Recordar é viver: meu primeiro júri como estagiário!
Por Jean de Menezes Severo
Fala moçada, tudo certo? Pois bem. Inicialmente, gostaria de agradecer do fundo do meu coração a todos vocês amigos leitores que prestigiam minha coluna no Canal Ciências Criminais, pois esta semana tive a honra de receber meu certificado de colunista Ouro em razão das muitas colunas escritas junto ao Canal. Os responsáveis de todo este sucesso são vocês leitores. Também quero agradecer ao amigo e colega Bernardo, criador deste portal, e que me deu a oportunidade de escrever para todos vocês.
Confesso que jamais imaginaria que alguém fosse um dia ler um artigo escrito por este rábula diplomado. Meu único objetivo com as colunas era auxiliar os jovens estudantes, bem como advogados iniciantes, fazendo assim com que não cometam os mesmos erros que cometi no início de carreira.
E antes de iniciar a coluna desta semana, não posso deixar de prestar meus especiais agradecimentos aos amigos feitos na cidade de Cerro Largo, região das Missões no Rio Grande do Sul, fronteira noroeste com Argentina, onde recentemente montei uma filial do escritório, em parceria com minha nova sócia, uma jovem e combativa causídica do interior gaúcho. Mando um forte abraço ao Carmo, a Rosane, ao Rarisson, ao “Russo”, à Maria Odila e a todos da Fluiarte. A Rosane Lermen é a joalheria mais linda do estado do Rio Grande do Sul. Vamos, então, ao que interessa: coluna!
Eu lembro que era verão; que a faculdade estava bem no comecinho; que eu fazia estágio “pro bono”; que eu era muito pobre; que só tinha grana para o ônibus, mas eu estava muito feliz, pois iria fazer meu primeiro júri ao lado de um grande advogado criminalista. Eu ainda não tinha nem ao menos a carteira de estagiário, porém, tinha uma vontade muito grande de aprender e de um dia me tornar um bom advogado de defesa.
Eu ligava todos os dias para o escritório do Dr. Prestes com o intuito de saber quando ele faria um júri, logo, eu poderia ajudá-lo no plenário, podendo realmente aprender a arte de advogar no crime. Recordo-me que eram férias e janeiro se passou sem nenhum júri, no entanto eu não desisti. Lembro que naquela época os celulares eram muito caros e eu obviamente não tinha um, portanto, deslocava-me diariamente ao telefone público para fazer uma ligação ao Dr. Prestes para saber se iria ocorrer um júri. Então, no começo de fevereiro, após mais uma destas tantas chamadas, ele respondeu: Vem cedo amanhã! Vai ter júri.
Naquela noite eu não dormi. Engraxei meus sapatos; passei minha camisa com todo cuidado; dei uma vassourada rápida no meu único (e surrado) terno e me postei bem cedo para o escritório do professor. Sabia que aquele dia minha vida iria começar a mudar. Algo no meu coração dizia: Chegou tua hora. As coisas vão melhor!
Cheguei ao escritório localizado na Rua Vicente de Paula Dutra, atrás do Foro Central de Porto Alegre. De cara fui recebido com um chimarrão novinho feito pelo professor. Ele já foi me entregando os autos e me explicando a tese defensiva. Estava elétrico, em “estado de júri”. Iria fazer a defesa de dois réus acusados de homicídio triplamente qualificado; ambos acusados de pertencerem a uma das principais quadrilhas de tráfico de entorpecentes naquela época. A “peleia” não iria ser fácil.
Eu estava uma pilha de nervos mesmo, ainda que não fosse falar nada. Só de estar ali já era um sonho realizado. Minha incumbência era a de levar os livros, servir água e trocar a lâminas do projetor quando o advogado apresentava sua defesa. Naquela época não tínhamos toda essa tecnologia. A coisa era bruta mesmo e “no talento”, como diz meu mestre Prestes.
O juiz presidente era o Dr. Nereu Giacomolli, que depois foi Desembargador no TJRS e meu professor na PUCRS. Considero o Prof. Nereu o maior processualista penal do país, mas ele não gosta deste elogio, pois é um homem muito humilde, todavia, na minha modesta opinião, ele o é. Nunca vou me esquecer que, ao final do júri, o Prof. Nereu me saudou e elogiou o meu trabalho. Bah, que emoção!
Foi um caso difícil, brigado mesmo. Naquele dia, eu tive a certeza de que seria advogado de defesa. Apaixonei-me pelo plenário e vendo toda a luta daqueles homens (promotor e advogado), compreendi o que é ser um ADVOGADO. Os réus foram absolvidos. Fiquei numa baita alegria e ainda ganhei um dinheirinho pela ajuda feita em plenário. Eu estava feliz e já me sentia um advogado e participar daquela absolvição apenas fortaleceu ainda mais minha convicção de me tornar advogado criminalista.
Hoje, dia 14 de julho de 2016, tenho mais um plenário. Ou estar junto a um jovem rábula que me acompanha em alguns julgamentos, o Dr. Matheus Trindade. Eu sei que a esta hora da madrugada, enquanto eu escrevo esta coluna, ele deve estar debruçado sobre os autos, estudando a fundo o processo. Certamente nem vai dormir, mas é assim mesmo: nós ficamos em “estado de júri” como dizia o lendário Evandro Lins e Silva.
Vai ser um julgamento difícil; também envolve dois acusados e tráfico de entorpecentes, nas mesmas condições do meu primeiro júri junto ao Dr. Prestes. Inclusive, o bairro em que aconteceu o homicídio é o mesmo. Que loucura essa vida! Tomara que consigamos também absolver estes réus. O mais fantástico de tudo é que, depois de tantos anos, eu possa fazer aquilo que o Dr. Prestes fez por mim: ajudar um jovem cheio de esperanças e com vontade de aprender!
A DEFESA NÃO PARA!