Reconhecimento de autor em plenário
O júri da semana que passou foi caracterizado pelo reconhecimento de suposta autoria, realizado em plenário, em ação penal que jamais havia postado uma única fotografia nos autos. O acusado, somado a outras cinco pessoas, todos enfileirados, é reconhecido por uma testemunha, diante do Juiz, do defensor, do acusador e dos jurados.
Dois anos de causa, prisões preventivas, várias testemunhas, instrução completa, e até o momento final o executor do horrendo homicídio não havia sido reconhecido por ninguém!
Duas testemunhas arroladas pelo Ministério Público não comparecem. Seriam os amigos do executor. Há um pedido de adiamento no ar. A defesa concorda com a substituição de testemunha, e a mandante – menor (e ainda menor, mesmo passados dois anos do crime) – comparece na sessão de julgamento.
No ato do reconhecimento, bem montado (porém, discutível), a testemunha repete três vezes que não tem certeza sobre o “número 4”, muito embora recuse veementemente os outros cinco. É dispensada do ato. Fica o reconhecimento.
Uma jurada levanta inteligente pergunta: qual o grau de certeza acerca do reconhecimento? A testemunha já está saindo, o almoço já está servido, e a sessão é suspensa por uma hora e meia, até que, no seu retorno, a resposta terá lugar.
Uma hora e meia depois, todos alimentados, a pergunta é repetida em plenário pelo Presidente da sessão. Resposta categórica da testemunha: 80%. A testemunha que, momento antes, havia repetido três vezes que não tinha certeza sobre ser o acusado o autor do crime, abstraiu um nível de certeza em 80%, passada uma hora e meia e uma refeição.
Temos a convicção de que esses 80% se referem a um grau de certeza de que o acusado é aquele que estava enfileirado com os demais, portador da plaquinha de “número 4”. A testemunha tem 80% de certeza de que reconhece, neste ato, o “número 4” como sendo o “número 4” enfileirado dentre seis meninos (bem distintos, diga-se), que teria visto uma hora e meia atrás.
E não, como se pretendia, ser o “número 4” o autor do homicídio ocorrido dois anos atrás, pessoa a quem avistou por apenas duas ou três vezes, quando tinha 15 anos de idade, numa conjuntura de extrema tensão emocional – porque encomendava desse autor monstruoso o assassinato de sua própria mãe!
Nem se fale no índice 80% versus 20%. É evidente que apenas esse fator seria útil a frustrar o reconhecimento. Fale-se, pois, para muito além disso: na idade da testemunha ao tempo do crime; nas feições físicas descritas pela mesma no início das investigações (diversas das do “reconhecido”); no contexto emocional do fato; no transcurso temporal – 2 anos – entre o crime e o julgamento; nas condições climáticas do tempo do crime (noite, iluminação, capacete etc.); nas ameaças perpetradas pelo autor verdadeiro (que ainda podem persistir); na geografia do crime; nas características tangentes (e divergentes) entre autor verdadeiro e acusado (motocicleta, roupas, certidões, vida pregressa etc.); enfim, na possibilidade de se haver descoberto o verdadeiro homicida – fato ignorado por todo o sistema investigativo-acusatório, desde a polícia até o Ministério Público.
Esse reconhecimento não tem validade alguma! Outras provas são necessárias para se condenar o acusado. Mas… elas não existem! Apenas existem as provas de que NÃO foi ele. Inevitavelmente: absolvido!