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Nas redes sociais, tudo é calúnia?

Nas redes sociais, tudo é calúnia?

Com a ascensão da era digital, somada a usuários de redes sociais com ânimos aflorados em decorrência do entrave político, comumente nos deparamos com discussões acirradas na internet que, inevitavelmente, com o objetivo de proteger a própria opinião ou de outrem que possui a mesma ideologia, culminam em ofensas lançadas aos desafetos.

E, sempre há alguém do outro lado dizendo: “isso é uma calúnia”, “você está me difamando” ou “isso é uma injúria”. Mas, de fato, qual crime foi cometido?

Não é de hoje que os crimes contra a honra geram dúvidas em causídicos e estudantes da área jurídica, pois há uma linha tênue entre eles que os faz parecer quase que idênticos nos seus contornos legais.

Portanto, justifica-se o presente artigo a fim de trazer elucidações acerca dos crimes contra a honra estampados no Código Penal, para que o operador do Direito não incorra em erro ao oferecer uma queixa-crime e consequente trancamento da ação penal.

Primeiramente, é preciso tratar do conceito de honra. Honra é tudo aquilo que a sua conduta representa para si ou para a sociedade, podendo ser classificada em honra objetiva e honra subjetiva. A primeira diz respeito à imagem que o indivíduo transmite para a sociedade por meio da sua conduta devidamente ilibada, íntegra, correta; já a segunda representa a imagem que o indivíduo tem de si mesmo; uma espécie de autocrítica.

O Código Penal, ao tratar dos crimes contra a honra nos artigos 138 ao 140, protege a honra objetiva e subjetiva e talvez, nesse ponto, fique mais simples de entender a distinção entre eles.

Inaugurando os tipos penais que protegem a honra, temos a calúnia no artigo 138, que prevê a conduta criminosa quando o agente imputar falsamente a alguém fato definido como crime. Pormenorizando a calúnia, é preciso que o agente, para praticar o delito, impute na vítima uma narrativa falsa, com circunstâncias que acarretam num crime, a fim de demonstrar para a sociedade que o ofendido é um criminoso.

O cerne do delito está no fato de que o agente pretende manchar a imagem (honra) da vítima perante a sociedade (objetiva). Portanto, não basta usar apenas um termo pejorativo para que se configure a calúnia, é preciso detalhar falsamente o fato definido como crime.

Por exemplo: João disse a Manoel que viu Maria, no Natal, à noite, entrando na casa do vizinho José, para subtrair para si dinheiro que estava escondido no armário. João, sabendo que Maria não cometeu o crime, ao dizer a afirmação falsa definida como crime no artigo 155 (furto) do Código Penal, consumou a calúnia.

Desse modo, dizer nas redes sociais, com o calor da emoção, ao metralhar o teclado do computador, que “fulano” é um bandido, não configura o crime de calúnia por si só.

Por outro lado, alegar que o indivíduo é um caloteiro é hipótese cabível para o crime de difamação, previsto no artigo 139 do Código Penal, tendo em vista que também há a proteção à honra objetiva, mas o fato imputado à vítima não é um crime.

Perceba, não há a definição “caloteiro” no Código Penal, pois trata-se de um conceito social o qual é considerado um comportamento abjeto, que fere a moral, ética e os bons costumes. Mas, veja, não é um crime!

Ocorre que, ao dizer que alguém é caloteiro, não há uma imputação falsa de um crime, mas sim a imputação de um demérito que não é bem visto pela sociedade, de modo a denegrir a imagem que o indivíduo transmite para o coletivo. É nesse ponto que esbarramos com a linha tênue entre os crimes de calúnia e difamação, pois ambos quando consumados têm o fito de prejudicar a imagem da vítima para com a sociedade.

Condutas como dizer que viu fulano bêbado caído na rua, sicrano casado saindo com outra mulher, que beltrano trabalha muito mal e não cuida dos filhos, etc., é difamação, porque o fato imputado à vítima ofende a sua reputação e, ainda que seja verdade que o ofendido cometeu algum desses fatos, o que está em questão é o direito à intimidade, que não pode ser violado.

Imagina-se que o indivíduo “A”, por hábito, compartilhou, nas suas redes sociais, um vídeo gravado por uma câmera de segurança, que mostra o indivíduo “B” furtando um estabelecimento comercial. Isso é extremamente normal. Qual crime foi cometido pelo indivíduo “A” cometeu? Calúnia ou difamação?

Obviamente, difamação, pois ainda que o indivíduo “B” estivesse cometendo um furto, não há o que se falar em calúnia, já que o que está em questão é a intimidade da vítima, que sofreu violação ao ter a sua imagem propagada na internet associada a um comportamento inadequado.

Além disso, é importante mencionar que, na circunstância narrada, a vítima, em tese, estava cometendo um crime, o que afastaria uma das elementares primárias do tipo penal da calúnia, qual seja a imputação falsa. Portanto, ao compartilhar o vídeo de alguém praticando um fato delituoso, o indivíduo não estará cometendo calúnia, mas sim uma conduta difamatória.

Por fim, a figura da injúria, prevista no artigo 140 do Código Penal, também tutela a honra, mas nesse caso é a subjetiva. Entende-se por honra subjetiva a percepção que o indivíduo tem de si mesmo; uma espécie de introspecção.

Nesse tipo penal, o agente age com o propósito de fazer com que a vítima faça uma reflexão negativa acerca da sua autoestima, ou seja implantar no indivíduo a semente da dúvida sobre a sua capacidade ou importância, independente da veracidade dos fatos.

Nas redes sociais, comumente vemos ofensas desse tipo disparadas aos quatro cantos. Falar para uma pessoa, ainda que por textos, que ela é “imbecil”, “um lixo humano”, ou “você é burro (a) porque votou no candidato ‘A’, “você é idiota porque escolheu ‘B’”, facilmente configura o crime de injuria, pois a ofensa tem o objetivo de atingir a autoestima da pessoa; o que difere dos outros crimes que suas condutas objetivam sujar a imagem da vítima perante a sociedade.

Desse forma, tentou-se mostrar as sutis discrepâncias entre os crimes contra a honra, objetivando auxiliar o causídico, estudantes da área jurídica e até mesmo o usuário das redes sociais, evitando que este último entre em batalhas virtuais e acabe por cometer um delito que, deveras, está há uma tecla de distância.

Bons estudos!


REFERÊNCIAS

NUCCI, Guilherme de Souza. Direito penal – parte especial. V. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.


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Luciano Carlos

Pós-Graduando em Direito Penal e Direito Processual Penal. Pesquisador. Advogado Criminalista.

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