Psicopatia: o limiar entre a sanidade e a insanidade mental
Psicopatia: o limiar entre a sanidade e a insanidade mental
A cada dia, a criminalidade no meio social vem tomando grandes proporções e chama a atenção da população para as altas taxas de reincidência e para o aumento constante da população carcerária do Brasil. No entanto, uma pequena parcela de autores praticantes de determinados delitos merece cautela: os psicopatas.
Certamente você já ouviu falar algo sobre estes indivíduos e, com certeza, sentiu-se desconfortável apenas em pensar, por um momento, que possam existir pessoas assim. Contudo, sabemos de fato quem são esses indivíduos?
Compreender quem são os psicopatas é de extrema relevância, não apenas para sanar a nossa curiosidade ou à nível de conhecimento, mas também para a nossa própria segurança. Diferente do que muitas pessoas pensam, o psicopata não é aquela figura típica apresentada pelos filmes hollywoodianos.
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De fato estes existem, entretanto, não se trata apenas de assassinos frios, violentos e cruéis que passam pelas telas cinematográficas, que, por muitas vezes, apresentam outros tipos de transtornos mentais que são somados a sua antissocialidade.
Trata-se em realidade, de pessoas muito parecidas comigo e com você e que podem estar muito perto de nós, camuflando-se na sociedade. O que os difere da maioria de nós é o comportamento antissocial apresentado por esses indivíduos, que constantemente vão de encontro às normas postas pelo ordenamento jurídico.
Conforme afirmava Schneider, considerado o pai da psicopatia, o psicopata é “um sujeito assim”, é um modo de ser, um tipo de personalidade, com algumas particularidades, que os diferem das outras pessoas. O indivíduo psicopata é caracterizado por ser incapaz de experimentar o verdadeiro sentido das emoções básicas, tais como amor, tristeza, remorso, culpa, ansiedade e empatia.
Entretanto, diferentemente da pessoa acometida por uma doença mental, os psicopatas não são pessoas desorientadas, não são afligidos por alucinações, angústias, sofrimento mental ou perda de contato com a realidade, sintomas típicos apresentados por pessoas portadoras de doenças mentais.
Pelo contrário: os psicopatas são plenamente conscientes e racionais em relação ao que estão fazendo, e seu comportamento é resultado de uma escolha exercida de forma livre, sem a interferência do resultado de qualquer enfermidade. O que o compromete é apenas a incapacidade de realizar um juízo de valor moral referente a sua conduta.
Estudos recentes na área da neurociência apontam que a psicopatia está estritamente ligada à má formação das estruturas cerebrais que compõem o sistema límbico, os lobos pré-frontais e o córtex pré-frontal. Estruturas essas responsáveis pelas emoções e tomada de decisões que, quando alteradas, podem contribuir para a ocorrência do comportamento antissocial (TRINDADE, 2012, p. 168).
Nos presentes estudos pode ser constatado que a amígdala, no cérebro dos psicopatas, apresenta uma redução considerável quando comparada à amígdala de indivíduos não psicopatas. Ainda, três de treze núcleos que compõem esta estrutura encontram-se deformados em psicopatas.
Tendo em vista tal deformidade encontrada na estrutura responsável pelos sentimentos, os psicopatas tornam-se funcionalmente comprometidos em áreas importantes das estruturas responsáveis pelas emoções (RAINE, 2015, p. 159 – 160), e os profissionais da área utilizam essa justificativa para explicar a ausência desses sentimentos em psicopatas.
Em razão disso, existe divergência quanto à responsabilidade criminal do indivíduo psicopata criminoso, haja vista que este possui determinadas áreas emocionais comprometidas, que o impossibilita realizar um juízo de valor sobre as suas atitudes e as dos outros. Entretanto, ao mesmo tempo, não possui qualquer deficiência do ponto de vista cognitivo, pois compreende perfeitamente o que está fazendo.
Para a maior parte da doutrina a psicopatia é considerada um transtorno de personalidade e não uma doença mental que afeta a capacidade volitiva e psíquica do agente. Por consequência, na seara criminal, os indivíduos psicopatas são enquadrados no âmbito das perturbações da saúde mental, sendo-lhes atribuída a semi-imputabilidade, ou ainda, em alguns casos, a imputabilidade plena, de acordo com a interpretação do magistrado sobre o caso concreto à luz do art. 26 e parágrafo único do Código Penal.
A responsabilidade penal atribuída ao psicopata é de extrema relevância, tendo em vista que, dependendo dessa fixação (imputabilidade ou semi-imputabilidade), será utilizada como critério para a escolha da aplicação da sanção penal adequada ao delinquente quando ele se envolve na esfera criminal.
Assim, são apresentadas ao magistrado três possibilidades referentes à destinação desses indivíduos na esfera criminal: 1) Aplicação de uma pena, sem qualquer redução; 2) Aplicação de uma pena, com a redução obrigatória de um a dois terços; 3) Imposição de uma medida de segurança.
Contudo, dada a ausência de sentimento de culpa e remorso nas personalidades psicopáticas em razão de seu transtorno de personalidade, psicopatas são incapazes de aprender com a experiência ou com a severidade de um castigo.
Nesse sentido, a aplicação de uma pena se mostra ineficaz quanto à tentativa de recuperação desse indivíduo, não oportunizando assim, de forma segura, o seu retorno à sociedade, tampouco foi descoberto ainda, um tratamento para esses indivíduos, o que deslegitima a aplicação de uma medida de segurança.
Afinal, tratar ou punir indivíduos psicopatas? Em se tratado de psicopatia no âmbito criminal, grande é a responsabilidade e o desafio para os operadores do Direito. Nesse sentido, os desdobramentos proporcionados por essas duas possibilidades causam insegurança jurídica quanto à destinação do psicopata na seara criminal.
Portanto, é necessária a implementação de uma política criminal direcionada exclusivamente a esse fim. Entretanto, o Brasil ainda não apresenta, até o momento, disposição legal que possibilite essa abordagem.
Contudo, a necessidade de se pensar sobre o assunto é evidente, devido ao atual momento que vivenciamos, com aumento constante de crimes violentos e dos altos índices de reincidência criminal que assolam a nossa sociedade.
REFERÊNCIAS
RAINE, Adrian. A anatomia da violência: as raízes biológicas da criminalidade. Tradução: Maiza Ritomy Ite. Porto Alegre: Artmed, 2015.
SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.
TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. 6 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.