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A contribuição da psicologia investigativa nos casos de toxicomanias e serial killers

A contribuição da psicologia investigativa nos casos de toxicomanias e serial killers

Muitos psicopatas e criminosos em série abusam de álcool e de outras drogas, esse fato é demonstrado em diversas histórias relatadas de serial killers de todas as regiões do mundo. Em especial, dignos para exemplo, casos “clássicos” ilustram notadamente essa relação psicopatia/drogas: Ted Bundy, Jeffrey Dahmer, Chico Picadinho, Gacy e vários outros.

Sabe-se que o uso excessivo do álcool e da droga, muitas vezes, coopera com certas atitudes desagradáveis das pessoas: dos efeitos físicos (discurso verbal prejudicado, alterações de humor, desequilíbrio motor, etc) aos acidentes de carro (dirigindo alcoolizado e provocando acidentes) e sobretudo, ao aumento da agressividade para com outrem.

Para Cordeiro (2011), a junção do álcool com a violência pode ter consequências, “tornando conscientes fantasias agressivas, violentas e anti-sociais [sic]” (p.315). Esse autor fala também de dois tipos de agressores alcoolizados, trazendo uma distinção entre eles: o primeiro tipo de agressor perde a noção da realidade e da socialização quando alcoolizado; e o segundo tipo são agressores que possuem um distúrbio latente, como as personalidades psicopáticas, que enquanto alcoolizados se predispõe a comportamentos violentos – nesse tipo se encaixam parte dos criminosos em série (serial killers).

Cordeiro (2011) e Eça (2010) analisam os possíveis motivos do uso de álcool (entorpecentes) por indivíduos de personalidade psicopática. Para o primeiro autor, o tóxico pode trazer um alívio rápido para sua tensão interior, pode negar as angústias e anestesiar o sujeito dos estresses da vida e do autoerotismo (prazer intenso no corpo).

Para Eça (2010), o uso abusivo de álcool faz pensar em personalidades anormais, principalmente, do tipo psicopático, apontando alguns tipos:

  1. Depressivo: utiliza da droga como “fonte de felicidade” que não encontra dentro de si;
  2. Distímico: que tem na droga a saída para a sensação desagradável dos sintomas depressivos persistentes que lhe tormentam;
  3. O inseguro de si mesmo, para qual a droga fornece credibilidade que não encontra dentro de si, dando-lhe força para poder tomar atitudes que de outra maneira não tomaria;
  4. Abúlico (apático), que usa o tóxico como “gasolina da vida”, já que lhe falta vontade e energia, emprestadas então pelo tóxico.

Um ponto instigante é que esse uso pode exercer diversas funções tanto para os criminosos (psicopatas) quanto para as vítimas. Nos assassinos e estupradores em série (serial killers), o uso de álcool ou de drogas surge principalmente antes do ato criminoso, mas também pode aparecer durante e após o crime.

Já o uso feito pelas vítimas pode se apresentar de duas formas: voluntariamente, quando as vítimas se apresentam em situação de maior vulnerabilidade com o nível de percepção rebaixado, afetando seu discernimento; e de forma involuntária, quando os agressores obrigam as vítimas a usarem álcool com ou sem drogas camufladas na bebida. Alguns exemplos:

  • Charles Manson criou uma comunidade na década de 60 onde recrutou diversos seguidores que (aproveitando os movimentos sociais contra a guerra) eram suscetíveis às manipulações feitas através de seu discurso. Manson distribuía drogas, como o L.S.D (Dietilamina de Ácido Lisérgico), para controlar seus integrantes e dava ordens de cometerem atos homicidas (GUINN, 2014) – bebidas alcoólicas também eram utilizadas com frequência por todos.
  • Ted Bundy, antes de começar a matar, embebedava-se para diminuir suas inibições com as mulheres. Quando amadureceu a intenção e conseguiu passar ao ato, não precisou mais da bebida. (TENDLARZ; DANTE, 2013).
  • Jeffrey Dhamer colocava comprimidos de remédios para dormir nas bebidas de suas vítimas com o objetivo de as deixarem sem reação (RESSLER, 2010). Outras drogas com a mesma finalidade, as “Club Drugs”, utilizadas em festas eletrônicas e também são usadas para crimes sexuais (GHB, Rohypnol…), são colocadas nas bebidas alcoólicas das vítimas, sem que elas percebam.
  • No julgamento de John Wayne Gacy, numa estratégia de defesa dos seus 33 assassinatos, relata que não sabia bem o que estava fazendo, pois, para lidar com sua longa jornada de trabalho, tomava Valium (também conhecido como Diazepam) e, quando drogado, “poderia ter matado um ou outro jovem” (sic). Nesse caso, o elemento droga não é relevante, já que foi um esforço dos advogados de defesa com o intuito de atenuar a culpa do assassino (RESSLER, 2010).
  • Francisco da Costa Rocha, conhecido como Chico Picadinho, frequentador da alta boemia paulistana, assassinou duas mulheres e ganhou esse apelido após literalmente “picar” o corpo delas, ou seja, de desmembrar seus corpos. Chico Picadinho se excedeu no uso da bebida alcoólica em ambos os crimes, o que parece ter tido grande influência em seu ato (CASOY, 2014).

A violência nos crimes possui uma pluricausalidade, pode-se dizer que há uma forte relação com a psicopatia e com o uso de álcool, ambas inseridas nos construtos clínicos mais significativos para o sistema da justiça penal (MAYER et al, 2016). Sabendo que um assassino em sua total falta de empatia pela vítima, sem sentimento de culpa, muitas vezes, utiliza-se do recurso do álcool durante o homicídio, ficando a incerteza da finalidade deste uso.

Enfim, alguns pesquisadores acreditam que as drogas e o álcool frequentemente têm papel importante nos atos violentos. Para tanto, é difícil determinar com precisão qual seu papel específico e qual seria o nexo causal entre essas substâncias e os atos violentos.

Estudos especulam a associação entre o álcool e a violência, estes são considerados parte de uma multifatoriedade de causas, sendo uma delas a personalidade do indivíduo. Tais aspectos demonstram como a investigação nessa área é bastante complexa.

Quando se trata de um criminoso que cometeu assassinatos em série e ainda apresenta alcoolismo, torna-se ainda mais complexo classificá-lo, para que ele tenha um julgamento justo.

Sendo assim, o direito pode ter auxílio dos conhecimentos de outras áreas, como, por exemplo, através de laudos de psiquiatras forenses e de psicólogos. O emprego dos exames complementares da área forense pode ser proficiente ao agregar evidências clínicas à prova pericial.


REFERÊNCIAS

CASOY, I.  Serial Killers: Made in Brasil. Rio de Janeiro: DarkSide Books, 2014. 360p.

CORDEIRO, J. C. D. Psiquiatria Forense: a pessoa como sujeito ético em Medicina e em Direito. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian, 2011. 434p.

EÇA, A. J. Roteiro de Psiquiatria Forense. São Paulo: Saraiva, 2010. 396p.

GUINN, J. Manson, a Biografia. Rio de Janeiro: DarkSides Books, 2014. 520p.

MAYER, E. L.; FOLINO, J.O.; TABORDA, J.G.V.; HARE, R.D. Violência e Psicopatia. In: In: ABDALLA-FILHO, E.; CHALUB, M.; TELLES, L.E.B. Psiquiatria Forense de Taborda. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2016. P. 529 – 540.

RESSLER, R.; SHACHTMAN, T. Dentro del Monstruo – Un Intent de Compreender a los Asesinos em Serie (Minus) (Spanish Edition) (Locais do Kindle 1920). Editora Alba, 2010. 216p.

TENDLARZ, S.E.; GARCIA, C.D. A Quem o Assassino Mata? O Serial Killer a Luz da Criminologia e da Psicanálise. São Paulo: Editora Atheneu, 2013.


Leia mais textos sobre serial killers AQUI.

Clarice Santoro

Especialista em Psicanálise, Saúde Mental e Criminal Profiling. Psicóloga.

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