Punitivismo, Lei de Execução Penal e Direito Penal do Inimigo
Punitivismo, Lei de Execução Penal e Direito Penal do Inimigo
Conforme dados do Conselho Nacional de Justiça, o número de presos no país está nestas condições:
Presos em regime fechado: 326.389
Presos em regime semiaberto: 113.904
Presos em regime aberto: 9.470
Presos provisórios: 240.819
Presos em prisão domiciliar: 8.388
Total: 698.970
Internos em cumprimento de Medida de Segurança: 3.126
O STF já declarou na ADPF 347/2015 o “estado de coisas inconstitucional” dos presídios. A retórica dos vencedores nas últimas eleições já demostra que a situação só irá piorar.
O discurso punitivista é o grande vencedor em todas as eleições, municipais, estaduais e do Governo Federal. A adesão da população a essa retórica mostra que dá resultados. No entanto, vender a ideia que aumentar a punição, por si só, resolve a questão da segurança pública é placebo, como sabe qualquer estudante de Direito Penal.
Dispõe a Lei de Execução Penal:
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.
Art. 11. A assistência será:
I – material;
II – à saúde;
III – jurídica;
IV – educacional;
V – social;
VI – religiosa.
Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.
Art. 13. O estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração.
Art. 40 – Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.
Art. 41 – Constituem direitos do preso:
I – alimentação suficiente e vestuário;
II – atribuição de trabalho e sua remuneração;
III – Previdência Social;
IV – constituição de pecúlio;
V – proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;
VI – exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;
VII – assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;
VIII – proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
IX – entrevista pessoal e reservada com o advogado;
X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;
XI – chamamento nominal;
XII – igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;
XIII – audiência especial com o diretor do estabelecimento;
XIV – representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;
XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.
XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.
Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento. (grifos nossos).
A Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) é uma lei extensa, que pretende englobar toda a questão atinente ao condenado, direitos (pois, que o preso tem direitos), deveres, a ampla assistência que o Estado deve prover a quem está sob seus cuidados, as faltas e punições que o preso pode sofrer.
Mesmo a LEP, com seu rol de direitos do presidiário, sofre críticas de doutrinadores mais garantistas, devido à questão do Regime Disciplinar Diferenciado e do que é previsto em lei como “falta grave”. A título de exemplo, o artigo 50 da LEP prevê como falta grave o mero porte de celular, mesmo que o mesmo não tenha sido utilizado para cometimento de novos crimes. A mera posse do referido objeto já é passível de punição.
Não é preciso ser especialista em Execução Penal para compreender que a LEP sequer é cumprida em sua totalidade nos presídios do país. Esse descaso conjunto de Judiciário e Executivo levou ao atual “estado de coisas inconstitucionais” e pode levar todo o sistema presidiário a um colapso.
Outro aspecto dos dados do CNJ que deveria causar escândalo em um Estado Democrático de Direito é o número absurdo de presos provisórios. Sem sentença condenatória transitada em julgado, temos que chegar à óbvia conclusão de que os presos provisórios estão em cumprimento antecipado da pena, sendo que a pena final não foi fixada pela autoridade competente. A situação do preso provisório fere o princípio constitucional da presunção de inocência e o princípio da individualização da pena, entre outros.
Essa retórica punitivista encontra respaldo na tese do Direito Penal do Inimigo, defendida por Jakobs.
O inimigo não é pessoa: o indivíduo que não admite ingressar no estado de cidadania, não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa O inimigo, por conseguinte, é uma não-pessoa. Como não-pessoa não é um sujeito processual, logo não pode contar com direitos processuais (…). (In GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal, vol. 01: Introdução e Princípios Fundamentais/Luiz Flávio Gomes; Antônio García-Pablos de Molina; Alice Bianchini. São Paulo – Editora Revista dos Tribunais, 2007.).
Colocando-se o criminoso como inimigo, retirando dele sua humanidade com o conceito de não-pessoa, está justificada sua destruição pelo Estado. Destruição física: o “inimigo” deve ser aniquilado para a segurança da sociedade.
Em seu livro, Jakobs citou o fatídico 11 de setembro de 2001. A chamada “guerra ao terror” do Governo Bush, como a História demonstrou, foi um desastre humanitário sob todos os pontos de vista. Assange, Snow, entre outros importantes personagens da História recente, denunciaram os crimes de guerra cometidos por agentes norte-americanos, tanto em solo norte-americano quanto na “Guerra do Iraque”, crimes que seguem sem punição em sua maioria.
No Brasil, recentemente tivemos a “intervenção federal” no estado do Rio de Janeiro. De acordo com diferentes entidades, da Anistia Internacional à Defensoria Pública do Rio de Janeiro, ocorreram abusos cometidos por agentes do Estado contra civis. A criminalidade no estado do Rio de Janeiro segue intacta, senão maior, mesmo sob a intervenção:
Cerca de sete meses após o decreto de intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, organizações da sociedade civil alertam para as violações de direitos humanos e aumento de índices de violência que revelam a ineficiência do modelo adotado. Os confrontos entre facções, milícias e as forças de segurança se acentuaram, levando ao recorde histórico de 6 mil tiroteios registrados durante os meses da intervenção. Houve um aumento de 38% de mortes decorrentes de ação policial em relação ao mesmo período no ano passado.
Não faltam, pois, exemplos de que a aplicação de teorias punitivistas não resolve a questão da criminalidade e ainda aumentam os abusos contra civis por parte de agentes do Estado. A solução para redução da criminalidade não é simplória, como querem fazer acreditar os defensores do discurso punitivista.
REFERÊNCIAS
GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal, vol. 01: Introdução e Princípios Fundamentais/Luiz Flávio Gomes; Antônio García-Pablos de Molina; Alice Bianchini. São Paulo – Editora Revista dos Tribunais, 2007.