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Resenha de “A Questão Criminal”, de Eugenio Raúl Zaffaroni

Resenha de “A Questão Criminal”, de Eugenio Raúl Zaffaroni

Fenomenal, para dizer o mínimo. De uma forma única, num estilo próprio para se fazer entender até mesmo numa roda de bar, Zaffaroni constrói e narra todo o traçado histórico da criminologia, apontando desde o seu verdadeiro berço até as discussões mais atuais acerca do “fenômeno crime”.

A questão criminal, que ganha o título da obra, é o cerne desse fantástico livro do jurista argentino, resultado da reunião de uma série de artigos que escreveu para o jornal “Página 12”, objetivando justamente que a discussão acadêmica sobre o tema saísse do local em que é realizada e alcançasse um público para além dos juristas, sociólogos e afins.

O resultado, inicialmente presente em seus artigos semanais e aqui reunidos em formato de livro, é salutar, perspicaz e exitoso. Alcançado com louvor a finalidade da proposta, o autor consegue expor, de forma direta e bastante objetiva, mas longe de qualquer superficialidade, muito daquilo que a criminologia já disse, e ainda tem (muito) a dizer, sobre a questão criminal.

Zaffaroni inicia a obra destacando que a questão criminal é algo do qual se fala em qualquer superfície do planeta. Compreensível, ao considerar o intrigante tema.

Mas dentre as problemáticas que disso surgem, estão tanto o fato de qualquer um se sentir legitimado a falar sobre a ponto de acreditar possuir a solução para o problema, quanto o discurso sério sobre o tema acabar ficando sempre enclausurado no âmbito acadêmico, pois incompreensível para o público em geral. Daí que diz ser

indispensável escutar o que se fala para não se ficar falando sozinho, como costuma acontecer no mundo acadêmico.

A questão criminal é uma questão mundial, de modo que o seu plano de análise deve alcançar a todos – em todos os lugares do mundo. A comunicação compreensível é algo que deve ser buscado, uma vez que, conforme pontua Zaffaroni, “o pensamento acadêmico, universitário, é importante, mas creio que chegou a hora de comunicá-lo” – eis o grande desafio enfrentado pelo autor na presente obra, o qual, como já anunciado, é desbravado com louvor.

A obra toda é um grande acerto, pois Zaffaroni supera a crítica que faz logo no início (autocrítica necessária à toda a academia): os mortos continuam aumentando no mundo todo enquanto também continuam sendo afirmadas as mais estranhas opiniões por diversas pessoas – “os políticos e as próprias autoridades difundem ou aceitam essas incoerências e, lamentavelmente, também aumentam os índices de mortalidade“; um dos pontos necessários, nesse sentido, a serem superados, é o de que

o cidadão comum deve saber que há um mundo acadêmico que fala disso, da questão criminal.

Ao estabelecer que “a única verdade é a realidade, e a única realidade na questão criminal são os mortos“, Zaffaroni pontua que “esta é a mais óbvia palavra dos mortos: dizer-nos que estão mortos“.

Assim, o autor resgata, numa linguagem amplamente acessível, todo o percurso da criminologia, explicando conceitos e ideias de vários autores que trabalharam com a temática.

Definindo o marco dos estudos criminológicos como sendo aquele feito pelos demonologistas (fato este indevidamente contestado ou descaradamente ignorado por muitos, segundo o autor), Zaffaroni traceja a estrutura inquisitorial, os contratualismos, o positivismo biologista, a criminologia sociológica, a criminologia midiática e até as discussões mais atuais sobre o crime enquanto fenômeno a ser estudado.

“A Questão Criminal” é um livro rico em vários aspectos, tratando-se de uma leitura fundamental por todo aquele que se interesse ou queira se por a falar sobre a questão criminal. Recomendadíssimo!

Paulo Silas Filho

Mestre em Direito. Especialista em Ciências Penais. Advogado.

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