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A relação entre a violência e o racismo

A relação entre a violência e o racismo

Dentre as garantias fundamentais presentes no ordenamento jurídico, podemos citar o chamado “direito de livre locomoção”. Na Constituição de 1988, essa garantia está descrita no artigo 5º, inciso XV:

é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.

Na prática, é de se notar que o tal “direito de ir e vir” ainda não é uma realidade para todos. Como nos diz AGAMBEN (2004, p.13),

O totalitarismo moderno pode ser definido, nesse sentido, como a instauração, por meio do estado de exceção, de uma guerra civil legal que permite a eliminação física não só dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, pareçam não integrar o sistema político. Desde então, a criação voluntária de um estado de exceção permanente (ainda que eventualmente não declarado no sentido técnico) tornou-se uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, inclusive dos chamados democráticos.

AGAMBEN localiza o problema do direito na sua aplicação e, levando em conta a conjuntura brasileira, podemos inferir que o racismo não só afeta negativamente a condição socioeconômica da população, por conta do não acesso aos direitos sobretudo por aqueles que são moradores das periferias das grandes cidades, como também pela questão de estereótipos, o que faz aumentar a tendência da juventude negra sofrerem maior coerção por parte do sistema de justiça criminal.

Nesse sentido assinala FOUCAULT (2002),

O racismo é o meio de introduzir, nesse domínio da vida de que o poder se incumbiu, um corte entre o que deve morrer e o que deve viver.

Ainda nesse sentido, de acordo com TESHAINER e KÜLLER (2005, p. 02),

A biopolítica, conceito cunhado por Michel Foucault, pode, de modo geral, ser definido como o meio pelo qual o Estado administra a vida dos cidadãos através do controle das instituições. Sendo assim, poder-se-ia afirmar que, no racismo, encontra-se uma forma de valorizar um tipo de vida em detrimento de outra.

Desse modo, entende-se que violência está ligada à estrutura que organiza as relações sociais, reproduzindo-se no cotidiano dos diversos grupos e, aqui especificamente, no cotidiano da juventude negra. Os dados trazidos pelo Atlas da Violência 2018 vêm complementar e atualizar o cenário de violência letal no Brasil, como resultado, apresenta que o risco de um jovem negro ser vítima de homicídio no Brasil é 2,7 vezes maior que o de um jovem branco.

O Atlas registra que 71% dos que morrem são negros, pretos ou pardos. Jovens de 15 a 29 anos e com baixa escolaridade. Esse contexto de letalidade, mostra a falta de uma política de segurança pública eficaz conduzidas pelas autoridades brasileiras no que diz respeito ao seu dever de prevenção das mortes violentas. No plano real, as ações empreendidas pelo Estado em nome da “segurança” revelam outras violações de direitos.

Diante desse quadro, é importante que sejam dados passos cada vez mais coletivos para a redução das situações de violência. Faz-se necessário a construção de estratégias governamentais para conceder prioridade à proteção da vida e diminuição de confrontos em favelas e periferias, estimulando o policiamento baseado em ações de inteligência para desarticular grupos armados. Fortalecer o controle de armas, bem como a criação de um plano de redução de danos para evitar violações de direitos humanos durante operações policiais. Todos esses passos são fundamentais para desenhar políticas de segurança que sejam efetivas.

O modo como a sociedade está organizada afirma a permanência das desigualdades. Logo, a ideia de liberdade de locomoção ainda é um direito distante para muitas crianças e adolescentes, principalmente das camadas pobres e negras. Compreender essa aparente contradição é importante para que seja criado um conjunto de padrões protetivos mínimos comum, com vistas ao fortalecimento dos direitos humanos.

Há um descompasso enorme entre a jurisprudência e a sua implementação. Com isso, temos o desafio pela frente de construir um agenda que seja relevante nessas lutas. A politização do debate parece ser o caminho necessário para a construção de ações nos marcos democráticos, que sirva de embasamento para a produção de políticas públicas e práticas adequadas à complexidade que tal tarefa envolve.

Nesse contexto, por tudo que foi dito, é importante que análises baseadas no conceito de interseccionalidade das discriminações e opressões sociais sejam vistas para que os sujeitos sociais possam compreender o modelo de controle social brasileiro e a atuação seletiva das agências repressivas.


REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. Martins Fontes, São Paulo, 2002, p.304-5.

TESHAINER, Marcus Cesar Ricci; KÜLLER, Ana Luiza Marino. Por que o desdém? Reflexões sobre o racismo. In: Psic. Rev. São Paulo, 2005.


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Maciana de Freitas e Souza

Bacharela em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

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