Responsabilidade criminal do sócio por crimes tributários praticados por meio da empresa
O ordenamento jurídico brasileiro não contempla a responsabilização criminal da pessoa jurídica por crimes tributários praticados por meio desta, o que implica a aferição da suposta responsabilidade das pessoas físicas ligadas àquele contexto empresarial, mediante ação penal.
Tem-se como prevalecente que a condição de sócio ou administrador no contrato social ou estatuto é suficiente para tornar apta a denúncia no caso dos crimes tributários, ainda que muito pouco ou quase nada se descreva em termos de individualização da conduta de cada sócio ao fato supostamente criminoso.
Ainda que diversos julgados exijam uma mínima concretude quanto à conduta individualizada do sócio, há forte posicionamento que ressalta a dificuldade desta descrição no limiar da ação penal em crimes societários, privilegiando-se, assim, o recebimento da denúncia.
O que parece razoável é que, nos casos dos crimes tributários, a peça acusatória se revista de mínima concretude na individualização da conduta de cada imputado, alocando-se, assim, em uma zona intermediária entre a absoluta generalidade da descrição acusatória e a plena obediência ao art. 41 do Código de Processo Penal.
Seja no caso da denúncia genérica tida por apta, seja no caso da denúncia com mínima concretude na individualização da conduta, é seguro afirmar que nos crimes tributários cometidos por meio da empresa têm-se uma relativização do art. 41 do Código de Processo Penal, vez que, como dito, o máximo exigido é um mínimo liame subjetivo, em notória exceção à clássica aplicação do art. 41 do CPP.
Contudo, o mero fato de ser sócio, ainda que suficiente para o dito limiar do processo penal (denúncia), é insatisfatório para respaldar uma sentença condenatória, sob pena de configurar-se uma responsabilidade penal objetiva – isto é, sem elementos concretos que comprovem a culpabilidade do sócio, que seria punido pela simples posição que ocupa na empresa.
Assim, nos crimes tributários, comumente traz-se à baila a Teoria do Domínio do Fato para a aferição da culpabilidade do sócio acusado – o ponto que merece atenção é se a razão de ser da referida Teoria legitima o seu uso para tal finalidade.
Uma importante premissa é a de que a posição hierárquica ocupada na empresa, per si, não implica domínio do fato. Inadmissível a punição pelo “dever-saber” do sócio, como bem enfatiza Claus Roxin.
A posição hierárquica na empresa, para fins de domínio do fato, constitui tão somente o elemento objetivo. O elemento subjetivo, por sua vez, consiste na aderência psicológica daquele sócio ou administrador quanto ao fato delitivo, a qual só poderá ser constatada com base nas provas produzidas no decorrer da instrução criminal – tais como a prova testemunhal, pericial e o depoimento pessoal do réu.
Porém, a questão reveste-se de maior profundidade, na medida em que a Teoria do Domínio do fato não é teoria processual, vale dizer, sua finalidade não é a de constatar a culpabilidade do acusado ou dispensar qualquer requisito desta, mas, tão somente, após devidamente reconhecido o envolvimento dos acusados com o fato típico, aferir quem foi autor e quem foi partícipe.
Como dito, a Teoria do domínio do fato não condena quem, sem ela, seria absolvido. Sem provas, ou em dúvida, absolve-se o acusado, com ou sem teoria do domínio do fato.
Assim, somente as provas dos autos poderão ser utilizadas para aferir a responsabilidade penal do sócio, e não a posição ocupada na empresa. E somente após a devida constatação dessas responsabilidades, é que a Teoria do Domínio do Fato tem espaço e pertinência para delimitar o autor e o partícipe do crime.
Já nasce desvirtuada a aplicação da Teoria do Domínio do Fato para aferição de culpabilidade e prolonga-se o equívoco quando, adentrada essa seara (culpabilidade) através da Teoria, aplica-se o entendimento de que a posição hierárquica na empresa implica domínio do Fato, a legitimar uma condenação criminal.
O que fica claro, infelizmente, é que os Tribunais brasileiros, não raro, têm incorrido em erro ao utilizar a Teoria do domínio do fato nos casos de crimes tributários, seja (i) ao aplicá-la para fins de reconhecimento ou não da culpabilidade, desvirtuando a sua finalidade única de distinção entre autor e partícipe; seja (ii) ao, adentrar a seara da responsabilidade, aplicar entendimento de que a posição hierárquica na empresa implica domínio do fato, caracterizando, assim, inaceitável responsabilidade penal objetiva.
Conclui-se, portanto, que o Judiciário brasileiro comumente peca ao enfrentar os casos de crimes tributários, desvirtuando a aplicação da Teoria do domínio do fato ao se deparar com a questão da responsabilidade criminal dos sócios e administradores, o que acaba por comprometer institutos basilares do direito, tais como os requisitos da responsabilidade penal, deflagrando em absoluta injustiça.
Diante da sua desvirtuada aplicação nos crimes tributários pelos Tribunais Superiores brasileiros, não é demais o alerta: a Teoria do Domínio do Fato não supri a prova, e no direito penal brasileiro apenas esta condena legitimamente – fora disso, o que se tem é inversão de valores em matéria penal.