Requisitos legais da prisão preventiva: e a gravidade do crime?
Por Mariana Py Muniz Cappellari
De acordo com Giacomolli (2015), além dos seguintes pressupostos: prática de crime doloso, cominação de prisão máxima superior a quatro anos, descabimento da liberdade provisória e insuficiência das medidas cautelares menos gravosas; exige-se a presença de requisitos específicos à prisão preventiva, quais sejam: fumus commissi delicti, suficiência indiciária de autoria, periculum libertatis, garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal.
No que tange, portanto, ao fumus commissi delicti, deixa claro o referido autor a necessidade de se demonstrar o cometimento de um delito, através da verificação da existência de um fato que tenha forte aparência de tipicidade, ilicitude e culpabilidade, para além da alta probabilidade de diante esse mesmo fato ter-se a aplicação de uma sanção criminal, pois se exige nesse ponto a aproximação de uma certeza, embora não plena de condenação. Do contrário, a utilização da prisão se demonstra como mera antecipação de punição, a qual, por certo, ao final, sequer tão gravosa o será ou existirá.
A suficiência indiciária da autoria, por sua vez, não se contenta com meros indícios, mas requer à apresentação de ‘razões conducentes à afirmação, de forma objetiva, da autoria’ (GIACOMOLLI, 2015). Outrossim, mais interessante nos parece seja delimitar o conteúdo do chamado periculum libertatis, haja vista o título da coluna que pretende dialogar com a gravidade abstrata do delito.
Em sendo assim, continua Giacomolli aduzindo para o fato de que a prisão preventiva é uma prisão cautelar, acautelatória e não um provimento final condenatório, o que não poderia ser diferente, haja vista a excepcionalidade da prisão e o primado constitucional e humano do Estado de Inocência.
Dessa forma, quando falamos em necessidade do periculum libertatis, estamos falando que ao momento da sua análise as perspectivas que se devem ter em conta são as do processo, da sua dinâmica procedimental, conforme acentua o referido autor, até sentença final. Ora, se estamos falando em prisão cautelar, logo, estamos falando em acautelamento, do quê? Do desenvolvimento normal do processo e da incidência do ius puniendi.
Assim é que Giacomolli aduz: “Essa é a essência da cautelar, não possuindo funcionalidade desvinculada de sua natureza jurídica (credibilidade institucional; segurança pública; antecipação de tutela penal, substitutiva de políticas públicas etc.).”
Mas, ainda não devemos nos perder diante os requisitos específicos ao decreto de prisão preventiva, os quais exigem exame anteriormente ao seu decreto, por óbvio, pois sequer comentamos o fundamento da chamada garantia da ordem pública. Aqui, então, há sedimentadas críticas acerca da vagueza, imprecisão e indeterminação de um conceito que serve verdadeiramente como um coringa no cotidiano e na práxis judicial. Sem dúvida, afirma Giacomolli que a garantia da ordem pública constitui-se em uma verdadeira psicose na prática judicial, pois colocada em patamar superior aos direitos e garantias do investigado ou processado. Nada que a doutrina da defesa social não possa explicar, por certo.
Lopes Jr. vai ao ponto quando acerca da garantia da ordem pública aduz:
“Não sem razão, por sua vagueza e abertura, é o fundamento preferido, até porque ninguém sabe ao certo o que quer dizer… Nessa linha, é recorrente a definição de risco para a ordem pública como sinônimo de “clamor público”, de crime que gera um abalo social, uma comoção na comunidade, que perturba a sua “tranquilidade”. Alguns, fazendo uma confusão de conceitos ainda mais grosseira, invocam a “gravidade” ou “brutalidade” do delito como fundamento da prisão preventiva. Também há quem recorra à “credibilidade das instituições” como fundamento legitimante da segregação, no sentido de que se não houver a prisão, o sistema de administração de justiça perderá credibilidade. A prisão seria um antídoto para a omissão do Poder Judiciário, Polícia e Ministério Público. É prender para reafirmar a “crença” no aparelho estatal repressor.”
Sem se ingressar, portanto, nos demais requisitos específicos, até diante o âmbito da presente coluna e o espaço destinado, o fato é de que na prática, na realidade diária enfrentada pelos atores componentes do sistema de justiça criminal, verificamos é sim diversas motivações espúrias (GIACOMOLLI, 2015) na decretação da prisão preventiva como garantia da ordem pública: “credibilidade do Poder Judiciário”, “credibilidade da Justiça” ou das “instituições”, “aplacar os altos índices de criminalidade”, “dar uma resposta imediata e enérgica ao crime”, “acabar com a rede de crimes criados pelo tráfico de drogas”, “clamor público”, “gravidade do crime”, “comoção social, inclusive divulgado pela mídia.”
Ocorre que isso, de acordo com Giacomolli, ‘permite a canalização da violência da prisão a determinadas espécies de crimes (tráfico de drogas, v.g.) ou grupo de criminosos (comunistas, subversivos, v.g), eleitos como “bodes expiatórios” (Girard).”
Em que pese o Supremo Tribunal Federal já tenha se manifestado acerca de que a gravidade em abstrato do crime não constitui fator de legitimação da privação cautelar da liberdade, tendo-se como exemplo o HC 95.464, rel. Min. Celso de Mello, de 2009; HC 95.460, rel. Min. Joaquim Barbosa, de 2010; HC 104.339, rel. Min. Gilmar Mendes, em 2012 e HC 114.092, rel. Min. Teori Zavascki, de 2013, conforme expõe Giacomolli; o fato é que, também, o referido Tribunal Superior oscila em suas argumentações, na medida em que considera em alguns julgados a reiteração criminosa como suficiente à motivação da ordem pública e ao decreto de prisão, por consequência, bem como a credibilidade da justiça (HC 80.717-8, rel. Min. Sepúlveda Pertence, de 2004).
Nesse contexto, portanto, e levando-se em consideração o número de presos provisórios que povoam as prisões brasileiras, fica difícil falar em descarcerização e em redução desses gritantes números, verificando-se aquilo que já asseveramos em outras colunas, o fato da permanência de uma cultura autoritária em solo brasileiro, alimentada pela ideologia da defesa social, em matéria de prisões provisórias, o que bem se vê diante os requisitos específicos do decreto da prisão preventiva.
REFERÊNCIAS
GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal. Abordagem conforme a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.