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Quem ganha com a redução da maioridade penal?

Por Michelle Aguiar

Apesar dos grandes e persistentes esforços contra a redução da maioridade penal, este falacioso discurso ainda prospera. O clamor social visando à punição destes menores se propaga descontrolada e excessivamente.

A grande verdade é que a sociedade está cansada do cenário violento em que o Brasil se encontra. A causa disso é a omissão estatal, porém o foco nunca é o Estado. A visibilidade só recai sobre o infrator da lei, o criminoso, o “bandido”. Afinal, é sempre mais fácil apontar e odiar um indivíduo que é exposto como inimigo[1], pensamento este que é constantemente reforçado pela mídia (ver aqui).

O sentimento de raiva e o desejo de punição se tornam cada vez mais latentes e o discurso utilizado para travestir este sentimento é o de “que a justiça tem que ser feita”.

Esse quadro é exatamente o que gera a aceitação social de propostas falaciosas e incongruentes como a presente PEC 171.

Após uma manobra inquietante e revoltante feita nessa última semana para aprovarem a referida proposta, nos deparamos ainda com pessoas que aplaudem esse tipo de situação. Isso é no mínimo, estarrecedor.

Não há mais espaço para o racionalismo. Dados, fatos, informações, conhecimento… Isso tudo não serve de nada, a cultura jurídica é “atropelada” por achismos e discursos infundados, a emoção se sobrepõe a razão, não há mais lugar para discussões sérias, pois não há quem queira ou esteja disposto a ouvir.

Por outro lado, muitos possuem a consciência de que essa não é a solução, só que preferem aderir a essa ideia com o argumento de que: “é melhor do que não fazer nada”, o que não se concretiza pois tal redução, além de não reduzir a violência, só iria agravar a situação das crianças e dos adolescentes.

Aceitar tal proposta significa retroceder os direitos e garantias fundamentais. Além disso, é uma afronta direta às normas brasileiras, bem como Tratados e Convenções ratificados pelo Brasil (ver aqui).

Afinal, quem ganha com a redução da maioridade penal?

Ao refletir sobre a referida proposta, é imprescindível entender quem se beneficiará com sua concretização. A resposta é muito simples: trata-se pura e simplesmente da chamada “indústria do medo”. Significa dizer que particulares e empresas lucrarão (e sempre lucraram) com a disseminação do medo. Quanto maior o medo, mais há a busca da segurança pela sociedade. Abandona-se a crença de que o Estado fornece a segurança pretendida, passando essa segurança a ser feita por meios fornecidos pelos particulares, como carros blindados, câmeras em residências, sistemas de alarme mais eficientes, etc.

Ademais, outro fator impossível de não se pensar seria a problemática da superlotação carcerária brasileira.

É evidente que a redução da maioridade penal traz como consequência o aumento do número de pessoas presas. O que representa verdadeiro paradoxo, pois como é possível conceber prender mais, se nem mesmo há lugar para esses adolescentes nas prisões?

A solução seria a construção de novos sistemas prisionais, o que acarretaria em gastos que o governo não conseguiria arcar sozinho, delegando tal função aos particulares, acarretando na privatização das prisões.

Privatizar constitui um alarmante e grave problema. Isso porque percebe-se que um preso custa caro, a exemplo do artigo escrito por Alexandre Morais da Rosa, demonstrando a situação prisional e o valor de um preso em Santa Catarina. Dados do Tribunal de Contas de Santa Catarina, retirados em 2012, demonstram que:

“cada preso custava ao mês, para o contribuinte, no regime de autogestão, R$ 1.649,03, enquanto no regime de cogestão, R$ 3.010,92. Assim é que a manutenção de uma pessoa presa em Santa Catarina, por ano, não sairá por menos de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Além da existência de diversos problemas, dentre eles a superlotação, violações de Direitos, o que resta apontar é que uma simples condenação por tráfico, muitas vezes do “mula”, por cinco anos, custará R$ 100.000,00 (cem mil reais)” (ver aqui).

Além disso, o Ministro do STF, Ricardo Lewandowisk, em artigo publicado na Folha de São Paulo afirma que cada preso não sairá por menos de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) ao mês. Assim, um ano de prisão custará R$30.000,00 (trinta mil reais).”

Esses valores são amplamente visados pelos particulares que almejam ser os novos responsáveis pelas prisões privatizadas. Afinal, as empresas lucrarão com o número de presos, tendo em vista que o risco da privatização se traduz nos cortes de gastos nas unidades que deveriam ser utilizados para garantir a dignidade do preso e na qualidade dos profissionais que ali trabalharão, acabando por virar o preso uma fonte de lucro (ver aqui).

Desse modo, buscar reduzir a maioridade penal, significa planejar um futuro enriquecimento, uma vez que prender mais, significa lucrar mais.

O pior é que essa ideia é o lado otimista da história, pois grande parte dos brasileiros se posicionam a favor da pena de morte. Nada impede que essa noção se agrave, tendo em vista que há grande possibilidade dos contribuintes entenderem que seu dinheiro não deve ser utilizado para “manter o preso”, uma vez que acabar com sua vida seria uma saída muito mais fácil e barata (pensamento desumano, contudo já preexistente).

Assim, privar essas crianças e adolescentes de uma vida saudável em comunidade e sentencia-las ao terrível caminho do sistema prisional, significa desistir delas.

Oferecer, a qualquer ser humano, grades, medo e sofrimento nunca será mais benéfico do que oferecer amor, atenção, estudo e saúde. Virar as costas para um ser ainda em formação, que mal presenciou as mais belas experiências que a vida pode oferecer, torna os defensores da redução da maioridade tão desumanos quanto às crianças e adolescentes que tanto querem desumanizar.

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[1] Segundo Zaffaroni: “A essência do tratamento diferenciado que se atribui ao inimigo, consiste em que o direito lhe nega a condição de pessoa. Ele só é considerado sob aspecto de ente perigoso ou daninho.” (ZAFFARONI, Eugênio Raul. O Direito Penal do Inimigo. (Coleção Pensamento Criminológico) Tradução de Sérgio Lamarão. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p. 18.

MichelleAguiar

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