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Quando e o que alegar no Habeas Corpus

Quando e o que alegar no Habeas Corpus

O habeas corpus é uma ação autônoma de impugnação, a qual encontra fundamento legal no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, o qual assim dispõe:

conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

O habeas corpus, então, para além de se tratar de uma ação penal não condenatória, é uma garantia constitucional que está ligada a outra garantia constitucional, qual seja, a liberdade de locomoção, que compreende o direito de ingressar, sair, permanecer e se locomover no território nacional.

O habeas corpus, portanto, enquanto fundamento legal encontra amparo não apenas no disposto no artigo 5º, inciso LXVIII, da CF, mas, também, nos artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal, o qual, para além da hipótese ampla de cabimento da ação constitucional, traz e elenca outras tantas hipóteses de cabimento do remédio heroico.

E o que significa coação ilegal a ensejar a concessão do habeas corpus?

Segundo o artigo 648 do CPP: quando não houver justa causa, ou seja, quando a prisão ou privação e restrição da liberdade se encontrar desamparada legalmente, ou quando não houver indícios suficientes de autoria e prova da materialidade para a investigação ou o processo, caso em que se admite o trancamento da investigação ou do processo em si, para além de quando estiver extinta a punibilidade, nos termos do artigo 107 do CP; quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei, e, sinale-se, que aqui, a leitura do dispositivo deve se dar em conjunto com a garantia constitucional da razoável duração do processo, quanto mais quando se verifica que em termos de prisão preventiva, por exemplo, no Brasil, trabalhamos com a doutrina do não prazo; quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo; quando houver cessado o motivo que autorizou a coação, caso em que inicialmente a prisão não ensejava coação ilegal, mas torna-se ilegal por que seus fundamentos não mais subsistem; quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei autoriza; quando o processo for manifestamente nulo, hipótese em que o writ não terá como pedido imediato à liberdade do paciente, mas, sim, a anulação do processo; e quando estiver extinta a punibilidade.

Fala-se em habeas corpus repressivo ou liberatório, quando se objetiva a expedição de alvará de soltura; habeas preventivo, quando se pretende a emissão de salvo-conduto; habeas suspensivo, quando se pretende a expedição de contramandado de prisão; ou habeas profilático, quando se impugna ato ou medida que importem em constrangimento futuro, como na hipótese de trancamento da investigação ou do processo penal.

Veja-se que o habeas não comporta prazo legal, uma vez que enquanto houver a possibilidade de restrição na liberdade de locomoção do paciente, a sua impetração será permitida. E o habeas poderá ser impetrado por qualquer pessoa, independentemente de habilitação legal ou representação de advogado, até mesmo o Ministério Público pode impetrá-lo, e o Judiciário, ainda que não possa impetrar o remédio heroico, poderá deferi-lo de ofício, consoante o disposto no artigo 654, § 2º, do CPP.

Entretanto, a sua impetração se dirige geralmente à autoridade imediatamente superior àquela que proferiu ou emitiu a coação ilegal, e, para tanto, os dispositivos constitucionais nesse ponto são de fundamental importância.

A sua forma de propositura é livre (já tivemos habeas escrito em papel de pão e de papel higiênico), mas é sempre bom identificar na peça quem é o paciente, ou seja, aquele que sofre ou sofreu ou está na iminência de sofrer violência ou coação na sua liberdade de locomoção; o impetrante, o qual poderá ser pessoa diversa da do paciente, que é aquele quem requer a ordem de habeas corpus e deverá assiná-la, de acordo com o CPP; a autoridade impetrada, que é aquele a quem é endereçado o pedido de habeas corpus; e a autoridade coatora, que é qualquer pessoa, seja pública ou particular.

Também será de fundamental importância narrar a situação fática, a fim de enquadramento nas hipóteses anteriormente trabalhadas de cabimento da ação constitucional, inclusive, para ao final se requerer de forma correta o pedido, pois se liberatório será a expedição do alvará de soltura, se preventivo será a expedição do salvo-conduto e assim por diante.

Além disso, é preciso ao conhecimento da ação constitucional que se junte ao pleito da impetração toda prova pré-constituída, geralmente a cópia integral do processo ou da investigação, uma vez que o writ não admite dilação probatória, nesse sentido são diversas as decisões dos Tribunais afastando o conhecimento da impetração, sem sequer ingressar no mérito do que está sendo pleiteado.

Existem algumas súmulas do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema, bem como se discute da possibilidade de utilização do habeas em determinadas situações, algumas, inclusive, conforme previsão sumulada, outras, no caso, por exemplo, da execução criminal, bem como quando da dificuldade de se individualizar os pacientes ou as pacientes, o que restou superado pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida em fevereiro desse ano, quando a Suprema Corte deferiu ordem de habeas corpus alcançando todas as mulheres e adolescentes privadas de liberdade, grávidas, puérperas ou mães de crianças até 12 anos de idade, nos autos do HC 143641/SP.

Para tanto, vale transcrever parte das palavras proferidas pelo Ministro Ricardo Lewandowski, relator da referida decisão:

Com maior razão, penso eu, deve-se autorizar o emprego do presente writ coletivo, dado o fato de que se trata de um instrumento que se presta a salvaguardar um dos bens mais preciosos do homem, que é a liberdade. Com isso, ademais, estar-se-á honrando a venerável tradição jurídica pátria, consubstanciada na doutrina brasileira do habeas corpus, a qual confere a maior amplitude possível ao remédio heroico, e que encontrou em Ruy Barbosa quiçá o seu maior defensor. Segundo essa doutrina, se existe um direito fundamental violado, há de existir no ordenamento jurídico um remédio processual à altura da lesão.

A decisão acima e a sua fundamentação se torna ainda mais interessante quando se verifica que o próprio STF, em jurisprudência chamada de defensiva, acabou por criar limites para a impetração do habeas, como no caso do habeas corpus substitutivo do recurso ordinário constitucional ou quando da sua utilização enquanto sucedâneo recursal.

Não há espaço nesse âmbito para aprofundarmos e tratarmos todos os temas necessários em sede de habeas corpus, mas uma coisa é certa, a importância dessa garantia constitucional está não apenas na sua história, na sua construção, mas, principalmente no seu conteúdo, que tem por núcleo duro o direito a liberdade.

E seu manejo serve para que jamais nos esquecêssemos de que na história do Brasil sofremos com períodos em que as garantias mais caras ao ser humano restaram suspensas, quando, por exemplo, quando da edição do Ato Institucional de nº 05, que perdurou de 1968 a 1978, ou seja, pelo período de 10 anos, ao longo dos 21 anos de ditadura civil-militar no nosso país.  

Por isso, quero finalizar com as palavras do Professor Nereu Giacomolli:

Na América Latina, segundo conclusão da CIDH, a restrição e a falta de efetividade do habeas corpus contribuíram com a tortura, com milhares de desaparecimentos e homicídios, cometidos ou tolerados por alguns governos, conforme se infere do item 36 da Opinião Consultiva nº 8/1987. Portanto, além da proteção da liberdade física ou pessoal, o habeas corpus destina-se à proteção da vida, dos maus-tratos, da tortura, dos desaparecimentos, dos danos físicos e sociais; em suma, sua funcionalidade assecuratória atinge todo o sistema dos direitos humanos e fundamentais em uma sociedade democrática. Contudo, cabe ao Poder Judiciário dar efetividade a essa garantia e à cidadania exigir esta efetividade.

Sigamos nós então a exigir!  

Mariana Cappellari

Mestre em Ciências Criminais. Professora. Defensora Pública.

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