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Por que há resistência na adoção de um novo processo penal brasileiro?

Por que há resistência na adoção de um novo processo penal brasileiro?

Começa-se o artigo com uma crítica: vê-se que o processo penal brasileiro atual não é nada mais que uma “múmia”, cujas “reformas” – que não devem ser tidas como – se amoldam apenas a tentativas de ajustar o inajustável, gerando remendos na legislação que nada condizem com o contexto social atual.

Principalmente após o declarado fim do regime ditatorial, diversas foram as promessas legislativas sobre a realização de reformas parciais, as quais objetivavam uma transição de um regime inquisitório para um acusatório… o que não ocorreu.

O Brasil, além de ter sido o único que não refez totalmente sua sistemática processual penal, acreditou, posteriormente, ser capaz de aprovar no legislativo um novo modelo de processo penal, já estando ciente de que as pequenas reformas não foram suficientes.

Ocorre que o projeto está a um demasiado tempo acostado no legislativo, sofrendo diversas emendas, as quais também o transformaram em um processo penal já com cara de antigo, tornando-o semelhante ao processo penal atual.

Contextualizando, pode-se declarar que o primeiro fator impeditivo consistiu na realização de emendas a um processo penal originariamente inspirado em um modelo oriundo de um regime fascista, o que resultou na imutabilidade significativa de suas características inquisitivas.

Passando à análise a outros empecilhos que nos afastam de um processo penal acusatório, democrático e garantista, cumpre destacar certa resistência advinda do legislativo, ao passo que projetos de lei cujos escopos consistem na redução de garantias – claramente direcionadas à criminalidade de rua– são votados e aprovados, motivadas por algum clamor social ou ate mesmo por ideias preconceituosas sobre os direitos humanos.

A contrario sensu, projetos de lei que visam a reduzir as permanências inquisitivas existentes no processo penal ou que buscam reforçar a isonomia de réus (crimes de rua x colarinhos brancos) são mantidos em inércia até se tornarem obsoletos.

Além do mais, busca-se trancar projetos de lei que envolvam a reforma – realmente reforma – do processo penal brasileiro, como ocorreu no caso da PL 8045/2010, o qual já sofreu tantas emendas que as prometidas melhorias passariam a prejudicar ainda mais o sistema processual penal.

Tais práticas podem ser justificadas pelas bancadas formadas no ambiente legislativo, tais como a bancada religiosa ou outras com características conservadoras, reforçando as permanências inquisitivas e totalmente díspares com quaisquer alterações sobre as garantias dos réus e de processos penais efetivamente acusatórios.

Outro fator preponderante, estando este destoante do ocorrido no Chile, por exemplo, consubstancia-se no gasto sobre reformas e centralizações, bem como com capacitações aos profissionais da área.

Melhor definindo: sistemas processuais e suas entidades tornam-se, a longo prazo, menos custosas, pois o ideal se amolda na proximidade local entre tribunal, Ministério Público e presídios, gerando maior segurança e facilidade de acesso à justiça.

Com isso, demandariam estudos urbanos acerca de regiões predispostas a sofrerem reformas que instituam a centralização dos órgãos, o que demanda gastos da união, Estados e Municípios.

Resistindo ao novo processo penal brasileiro

Neste ponto, não é forçoso perceber que a resistência sobre as aprovações das reformas, bem como o lapso temporal extenso para a realização de reformas – as quais tendem a ser superfaturadas e atrasar, verificando uma cultura existente nesse sentido – tendem a ser maior por conta de impasses ideológicos dos legisladores, em uma tendente descrença destes e da administração pública sobre a conveniência da realização de obras significativas em conjunto com uma nova lei processual penal.

Para além das reformas estruturais e legislativas, os membros e aplicadores de um novo processo penal necessitariam de capacitações, como forma de criar experiência sobre novos ritos processuais, novos métodos de audiência – tais como audiências majoritariamente compostas por juízos orais – gerando um fator de resistência e desinteresse por parte destes, fato que também ocorreu em outros países da América Latina, após a instituição de novos sistemas processuais penais.

Por fim, muito embora aparente ser difícil reformar o processo penal brasileiro, diante da ausência de confiabilidade popular sobre o legislativo e a tendente resistência por parte de diversos nichos do Estado, a constante busca pelos direitos fundamentais devem sobressair perante tais questões.

A mentalidade inquisitória existente no Brasil – problemática amoldada e amplamente difundida por Jacinto Coutinho, Marco Silveira, Fauzi Choukr – deve ser superada e, para tanto, a melhor forma de se fazer isso hoje consiste na realização de pesquisas.

Concluindo: as permanências inquisitivas geram “sub consequências” para a reformulação do processo penal, tais como as existentes no legislativo, que resistem às alterações de caráter protecionista do Código Penal, também as estruturais, diante do custeio para instituí-las e, ainda, em uma tendente resistência sobre treinamentos sobre um novo sistema.

E, diante de tais empecilhos, não declarados aqui de forma exaustiva, o fomento à pesquisa sobre processo penal, mentalidade inquisitória, bem como ao estudo de exemplos de processos democráticos e acusatórios, torna-se medida capaz de alterar a problemática maior, reduzindo resistências gradativamente, com a inclusão de novos profissionais no meio.

Suzana Rososki de Oliveira

Advogada criminalista

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