ArtigosExecução Penal

Carga horária para obtenção de remição pelo condenado

O que fazer quando o reeducando cumpre uma jornada de trabalho interno ou externo cuja média de horas é superior a 6 horas diárias mas inferior a 8 horas? A Lei de Execuções Penais trata, no art. 126, §1º, inciso II, da remição da pena pelo exercício de trabalho à razão de 1 dia de pena por cada 3 dias de trabalho.

Por esta razão, a jurisprudência, com fundamento no princípio da proporcionalidade e da interpretação mais favorável ao sentenciado, tem considerado, para fins de remição, o cômputo dos dias trabalhados, independentemente da carga horária.

É recorrente a prática dos julgadores em considerarem o banco de horas com divisor de oito horas, em que pese, in casu, o apenado tenha trabalhado efetivamente por 06 horas na maioria dos dias considerados para fins de remição.

Tal entendimento está dissociado da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e do Superior Tribunal de Justiça, que apresentam duas interpretações possíveis para tal matéria.

A primeira interpretação possível utiliza a soma de horas com a divisão pela carga mínima de seis horas.

A segunda, que prevalece também no Superior Tribunal de Justiça, é a de consideração dos dias efetivamente trabalhados, e não soma de horas.

As duas interpretações se justificam porque a legislação foi omissa quanto às horas exatas de atividades exigidas para configuração de um dia efetivo de trabalho.

Dessa feita, deve ser adotada a interpretação que mais beneficie o sentenciado, com base no princípio da menor onerosidade que deve reger qualquer processo executivo, que, in casu, é aquela segundo a qual cálculo deverá ser feito em razão dos dias efetivamente trabalhados.

Ademais, o Art. 805 do Novo Código de Processo Civil reza que “quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.

Assegura a aludida norma, em seu parágrafo único, que,  ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados.

Pode-se observar que no NCPC há a inovação do parágrafo único que é a expressão do princípio da cooperação, onde o cabe ao executado indicar os meios menos onerosos para que assim se proceda a execução.

Vejamos o que a doutrina na seara da execução penal discorre sobre o assunto (DA SILVA; NETO, 2012, p. 116):

“(…) aplica-se por analogia ao estipulado no art. 620, do Código de Processo Civil – CPC, o qual aduz que ‘ quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor’. Trazendo-se para o processo executório penal, o apenado (devedor) deve cumprir sua pena perante o Estado (credor) da forma menos gravosa. Vale dizer, com o menor sacrifício possível. Desse modo, identifica-se ser esse princípio corolário do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, já estudado. Saliente-se que esse princípio se direciona, (…) ao Poder Judiciário, para que os Juízes realizem os seus julgamentos orientados pela premissa de que o recluso deve cumprir a pena da forma menos gravosa (…).”

O Tribunal de Justiça Mineiro também já emitiu decisões neste sentido. Vejamos:

EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO PELO TRABALHO. CÁLCULO QUE DEVE SER FEITO COM BASE NOS DIAS TRABALHADOS E NÃO NAS HORAS ACUMULADAS. Tendo a Lei de Execuções Penais previsto que a remição pelo trabalho se dará à razão de um (01) dia de pena a cada três (03) dias de trabalho, o seu cálculo não poderá ser feito com base nas horas de trabalho, ou seja, mediante somatório do total de horas trabalhadas, mas sim com base nos dias efetivamente trabalhados. Agravo em Execução Penal 1.0079.06.278514-6/001  0287426-78.2013.8.13.0000 (1)

 Em que pese a utilização dos dias trabalhados, para fins de remição, seja mais benéfico ao reeducando, eventualmente, caso este não seja o entendimento deste Tribunal, conforme já se salientou supra, outra interpretação possível, e também considerada na jurisprudência, é a que leva em consideração o montante de horas efetivamente trabalhadas.

O artigo 33 da LEP dispõe uma carga horária diária mínima de 06 horas e máxima de 08 horas: A jornada normal de trabalho não será inferior a 6 (seis), nem superior a 8 (oito) horas, com descanso nos domingos e feriados.

Neste cenário, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais já emitiu decisões acerca da possibilidade de utilização da carga horária mínima de 06 horas, quando o apenado efetivamente laborou por este período, haja vista ser tal critério mais razoável e proporcional. (TJMG. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL Nº 1.0079.10.047222-8/001. VV. Rel. Des. Silas Vieira. DJ: 29/01/2013).

É plenamente possível a utilização da carga horária mínima de seis horas diárias para cômputo da remição no caso em análise.

O item n. 65 das Regras Mínimas de Tratamento de Prisioneiros da Organização das Nações Unidas prescreve que o tratamento aos condenados deve ter por objetivo inspirar os apenados à vontade de viver conforme a lei, bem como a manterem-se com o produto do seu trabalho e a criar neles aptidão para fazê-lo, gerando, com isso, senso de responsabilidade.

Saliente-se, que o trabalho é direito social previsto no artigo 6º da Constituição Federal, que confere a qualquer pessoa uma vida digna.

Como sabido, a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado, ao qual serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei (artigos 1º e 3º da Lei 7.210/1984).

É direito do reeducando o exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas, desde que compatíveis com a execução da pena, nos exatos termos do artigo 41, inciso VI, da Lei de Execução Penal.

Assim, cabe à defesa sustentar, como forma de viabilizar e efetivar tal direito (trabalho como forma de remir a pena), que seja adotada a interpretação mais beneficia ao preso, que, in casu, seria a utilização dos dias efetivamente trabalhados, independentemente da carga horária; ou, subsidiariamente, que seja adotada, como base de cálculo, carga horária de mínima de 06 horas.


REFERÊNCIAS

DA SILVA, José Adaumir Arruda e NETO, Arthur Corrêa da Silva. Execução penal. Novos rumos, novos paradigmas, 2012, Manaus/ AM, Editora Aufiero, P.116.

Rodrigo Murad do Prado

Doutorando em Direito Penal pela Universidad de Buenos Aires. Mestre em Direito. Criminólogo. Defensor Público.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo