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Quem pode o mais não pode o menos?

Por Vilvana Damiani Zanellato

Novamente, decisão do Superior Tribunal de Justiça adia o início dos debates sobre as “10 Medidas Contra a Corrupção”, que se daria (dará) neste espaço nas próximas semanas…

Determinadas decisões não permitem o silêncio.

Poucos dados se tem (número, partes, origem, votação, motivação) sobre a decisão que é oriunda da Quinta Turma em processo que tramita em segredo de justiça. O mais importante e relevante se sabe, e é oriundo do próprio título, como noticiado na página oficial daquele Tribunal: Recurso em habeas corpus é ato privativo de advogado e exige procuração nos autos.

Que o Advogado é indispensável à Administração da Justiça (art. 133 da CF) não é novidade. Que a legislação, em algumas hipóteses, excetua a obrigação da postulação em juízo apenas por Advogado, também não. Como exemplos, podem-se citar os procedimentos trabalhistas no primeiro grau de jurisdição, os feitos que tramitam nos juizados especiais e, o que interessa no momento, a impetração de habeas corpus em qualquer instância: Primeiro e Segundo Graus, Cortes Superiores e Supremo Tribunal Federal.

Surge daí a controvérsia: e o recurso da decisão proferida no habeas corpus só pode ser formulado e interposto por Advogado, e mediante poderes outorgados por procuração que deve acompanhar a inicial?

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça que, apesar de a impetração da ação mandamental poder ser feita por qualquer pessoa, profissional da Advocacia ou não, o recurso da decisão nele proferida somente pode ser interposto por Advogado constituído ou Defensor designado.

Ainda que sem acesso aos fundamentos que deram amparo à apontada decisão, tem-se, aqui, acesso aos fundamentos que, parecem, não dar amparo à apontada decisão.

E não são poucos!

O primeiro é por demais óbvio, e talvez o mais relevante de todos: é o fato de o habeas corpus poder ser impetrado por qualquer pessoa (art. 654 do CPP).

O segundo é o fato de ser possível impetrar habeas corpus contra decisão proferida em outro habeas corpus, ainda que cabível o recurso ordinário. Vale dizer: contra decisão prolatada em habeas corpus não poderá ser interposto recurso ordinário por pessoa que não seja profissional da Advocacia, mas poderá qualquer pessoa – Advogado ou não – impetrar outro habeas corpus na instância superior àquela da qual emanou a decisão considerada ilegal. Contrassenso, não?

O terceiro: não há justificativas, técnicas, que façam crer que, para a impetração de habeas corpus, inicial em que se elabora pedido amplo, não é exigido Advogado, mas para a interposição de recurso ordinário contra a decisão proferida nesse mesmo writ – menos amplo e limitado – é exigido profissional da Advocacia.

Até mesmo a interposição de recurso de apelação, no âmbito penal, que devolve toda a matéria ao Tribunal em prol da defesa, dispensa Advogado. E ainda que as razões do recurso tenham que ser subscritas pelo profissional da Advocacia, a ausência dessas não impede o conhecimento e o julgamento da apelação!

Qual seria a diferença no habeas corpus que, via de regra, deve ser impetrado para garantir um dos mais importantes bens jurídicos, que é a liberdade?

O Supremo Tribunal Federal, durante bom tempo, manteve sub judice, caso semelhante (RHC 111438/DF), que acabou restando prejudicado quanto à questão de que ora se trata. Houve debate sobre a matéria e, ao ficar vencido, quanto a esse aspecto, o Min. Gilmar Mendes, após discorrer sobre a história do habeas corpus, trouxe a seguinte advertência:

Assim, quem tem legitimação para propor ação, tem, também, legitimação para recorrer (RTJ 108/117). “Se se confere a qualquer pessoa legitimidade para propor ação de habeas corpus, é de se considerar implícito o poder de acompanhar seu processamento em todos os seus termos” (José Ernani de Carvalho Pacheco, Habeas Corpus, prática, processo e jurisprudência criminal, Juruá Editora, p. 73).

Parece totalmente correta e coerente a fundamentação do voto vencido, que não prevaleceu!

Posteriormente, a Suprema Corte voltou a discutir o tema. Por mais uma vez, o Min. Gilmar Mendes trouxe a tese do conhecimento. No caso, o recurso havia sido interposto por Advogado que estava com a inscrição suspensa pela Ordem dos Advogados do Brasil (RHC 121722/MG). Essa situação foi insistentemente lembrada pelo Relator para fins de não conhecer do inconformismo. Sem querer emitir juízo de valor, tem-se a leve impressão que questão casuística definiu o e referido julgamento. Se o recorrente não fosse Advogado com a inscrição suspensa talvez fosse outro o resultado.

Uma pergunta: e habeas corpus? Poderia ser impetrado pelo Advogado em questão?

Sem dúvidas, poderia (!!!!), pois, pelo nosso ordenamento jurídico, o habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público (art. 654 do CPP). Se pode ser por qualquer pessoa, pode ser por quem tem sua inscrição suspensa na Ordem dos Advogados do Brasil também, sem exceção!

A resposta afirmativa, bem demonstra que o que decidido por último no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a interposição do recurso ordinário em habeas corpus somente é cabível mediante Advogado e com procuração nos autos, está em desarmonia com o que se vem, ademais, apregoando sobre esse instrumento de salvaguarda da liberdade no mesmo Tribunal.

Ressalte-se que não se está aqui a concordar com o elastério e a deturpada utilização do habeas corpus, que usualmente vem sendo impetrado contra qualquer ato, sem que guarde relação com a possibilidade, ao menos em tese, de constrangimento ilegal quanto ao direito de locomoção do indivíduo.

Nem por isso, e longe de desmantelar-se o sistema recursal, aprova-se a decisão restritiva da Corte Superior que não conheceu do recurso pelos motivos já elencados.

Afinal, quem pode o mais – habeas corpus – não pode o menos – recurso no habeas corpus?

_Colunistas-Vilvana

Vilvana Damiani Zanellato

Chefe de Gabinete da Procuradoria-Geral Eleitoral. Mestranda em Direito Constitucional. Professora de Direito.

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