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Proporcionalidade em Direito Penal


Por Fábio da Silva Bozza


Por meio da criminalização primária o legislador penal proíbe determinados comportamentos. Em alguns casos, como na proibição dos crimes contra a honra, a lei limita o exercício de um direito fundamental, no caso, a liberdade de expressão. Em outros casos a conduta incriminada não constitui o exercício de qualquer direito fundamental. Como afirma Dimoulis: “nem mesmo a mais ampla compreensão da área de proteção dos direitos fundamentais permite afirmar que crimes de violência sexual constituem expressão de liberdade individual” (DIMOULIS, 2012, 823).

Numa ou noutra situação, a pena criminal afeta algum direito fundamental do imputado (a liberdade de locomoção, por meio das penas privativas de liberdade, o patrimônio, por meio da pena de multa, e outros direitos, por meio das penas restritivas de direitos). A questão que se coloca é a seguinte: pode o legislador incriminar qualquer comportamento? A legitimidade democrática do Parlamento permite qualquer intromissão nas liberdades individuais? Ou há limites para o legislador penal?

A questão acima colocada deve ser respondida da seguinte forma: por mais que o legislador possua legitimidade democrática (ao menos, formal), ele não pode incriminar qualquer comportamento. A criminalização de uma conduta consiste na limitação ao exercício de direito fundamental do imputado. Dessa forma, o limite do legislador encontra-se justamente na necessidade de justificar a incriminação, indicando a adequação e necessidade da medida de limitação da liberdade individual, ou seja, no Estado Constitucional, não basta a legalidade da medida, é necessário que a lei atenda ao critério da proporcionalidade.

Na teoria constitucional afirma-se que a realização do exame de proporcionalidade é um processo que apresenta, sucessivamente, natureza classificatória (adequação), eliminatória (necessidade) e axiológica (proporcionalidade em sentido estrito). Assim, sequencialmente, podem ser descartadas, por primeiro, as medidas que não sejam adequadas (idôneas) a atingir o propósito que se persegue com a lei, em seguida, as medidas que, embora adequadas, não se apresentem como necessárias, ou seja, reste comprovado que, para a proteção do direito fundamental que se quer tutelar, existe forma menos lesiva ao direito fundamental do cidadão do que a aplicação da lei, e, por fim, as normas que violem a exigência de proporcionalidade em sentido estrito (DIMOULIS; MARTINS, 2008, 183).

A aplicação do critério da proporcionalidade tem por objetivo fiscalizar, racionalmente, o poder do Estado em limitar direitos. No entanto, e aqui me afasto das posturas moralistas do direito (Alexy, Dworkin, dentre outros), a avaliação de constitucionalidade de uma medida (norma jurídica ou ato da administração pública), por meio do critério da proporcionalidade, não tem como pressuposto a existência de uma hierarquia valorativa entre os direitos constitucionalmente protegidos (DIMOULIS; MARTINS, 2008, 183).

O exame de proporcionalidade deve seguir quatro passos. Num primeiro momento, avalia-se se o objetivo da lei que limita determinado direito fundamental é lícito, ou seja, se não está vedado por norma constitucional ou infraconstitucional. Em seguida, deve-se analisar se o meio proposto pela lei, para atingir seu propósito, também é lícito.

Depois desses dois primeiros passos, deve-se analisar a proporcionalidade da medida, observando-se a relação meio-fim (adequação e necessidade). A proporcionalidade proíbe impor aos particulares o ônus que, levando em consideração a finalidade perseguida em termos instrumentais, não seja adequado nem necessário (NEUMANN, 2012, 201).

A relação meio-fim acima mencionada deve ser analisada, num primeiro momento, pela adequação da medida. Adequado é o meio que possibilite o alcance do fim perseguido, o meio capaz de atingir o propósito almejado pela lei. Referindo-se ao subcritério adequação, afirma Canotilho que “a exigência de conformidade pressupõe a investigação e a prova de que o acto do poder público é apto para e conforme os fins justificativos de sua adopção” (CANOTILHO, 2003, 269/270). Na última fase de aplicação do critério, avalia-se a necessidade da medida. Dentre os meios que são adequados a atingir o fim proposto pela lei, deve-se optar pelo que seja menos lesivo ao direito fundamental do atingido pela medida.

Para efeito desta e das futuras colunas sobre o tema, o critério de proporcionalidade apenas será analisado sob a perspectiva de proibição de excesso (Übermassverbot), afastando-se da pretensão de se aplicar a dimensão de proibição de insuficiência (Untermassverbot), aceita pela doutrina e jurisprudência alemãs, e em crescente prestígio na literatura (Lenio Streck, Ingo Sarlet e Luciano Feldens, como respeitáveis representantes desse pensamento) e em recentes julgados no Brasil.

Se, em um Estado Constitucional, as medidas limitadoras de direitos fundamentais apenas são legítimas se servirem à tutela de outro direito fundamental, de plano, as funções de retribuição e prevenção geral positiva não podem funcionar como justificações para a intervenção penal. A pena criminal somente poderia ser entendida, em tese, como instrumento de inibição de condutas e, consequentemente, de proteção de direitos fundamentais, se for entendida como meio de ressocialização (prevenção especial positiva), neutralização (prevenção especial negativa) ou intimidação (prevenção geral negativa). No entanto, sérios estudos criminológicos, como o de Albrecht[1], dentre outros, demonstram empiricamente a inidoneidade da pena criminal como instrumento de prevenção de delitos. Dessa forma, pleitear a inconstitucionalidade de uma lei descriminalizadora (ou que, de qualquer forma, amplie os direitos do imputado) com fundamento na proibição de insuficiência, seria fundamentar O pensamento em algo que se não comprova empiricamente, que é a capacidade de o direito penal funcionar como instrumento de proteção de direitos fundamentais.

Nas próximas colunas, de forma pormenorizada serão analisados os subcritérios da proporcionalidade, bem como demonstraremos a possibilidade de aplicação prática destinada ao controle de constitucionalidade da legislação de drogas.


REFERÊNCIAS

ALBRECHT, Peter-Alexis. Criminologia. Uma fundamentação para o direito penal. Traduação de Juarez Cirino dos Santos e Helena Schiessl Cardoso. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed., Coimbra: Almedina, 2003. p. 269-270  O sublinhado não consta no original.

DIMOULIS, Dimitri. Direito penal constitucional. Finalidade, fundamentos, dimensões. In BOZZA, Fábio; ZÍLIO, Jacson. Estudos críticos sobre o sistema penal. Homenagem ao Professor Doutor Juarez Cirino dos Santos por seu 70º aniversário. Curitiba: LedZe Editora, 2012.

DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

NEUMANN, Ulfrid. El princípio de proporcionalidad como princípio limitador de la pena. In HIRCH, Andrew von; SEELMANN, Kurt; WOHLERS, Wolfgang. Límites al derecho penal. Principios operativos en la fundamentación del castigo. Barcelona: Atelier, 2012.


NOTAS

[1] Conclui Albrecht: “A aplicação do Direito Penal orientada pela prevenção é, portanto, uma técnica de decisão pragmaticamente dirigida. Neste caso, a vinculação da lei e os supostos efeitos das consequências jurídicas são, em princípio, aceitas (“dogmática”). A aplicação do Direito Penal não pode se apoiar em uma confirmação pelas Ciências sociais empíricas. Depende, antes, de dogmas de validade incondicional. ALBRECHT, Peter-Alexis. Criminologia. Uma fundamentação para o direito penal. Traduação de Juarez Cirino dos Santos e Helena Schiessl Cardoso. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 76 e ss

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Foto: Tyler Westcott

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