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Proposta Indecente e os dilemas morais

Proposta Indecente e os dilemas morais

É certo que a humanidade sempre se deparou com alguns dilemas, impasses e enigmas, que tentou responder de formas distintas.

Proposta Indecente, de Adrian Lyne

E é em Proposta Indecente, película de 1993, dirigida por Adrian Lyne e interpretado por Robert Redford, Demi Moore e Woody Harrelson, que o óbice aos princípios aceitos pela filosofia ocidental se evidencia por um aspecto presente em todo mundo: o dinheiro, sua necessidade e aceitação.

É importante esclarecer que há o livro homônimo, escrito por Jack Engelhard, e, diferentemente do que traz o filme, este se integra com temas mais extensos, como a religião e a espiritualidade, enquanto naquele há o dinheiro e a moral.

Até que ponto, em circunstancias desfavoráveis em nível material e patrimonial, o dinheiro pode ser o fator de uma mudança real que considere a compra/venda de princípios considerados sóbrios e prestigiados?

É inerente a cada cultura quais valores serão considerados, e em detrimento do próprio ser humano, se este proporcionar a venda, troca ou extermínio de determinados padrões.

Assim como um impasse surge, a dúvida entre fazer o certo e o que é precisamente necessário acompanha toda a estrutura destes valores, tidos como fundamentais.

Desprezar conceitos não se amolda tanto como prejudicial na vida particular de cada um quanto depreciar as próprias concepções. E esse pode ser o fim da essencialidade: o dissipar do egrégio, da integridade e do sagrado pode levar a caminhos abomináveis, como o fim do que pode ser considerado como fundamental.

A venda do corpo retratada no filme somente se dá como profana a partir do momento em que há um acordo, entre os conviventes em matrimônio, de que o princípio da fidelidade e de valores do casamento passam a ser rompidos pela oferta (e aceitação desta) em dinheiro.

Ocorre que os personagens devem aceitar ser esse um princípio válido, por intermédio de sua interação, pois não há crime, atrocidade ou ilegalidade. Há apenas o dilema.

Assim como bem trouxe Michael Sandel, em seu famoso “Justiça, o que é fazer a coisa certa”, empresas consideradas num mercado mundial trocam/financiam sórdidas atitudes como a poluição de rios, mares e desmatamento de florestas por caríssimas multas as quais elas podem pagar.

Aqui há a inversão do princípio, mas também existe o entendimento das pessoas responsáveis que fazem algo errado, mas que a multa viria como um perdão e uma contingência para que possam realizar seus atos condenáveis, que serão pagos de volta à sociedade em forma de multa pecuniária.

Por outro lado, a situação de um rapaz chinês que em 2011 vendeu um rim para comprar um iPhone é bem diferente. Nesse caso, as consequências desastrosas que recaíram sobre o homem, que na época da venda do órgão tinha 17 anos, vieram sopesadas por um princípio não apenas ético, mas também por um dilema que assombra os passos da humanidade: o ter para ser.

Calculou o valor da sua saúde, e consequentemente de sua vida, e considerou que esta não valeria pena sem o bem material que tanto queria. Calculou, se é que a tenra idade o deixou, que é necessário ser possuidor daquilo que se deseja, para que faça parte no concreto mundo do consumismo.

Aqui também não há crimes por conta do rapaz, que, abduzido por uma falácia produzida pela ascensão capitalista de posse de bens fungíveis (e claro, não tão necessários quanto um rim), cedeu pedaço de si; vivendo hoje uma vida angustiante que requer cuidados especiais.

Todavia, os reais bandidos dessa situação são os traficantes de órgãos que pagaram três mil dólares pela peça, estes sim vilões da vida real que buscam um meio prático/sórdido de conseguir o seu quinhão num mundo onde tudo se compra.

Proposta Indecente: será que o dinheiro pode comprar tudo?

Mas ao se deparar de volta à Proposta Indecente percebe-se um mecanismo tão complexo quanto ao do inábil rapaz. Será que o dinheiro pode comprar tudo? E essa é a questão a ser respondida pelo excêntrico milionário capaz de tal oferta. Será que tudo está mesmo à venda?

Se sim, valores como honra, amor, paixão, integridade, fidelidade; que são considerados riquezas morais podem ser alugados, cedidos, vendidos e alienados. Vive-se de fato um período de maquinações monetárias e engenhosidades dos grandes vendedores e pracistas, onde tudo, por um bom preço, pode ser seu.

Se não, precificar coisas e quantificá-las em um ideal de necessidade ou não, significa entender que os valores podem ser alterados conforme a que se dá de fato, um maior valor.

Princípios, amor, paz, honra, integridade e fidelidade podem ser esses juízos de valor que nos separam e nos identificam num mundo onde o dinheiro controla. Podem ser esses valores, em conjunto aos demais não citados aqui, que geram a diferença entre as diferenças mais audaciosas que cercam as pessoas.

Imagine, assim, um mundo em que a compra de votos, sentenças judiciais, compra de lugares na fila de atendimento médico gratuito, venda de remédios distribuídos à população carente, venda de órgãos e outras tantas situações, é altamente capaz de influenciar cada passo de uma pessoa, desde o início de sua vida.

Pagar para que uma criança leia um livro é tão condenável quanto a compra de votos. A finalidade aqui se distancia do concreto motivo que se deve ter ao pegar o livro e ler, ou ao de votar pela própria intuição.

Neste prisma, trabalhos escolares, notas que medem o conhecimento do aluno, provas, tudo isso entra em um dilema muito antigo que o homem possui: qual a finalidade, ou o real propósito disso tudo?

Se há uma compensação para aquele momento (notas/trabalhos escolares) ou para ganhar em troca (ler para receber), o efeito final teve apenas o aspecto prático e utilitarista considerado; ou seja, a mesma circunstância que hoje parece controlar o mundo, as pessoas e seus afazeres. A corrupção nasce e vive nesses meandros.

Proposta indecente é isso tudo misturado

Os dilemas que os homens carregam, hora ou outra serão respondidos por suas próprias necessidades.


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Iverson Kech Ferreira

Mestre em Direito. Professor. Advogado.

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