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Punição, migração e capitalismo

Punição, migração e capitalismo

A criminologia crítica, de algum modo, aponta para a correspondência entre punição e modo de produção capitalista (RUSCHE; KIRCHHEIMER, 2004, p. 20), buscando compreender, com um enfoque materialista, as funções daquele para a reprodução deste (LARRAURI, 1992, p. 141).

Justamente por isso, e o que se pode supor de forma sumário nestes apontamentos iniciais, é que a criminalização dos movimentos migratórios está sob a determinação desta correspondência (punição e modo de produção), e sua finalidade é controlar a mobilidade do trabalho (DE GIORGI, 2006, p. 111) para potencializar a exploração econômica (PICKERING; BOSWORTH; FRACO, 2017, p. 193), pois estabelece um verdadeiro exército de pessoas que não tem outra alternativa senão a submissão a estas condições: de um lado, manutenção dos indivíduos em áreas marginalizadas aonde a produção de mercadorias sejam mais baratas, as quais, todavia, não encontrarão entraves na transposição dos limites territoriais para a sua circulação mercantil; de outro, leva a um regime de precariedade (DE GIORGI, 2006, p. 111) nas localidades nas quais foram levadas as pessoas, a quem passa atribuir a condição de irregularidade-ilegalidade.

Na linha do que já se expôs quanto a relação do mercado de trabalho e criminalização (RUSCHE; DINWIDDIE, 1978, p. 2-8), esta encontra no controle da migração mais uma forma de regulação daquele, do que se pode supor ser forma de contribuição para a reprodução do modelo social em que vivemos, e isto se insere na lógica mais ampla de criminalização da pobreza (DE GIORGI, 2006, p. 111), marcado pelo gerenciamento diferencial da criminalidade conforme a posição de classe do autor (SANTOS, 1981, p. 51-52).

Algo que está evidente na contemporaneidade, mas cuja essência deve ser analisada de forma arguta posteriormente, por certo é a atribuição de fatores risco ao movimento migratório, como se ele constituísse em um grupo social perigoso, que demanda identificação, classificação e gerenciamento, ou seja, a criminalização dos migrantes seria então organizada pela lógica atuarial, supostos padrões estatísticos empregados no sistema de justiça criminal para a predição da criminalidade (DIETER, 2012, p. 100-101).

Assim, as pessoas postas em movimento dadas as condições sociais, políticas e econômicas já poderiam ser vistas como possíveis figuras criminosas, quer dizer, antecipando, como se supõe a lógica atuarial, um hipotético e desfavorável comportamento vindouro – o éden dos discursos de guerra ao terrorismo, e os altos muros que se erguem – ao que demandaria neutralização, ampliando, a não mais poder, as restrições e as formas de controle do movimento migratório, que não é outra coisa senão o governabilidade de mobilidade da força de trabalho, ou seja, tríplice relação entre punição, migração e modo de produção.


REFERÊNCIAS

CIRINO DOS SANTOS, Juarez. A criminologia radical. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1981.

DE GIORGI, Alessandro de. Re-thinking the political economy of punishment: Perspectives on Post-Fordism and Penal Politics. – 1. ed. – England: Ashgate Publishing Limited, 2006.

LARRAURI. La herencia de la criminologia crítica. 2. ed. ­– México: Ed. Siglo XXI Editores, S. A., 1992

PICKERING, Sharon; BOSWORTH, Mary; FRACO, Katja. Criminologia da mobilidade. In: CARLEN, Pat; FRANÇA, Leandro Ayres (org.) – Porto Alegre: Canal de Ciências Criminais, 2017, p. 185-200.

RUSCHE, Georg; DINWIDDIE, Gerda. Labor Market and Penal Sanction: Thoughts on the Sociology of Criminal Justice. In: Crime and Social Justice, nº 10 (fall-winter 1978), p. 2-8.

Gabriel Martins Furquim

Especialista em Direito Penal. Advogado.

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