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Recebi o auxílio emergencial sem ter direito… eu cometi algum crime?

Recebi o auxílio emergencial sem ter direito… eu cometi algum crime?

O vírus COVID-19 impôs diversos desafios aos países do globo, não só para a área da saúde, mas também econômica. É consequência óbvia que a ausência de movimentação financeira, circulação de riquezas e trabalho pode gerar ou alavancar um colapso econômico nos países.

O auxílio emergencial, também chamado de coronavoucher, é a medida de contenção estabelecida pelo Governo Federal na tentativa de amenizar impactos econômicos durante e no pós pandemia, objetivando socorrer às famílias e trabalhadores que, por um ou outro motivo, enfrentarão graves dificuldades para subsistirem ao isolamento.

Estabelecido pela Lei n.º 13.982 de 2 de abril de 2020 e regulado pelo Decreto n.º 10.316, de 7 de abril de 2020, o auxílio emergencial possui critérios específicos para a concessão, que serão abaixo expostos para posterior análise de, se há, e havendo, quando há possibilidade da ocorrência de crime.

Em linhas gerais, o referido auxílio será concedido por três meses (prorrogáveis, de acordo com a necessidade), no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) aos que, cumulativamente: a) tiverem mais de dezoito anos; b) não tenham emprego formal ativo; c) não sejam titulares de benefício previdenciário, assistencial, recebam seguro-desemprego ou verbas de programa de transferência de renda federal (salvo nos casos de bolsa família); d) tiverem a renda per capita de até meio salário mínimo ou renda familiar total de três salários mínimos; e) não tiverem auferido rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 (vinte e oito mil, quinhentos e cinquenta e nove reais e setenta centavos) no ano de 2018; f) exercem atividade na condição de Microempreendedor Individual ou são contribuintes individuais do Regime Geral de Previdência Social ou  são trabalhadores informais como empregados, trabalhadores autônomos ou desempregados de qualquer natureza, inclusive os intermitentes inativos, inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. Importante consignar que a mulher chefe de família monoparental, assim declarada, receberá 2 (duas) cotas do auxílio (art. 2º da Lei 13.982/2020).

Esclarece o decreto n.º 10.316/2020 que trabalhador informal é todo aquele que: a) presta serviços na condição de empregado, intermitente ou não, nos termos da CLT, todavia sem formalizá-lo por meio de contrato de trabalho; e b) seja autônomo ou desempregado propriamente dito.

O processamento da medida emergencial é de competência do Ministério da Cidadania e Ministério da Economia, sendo o pagamento disponibilizado pela Caixa Econômica Federal.

Com os critérios amplíssimos, não por acaso, o auxílio emergencial abarca milhões de brasileiros, porque afinal, somente em números de desempregados os dados pré pandemia apontavam cerca de 12 (doze) milhões, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítistica (IBGE). Todavia, ainda existem pessoas que não preenchem os requisitos legais e mesmo assim requereram o benefício, tendo alguns logrado êxito no deferimento e outros o requerimento indeferido.

Assim, passamos à análise: essas pessoas cometeram algum crime?

Se houver omissão dolosa ou declarações inverídicas dolosas que, se informadas corretamente, ensejariam o indeferimento do auxílio emergencial, essas declarações, por si só, poderiam ser suficientes para a caracterização do elemento “fraude”, e assim, estaríamos diante de um estelionato, porquanto importou em percepção de vantagem ilícita em prejuízo alheio com emprego de meio fraudulento. Como se trata de verba da União destinadas à assistência social, estamos diante da incidência da causa de aumento de pena do § 3º do art. 171 do Código Penal.

Todavia, ainda há outras observações que merecem atenção. Se houver declaração da real situação, com todos os dados informados corretamente, e, mesmo que não preenchendo os requisitos do auxílio, o tivesse deferido, não se poderia falar em estelionato. Isso porque, como se vê, não há omissão de informações e tampouco declarações inverídicas, descaracterizando a fraude, elemento determinante para a composição do delito.

Embora não tivesse direito, não poderia ser imputado este crime, pois “ocorreu, na verdade, a concessão de benefício de forma descriteriosa e pouco diligente pelos órgãos competentes” (TRF4, AC 19980401081751-1, Darós, 2ªT., u., DJ 02.6.99). É o mesmo que acontece nos casos de Bolsa Família, em que o responsável familiar informa corretamente toda a renda da família no cadastro, e mesmo extrapolando a renda per capita e não tendo omitido nenhuma informação, tem o benefício deferido.

Entretanto, existe entendimento de que pode caracterizar apropriação de coisa havida por erro (art. 169 do Código Penal) que não necessita da fraude para sua consumação, mas exige que o agente conheça a origem do bem em decorrência do erro.

Exemplificando, se um cidadão A está em gozo de seguro desemprego, e informa tal situação no cadastro, e mesmo assim tem o benefício deferido, não responderia por estelionato, mas se tiver o ânimo de assenhoramento definitivo, não restituindo o valor recebido por erro, poderia responder pelo art. 169 do CP; contudo, se o mesmo Cidadão omite dolosamente essa informação, sabendo que a omissão oportuniza que ele receba o benefício, o estelionato majorado está caracterizado.

Portanto, denota-se que é possível ser responsabilizado criminalmente pelo crime de estelionato exasperado pelo § 3º do Código Penal, quando houver declarações inverídicas ou omissões dolosas no cadastro do auxílio emergencial. Todavia, este delito é candidato ao acordo de não persecução penal, por não ser cometido com violência ou grave ameaça, ter a pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, e por, na maioria dos casos, os investigados serem réus primários, devendo o Ministério Público Federal ofertá-lo.

Segundo outros entendimentos, não havendo fraude, o fato de ter declarado corretamente a situação fática incompatível com os critérios do auxílio e o ter recebido por erro, sem pretensão de restituí-lo, poderia responder por apropriação de coisa havida por erro (art. 169 do CP), que, por ter a pena máxima de um ano, está sujeita à transação penal, na forma do art. 76 da Lei 9.099/95.


REFERÊNCIAS

BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Crimes federais. São Paulo: Saraiva, 2017.


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