Redução da maioridade penal: à procura de um novo inimigo
Por Alexandre Baraldi Tonin
A sociedade como um todo está assolada pelo medo e observa a violência crescer em números alarmantes. Mesmo diante de um sistema penal rígido, o número de leis penais continua a crescer, numa tentativa, quase que desesperada, de conter o crime. Contudo, o inimigo agora é outro, pois a discussão se volta contra os infratores menores de 18 anos de idade. Foi criado na população um conceito de que o menor acaba não sendo punido e colocado de voltas às ruas logo após a prática de um crime, sem a devida punição.
O presente artigo tem como pressuposto a análise das circunstâncias sociais, assim como a análise da proposta de emenda à Constituição nº. 171, de 1993, que pretende alterar o art. 228 da Constituição Federal (imputabilidade penal do maior de dezesseis anos), de autoria do Deputado Benedito Domingos, e a relação entre o direito penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Em maio de 2015, a morte de um médico ciclista na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, reacendeu o debate sobre a redução da maioridade penal. Infelizmente, como de costume em todo contexto de criminalidade, se buscou um inimigo ou um culpado, e não a solução do problema em si. Agora, o clamor das redes sociais se volta novamente contra os adolescentes infratores, diante da notícia da morte de um menino de 10 anos pela polícia militar do RS, pois suspeito de furtar um carro.
A ideia de punir cresce a passos largos, em meio a uma sociedade caótica, desacreditada politicamente e munida de informações advindas da mídia sensacionalista. A procura do inimigo aumenta na medida em que o Estado não é capaz de cumprir com as garantias constitucionais de seu povo, passando ao cidadão a culpa pelo seu fracasso.
Quando o ECA refere que o Estado deve assegurar todas as oportunidades e facilidades às crianças e aos adolescentes, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico e mental, não é uma mera proposição, mas, isto sim, significa que existe um sentido muito amplo, mental, moral e espiritual. Então, se o Estado que não garante oportunidades, não atua para o desenvolvimento de seus jovens, por outro lado pode, agora, colocá-los no mesmo patamar dos adultos?
A redução da maioridade penal não está de acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU) e nem com a Declaração Internacional dos Direitos da Criança, que são compromissos assinados pelo Brasil. Muito embora não exista nestes tratados qualquer menção quanto a maioridade penal, não é possível interpretar de forma a crer que somente por não estar proibido, pode ser alterado. A interpretação é ampla e atinge tanto os preceitos ideológicos quanto aos direitos fundamentais, a garantia de oportunidades e, porque não, a própria violência.
O Deputado Marcos Rogério, relator do parecer vencedor da PEC nº. 171, que altera a maioridade penal, faz a defesa de que a Convenção sobre dos Direitos da Criança, ratificado pelo Brasil, que estabelece ser criança todo ser humano com menos de 18 anos, não veda a possibilidade de os menores de 18 anos serem autores de delitos e estarem sujeitos a sanções penais (veja aqui). O nobre Deputado segue o seu parecer dizendo que o art. 37, letra “a” da Convenção, apenas se limita a vedar a estas pessoas a imposição de penas perpétuas, cruéis, desumanas, degradantes e de morte.
A redução da maioridade penal é, sem sombra de dúvidas, a pior tentativa para alterar o quadro de criminalidade juvenil, pois se trata de uma medida imediatista para conter os anseios de uma população que já não sabe mais como se prevenir da violência.
No entanto, se a adolescência é uma das fases de desenvolvimento do ser humano, esta deve ser pensada pela perspectiva evolutiva e educativa; não repressiva. A educação moral e emocional dos jovens, assim como o cumprimento das prerrogativas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, devem ser as premissas norteadoras da solução.
A pergunta, de todo cidadão, deve ser: é mais barato construir presídios para abrigar os jovens ou escolas para educá-los? Ao passo que o Estado não cumpre com suas obrigações, seria justo encarcerar os menores, apenas pelo sentimento de vingança? Seria a vingança uma solução ou a criação de mais problemas, uma vez que violência não se combate com violência?
Em verdade, as crianças e os adolescentes não poderiam estar desatendidos e desprezados pelo Estado, pois a este cabe o dever de assistência. Resumindo, reduzir a maioridade penal seria tratar o efeito e não a causa. Ainda, cumpre lembrar, o menor estaria ainda mais cedo adquirindo os conhecimentos do mundo do crime ao ter contato com os adultos criminosos.
É óbvio que existe uma grande diferença quando a punição tem um fim de ressocialização. A orientação protetora não tem o objetivo de retirar a punibilidade, mas sim, de dar um fim a esta, que não seja o mero encarceramento, que acaba por ser a erva daninha dos vícios. Os ensinamentos de moral e ética devem servir de norte, para que o adolescente não se transforme em um delinquente habitual.
Ainda cabe lembrar que os gastos empreendidos na construção de novos presídios, para abrigar os menores, é muito maior do que os gastos que deveriam ser aplicados em educação e segurança daqueles que são muito mais vítimas do que criminosos.
Concluindo o presente artigo, é entendimento que a solução está em aplicar o Estatuto da Criança e do Adolescente, fornecendo meios de inclusão aos jovens, de forma que a pressão social seja minimizada, e, deste modo, os adolescentes possam evitar o caminho do crime. Assim, se crê que se existe a necessidade de uma readequação de penas, que as mesmas sejam por meio do ECA, como medida educativa e ressocializadora, e não através de lei penal. Punir inimigos é uma forma de violência contra a violência.