos (em especial os provenientes da criminologia crítica, que demonstram o caráter criminógeno do sistema penal) devem ser levados em consideração no controle de constitucionalidade de qualquer norma que limite direitos fundamentais. Dessa forma, a análise dos subcritérios “necessidade” e “proporcionalidade em sentido estrito” resta, teoricamente, sem sentido.

No entanto, como a produção da ciência penal contemporânea deve ser orientada pelo fim pragmático de redução de danos provocados pelo sistema de justiça criminal, resta demonstrada a necessidade prática de desenvolvimento teórico dos subcritérios acima nominados, bem como de critérios dogmáticos, especialmente desenvolvidos na teoria do fato punível e na dogmática da pena, em suas dimensões de aplicação (dosimetria) e execução.


REFERÊNCIAS

HASSEMER, Winfried. El princípio de proporcionalidade como límite de las intervenciones jurídico-penales. In HIRCH, Andrew von; SEELMANN, Kurt; WOHLERS, Wolfgang. Límites al derecho penal. Principios operativos en la fundamentación del castigo. Barcelona: Atelier, 2012.

NEUMANN, Ulfrid. El princípio de proporcionalidad como princípio limitador de la pena. In HIRCH, Andrew von; SEELMANN, Kurt; WOHLERS, Wolfgang. Límites al derecho penal. Principios operativos en la fundamentación del castigo. Barcelona: Atelier, 2012.

STERNBERG-LIEBEN, Detlev. Bien jurídico, proporcionalidade y libertad del legislador penal. In HEFENDHEL, Roland. De largo aliento: el concepto de bien jurídico. In La teoría del bien jurídico. Fundamento de legitimación del Derecho penal o juego de abalorios dogmático? Barcelona/Madrid: Marcial Pons, 2007.

ROXIN, Claus. Strafrecht Allgemeiner Teil, t. I, 4. ed., München, Beck, 2006.


NOTAS

[1] Veja-se o texto constante do Relatório do Projeto de Código Penal que tramita no Senado Federal: “Para Durkheim, não importa o tempo histórico, o direito penal foi e é ainda hoje vingança social. A pena no direito penal moderno continua sendo uma resposta a uma necessidade de vingança: “a pena permaneceu, para nós, o que era para nossos pais: ainda é um ato de vingança, já que é uma expiação. O que vingamos, o que o criminoso expia, é o ultraje à moral”, escreveu em seu célebre Da divisão do trabalho social (Martins Fontes, 2008, p. 60). A pena continua sendo uma reação passional, apesar de, hoje, de intensidade graduada em relação aos séculos passados.  A característica comum a todos os crimes está no fato de consistirem em atos universalmente reprovados pelos membros de cada sociedade. O ato criminoso viola sentimentos comuns à grande média dos indivíduos da mesma sociedade. Pelo menos é do que deve tratar o direito penal.  Isso posto, o Congresso Nacional, caixa de ressonância da sociedade, só pode receber o texto do Projeto de Código como o início de um debate. Os juristas deram sua louvável visão técnica – e, mesmo ela, foi longe de ser consensual. É possível perceber uma tensão no texto. Ao Congresso Nacional cabe, agora, filtrar os anseios sociais. Para além da tecnicidade e das comparações com outros ordenamentos jurídicos, não podemos perder de vista que este deve ser um Código para o Brasil, para a sociedade brasileira. Enfim, deve ser um Código que deve se ajustar à nossa realidade, às nossas peculiaridades. O Senado Federal inicia essa jornada.”

_Colunistas-fabiobozza

 

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