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Recebimento de honorários maculados e lavagem de capitais


Por Eduardo Dallagnol Lemos e Thiago Aguiar Fachel


Em quais circunstâncias pode haver responsabilização dos advogados pelo recebimento de honorários maculados? Essa é uma pergunta que vêm gerando intensas discussões. Levanta-se a hipótese de que o advogado que souber, ou ao menos suspeitar, que os valores recebidos a título de honorários advocatícios são provenientes de alguma atividade criminosa estaria incorrendo no tipo de lavagem de capitais.

A solução para o presente caso, na doutrina, varia de acordo com o âmbito utilizado na análise do caso pelo doutrinador. Rodrigo de GRANDIS (2013, p. 177-179) entende que a problemática deve ser analisada do ponto de vista objetivo, notadamente à luz da teoria da imputação objetiva. Conforme o autor, a imputação penal depende da consideração que o risco criado através da conduta mostrou-se um risco proibido ou não aprovado. Assim, com relação ao exercício da advocacia, não haveria a criação de um risco desaprovado à administração da justiça (bem jurídico tutelado) na conduta do advogado que recebe honorários provenientes de uma infração penal. Isso considerando o caso de defensores que não possuem ciência da origem do dinheiro.

Não diferente, a análise do ponto de vista subjetivo também demonstra atípica a conduta do advogado. Veja-se, nesse sentido, que o artigo 1º, § 1º, II, afirma que “[…] incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal os adquire, recebe […]”. Não há, no advogado que atua de boa-fé, a intenção de ocultar ou dissimular os valores recebidos. Esse é o entendimento, aliás, de Pierpaolo BOTTINI (2014), a defender que o advogado apenas recebe a remuneração por seus serviços, inexistindo qualquer vontade de contribuir com o encobrimento de determinado valor. Nessa linha, para que houvesse a responsabilização, o defensor deveria possuir o dolo de ocultar ou dissimular a utilização de valores provenientes de atividade ilícita, como, por exemplo, cobrar honorários a maior e devolver parte do valor ao seu cliente, ou, ainda, apontar medidas eficientes para a ocultação dos valores ilícitos.

Agora, importante teoria também vem gerando debates no que se refere ao tema, notadamente a Teoria da Cegueira Deliberada ou Teoria da Avestruz. Surgida a partir de julgamento da Suprema Corte Norte-Americana, a Willfil Blidness Doctrine muitas vezes é equiparada ao dolo eventual, aplicando-se aos casos em que o agente possuía conhecimento da elevada probabilidade de que os bens, direitos ou valores envolvidos eram provenientes de crime, e, ainda assim, agiu de modo indiferente, omitindo-se.

Se aplicássemos tal teoria ao caso dos advogados, poder-se-ia responsabilizar o causídico que sabe da atividade ilícita fornecedora de renda ao seu cliente e, mesmo assim, aceita o pagamento de honorários. Seguindo o raciocínio, deveria o advogado, suspeitando da origem ilícita do capital, deixar de receber os valores. Aliás, há quem sustente que, nestes casos, haveria inclusive o dever de comunicar o fato às autoridades competentes – no caso o COAF.

A tese é polêmica e, antes de estudar sua aplicação especificamente quanto aos advogados, cabe-nos realizar uma breve contextualização da teoria em solo nacional. Um dos casos emblemáticos de aplicação da teoria é o do furto ao banco central de Fortaleza. A Justiça Federal condenou por lavagem de dinheiro os sócios de uma revendedora de veículos que receberam R$ 980.000,00 (novecentos e oitenta mil reais), em notas de R$ 50,00 (cinquenta reais), pela venda de 11 automóveis, sendo que deste valor R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) serviriam de “crédito” para compras futuras.  O Magistrado alegou que os sócios deveriam supor a origem ilícita do capital, justificando a adequação da Teoria da Cegueira Deliberada ao dolo eventual existente no Brasil. Além disso, relatou que os sócios deveriam ter comunicado ao órgão competente tal suspeita.

Ocorre que, em segundo grau, o TRF5 (ACR 5520 CE 0014586-40.2005.4.05.8100. Desembargador Rogério Fialho Moreira. 09/09/2008) reformou a decisão para absolver os acusados, argumentando, em suma, que a transposição da doutrina americana da cegueira deliberada se aproxima da responsabilidade penal objetiva, que não é aceita em nosso ordenamento. Mais ainda, a decisão explicitou que não se pode exigir dos sócios da revendedora a cooperação com os mecanismos de controle existentes, na medida em que não são, de acordo com o texto legal, sujeitas às obrigações previstas nos artigos 10 e 11 da Lei nº 9.613/98.

O caso citado permite uma importante analogia para a resolução da questão em debate. A um, porque os advogados, ao menos no que se refere às atividades típicas da advocacia, não são sujeitos obrigados ao compliance, não podendo se exigir que comuniquem eventual suspeita do seu cliente. A dois, porque a teoria da cegueira deliberada realmente se aproxima muito da responsabilidade penal objetiva, não sendo crível idealizar que o advogado investigue eventual suspeita acerca da origem do capital de seu cliente, recusando-se a aceitá-lo.

Note-se que o Estado deve esperar, na verdade, que o advogado, diante da procura de cliente com atividade suspeitamente ilícita, tão somente exerça da melhor maneira possível as atividades típicas de sua profissão, servindo o capital recebido apenas como contraprestação pelo serviço, sem implicar em ganho patrimonial ao cliente.

Ao nosso sentir, portanto, temos como atípica a conduta do advogado que recebe honorários provenientes de infrações penais, desde que, por óbvio, não atue de má-fé, apontando ao cliente, v.g., medidas para ocultar os valores ilícitos. Pensar o contrário, por consequência, implicaria exigir que o acusado que não possuísse bens ou valores claramente lícitos fosse defendido pela Defensoria Pública ou advogado dativo – o que, ao menos em tese, poderia significar restrição de garantias fundamentais.


REFERÊNCIAS

BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Advocacia e lavagem de dinheiro. OAB, 2014. Disponível aqui.

DE GRANDIS, Rodrigo. O exercício da advocacia e o crime de “lavagem” de dinheiro. In: DE CARLI, Carla Veríssimo (Org.). Lavagem de dinheiro: prevenção e controle penal. 2ª Ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013.

Eduardo-Lemos

thiagofachel

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