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Recusa ao teste de etilômetro (bafômetro): aspectos penais e administrativos

Por Vanessa Juliane Pereira. O Código de Trânsito Brasileiro trouxe diversas modificações ao longo dos anos, objetivando, precipuamente, conscientizar o condutor a ter responsabilidade, além de punir aquele que não respeita as normas impostas pelo legislador.

A alteração que mais causa discussões, desde sua entrada em vigor, ainda em 2016, até os dias atuais, é o disposto no artigo 165-A, que trouxe em seu texto punição idêntica à contida no artigo 165 do mesmo diploma legal, àquele que se recusa a realizar teste de bafômetro:

Art. 165-A.  Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277:

Infração – gravíssima;

Penalidade – multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses;

Medida administrativa – recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4º do art. 270.

De tal maneira, está em pauta no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade que debate se respectiva regra prevista no CTB é considerada constitucional.

Inegável é que, além da referida norma, há outras duas sanções que abrangem semelhante tema esculpidas na mesma legislação: uma também de caráter administrativo, prevista no artigo 165, a qual sujeita o infrator a suspensão do direito de dirigir somado ao pagamento de multa; e a outra de caráter criminal, prevista no artigo 306, que prevê a pena de detenção de seis meses a três anos, além das sanções anteriormente disciplinadas, como a suspensão ou proibição de se obter a habilitação (ou permissão) para dirigir, acrescido do pagamento de multa.

A diferença entre ambos dispositivos está na alteração da capacidade psicomotora do condutor, ou seja, para sofrer as sanções da conduta criminal prevista no artigo 306, a concentração de álcool por litro de sangue deve ser igual ou superior a 6 decigramas (exame de sangue) ou igual ou superior a 0,34 miligrama de álcool por litro de ar alveolar (teste de etilômetro), havendo, ainda, a hipótese da constatação pela Autoridade de Trânsito de sinais que comprovem a alteração da capacidade do condutor, conforme prevê a Resolução nº 432 do Contran.

O ponto é que, sob o aspecto penal, impera no ordenamento jurídico brasileiro o princípio do nemo tenetur se detegere, baseado no artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal, que significa dizer que qualquer pessoa acusada da prática de um ilícito penal tem direito ao silêncio e a não produzir provas contra si mesma.

Do mesmo modo, punir alguém sem prova concreta, baseado apenas na hipótese de que há embriaguez do condutor pelo simples fato da recusa ao teste do etilômetro, é afrontar o princípio da presunção da inocência, previsto no mesmo artigo 5º, em seu inciso LVII, da Constituição Federal.

Ocorre que, sob outro viés, o Direito Administrativo é regido pelo princípio do in dubio pro societate, ou seja, na dúvida se favorecerá a sociedade. Por esse ângulo, acidentes de trânsito são uma questão de saúde e segurança pública, razão pela qual, em tese, deverá prevalecer tal princípio.

Entretanto, o próprio artigo 165-A traz em seu texto outros procedimentos que permitam certificar a influência de álcool ou outra substância psicoativa. Ainda que a Resolução nº 432 do Contran priorize a utilização do etilômetro em casos de fiscalização, não há a obrigatoriedade do uso de referido equipamento, pois não existe apenas este método para medir a capacidade psicomotora do condutor:

Art. 3º. A confirmação da alteração da capacidade psicomotora em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência dar-se-á por meio de, pelo menos, um dos seguintes procedimentos a serem realizados no condutor de veículo automotor:

I – exame de sangue;

II – exames realizados por laboratórios especializados, indicados pelo órgão ou entidade de trânsito competente ou pela Polícia Judiciária, em caso de consumo de outras substâncias psicoativas que determinem dependência;

III – teste em aparelho destinado à medição do teor alcoólico no ar alveolar (etilômetro);

IV – verificação dos sinais que indiquem a alteração da capacidade psicomotora do condutor.

§ 1º Além do disposto nos incisos deste artigo, também poderão ser utilizados prova testemunhal, imagem, vídeo ou qualquer outro meio de prova em direito admitido.

§ 2º Nos procedimentos de fiscalização deve-se priorizar a utilização do teste com etilômetro.

Noutro norte, voltando ao contexto da intenção do legislador em tornar mais severa respectivas punições, podemos trazer à tona parte da alteração do Código de Transito Brasileiro, que vigorará em abril deste ano. O CTB trará em seu escopo, a fim de punir aqueles que causam homicídio ou lesão corporal culposos em razão de acidente de trânsito, a impossibilidade da conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos:

Art. 312-B. Aos crimes previstos no § 3º do art. 302 e no § 2º do art. 303 deste Código não se aplica o disposto no inciso I do caput do art. 44 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).

Vejamos o que diz o artigo 44 do Código Penal:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;(Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998).

Isso porque, presume-se que o legislador entende que se tornar mais drástica a punição daqueles que cometem crimes no trânsito, os condutores terão mais cautela ao dirigir seus veículos automotores, porquanto, mesmo que a conduta seja culposa, o motorista responderá pelos danos causados.

Deste modo, a punição pela recusa do teste de etilômetro acaba entrando nesse mesmo contexto, pois esclarece, de tal forma, a periculosidade da ingestão de bebida alcóolica antes de conduzir o automóvel. Assim, podemos destacar que o legislador busca cientificar o condutor a ter responsabilidade no trânsito, a fim de evitar inseguranças perante a sociedade e não expor à perigo vidas inocentes.

Entretanto, não podemos deixar de considerar que há possível excessividade na conduta dos agentes autuadores, ao afirmar, com base em suposições, que o condutor está embriagado e pondo em risco a população, apenas com a recusa em realizar o teste.

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Pedro Ganem

Redator do Canal Ciências Criminais

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