Respeito à advocacia!
Por Ingrid Bays
A atitude do ministro Gilmar Mendes no último dia 16, em sessão do Supremo Tribunal Federal na qual se discutia a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4650 ― a qual questiona as regras correspondentes a doações para campanhas eleitorais e partidos políticos ― gerou grande repercussão. Após quase um ano e meio com vista dos autos e cinco horas de voto, o digníssimo ministro afirmou, de forma claramente intolerante, “eu sou ministro da Corte e o advogado é advogado…”, abandonando, em seguida, o plenário do STF.
O episódio em questão foi trabalhado de forma excelente por meus colegas Bruno Espiñeira Lemos e Frederico de Lima Santana neste Canal, motivo pelo qual não pretendo abordar o fato de maneira isolada, pois infelizmente a atitude do ministro Gilmar Mendes é o reflexo do pensamento de muitos cidadãos que, ao integrarem certas instituições, acreditam e praticam a ideia de que são hierarquicamente superiores ao advogado no exercício de sua profissão. De qualquer modo, o assunto deve ser insistentemente debatido, pois devemos lutar para que situações como esta não se repitam e não sejam encaradas como algo tolerável.
É inadmissível alguém que integra o órgão cuja função é ser “guardião da Constituição Federal” disseminar uma atitude arbitrária e absolutamente contrária ao que disciplina o artigo 133 da nossa Lei Maior! Aliás, propor a discussão acerca desse tema é necessário ao ponto de que a voz corrente da população realmente não tem conhecimento do teor do artigo 6º do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/94):
Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos. Parágrafo único. As autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho.
A partir disso, e do fato do advogado ser indispensável à administração da justiça, que se faz necessário não deixar o presente debate cair no esquecimento. Não podemos permitir que seja disseminada a ideia de que ao atuarmos somos apenas um empecilho, ou seja, que nosso trabalho tem a única intenção de “obstruir a justiça” e até mesmo de “gerar impunidade”.
Na labuta diária eventualmente enfrentamos situações que possuem o condão de testar nossos limites de paciência. Não raras vezes encontramos dificuldades no atendimento dos cartórios das varas criminais, somos interrompidos em audiências de instrução por juízes que não estão interessados em prestar atenção no que as testemunhas de defesa têm a dizer, descontando em nós (e por consequência nos réus) frustrações profissionais e/ou pessoais. Não bastasse isso, há membros do Ministério Público que acabam incorporando e agindo com o desejo da vingança da vítima ou de seus familiares, tratando o acusado como um inimigo.[1]
Na seara criminal, o advogado já de cara é interpretado de uma forma equivocada pelo senso comum. É tratado como se fosse “cúmplice” do seu cliente. Por vezes essa visão distorcida vem dos próprios membros do meio jurídico, nas piores hipóteses por seus próprios colegas de profissão, que se esquecem do juramento que fizeram:
Prometo exercer a advocacia com dignidade e independência, observar a ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da Justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.
O equivocado pronunciamento do ministro Gilmar Mendes é apenas o reflexo de uma visão que precisa ser esclarecida. Não há hierarquia e, mesmo que houvesse, o bom senso do ser humano não admitiria tal postura. É necessário que, com cordialidade e respeito, façamos com que nossas prerrogativas profissionais sejam cumpridas, sem permitir que direitos sejam violados por receio de que os togados fiquem incomodados com isso. Para encerrar (este texto, mas nunca o debate sobre o assunto), não poderia escolher outro pronunciamento que não o de um ex-ministro do STF (RIBEIRO DA COSTA, Ministro do Supremo Tribunal Federal; in Diário da Justiça da União, 12.12.63, p. 4.366), cujas palavras talvez muito pudessem ensinar ao atual ministro Gilmar Mendes:
Só uma luz nesta sombra, nesta treva, brilha intensa no seio dos autos. É a voz da defesa, a palavra candente do advogado, a sua lógica, a sua dedicação, o seu cabedal de estudo, de análise e de dialética. Onde for ausente a sua palavra, não haverá justiça, nem lei, nem liberdade, nem honra, nem vida.
NOTA
[1] Importante ressaltar, nesse ponto, que são considerações pontuais, sem o intuito de generalizar condutas ou denegrir instituições, e somente tratando do âmbito profissional.