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A responsabilidade das pegadinhas: morte e ensinamento

A responsabilidade das pegadinhas: morte e ensinamento

Todos já se divertiram com as pegadinhas engraçadas que alguns programas de televisão transmitem, e mesmo alguns sendo céticos quanto ao procedimento das enganações, estas ainda são responsáveis por uma grande audiência.

Só que de uns tempos até hoje algumas brincadeiras tomaram um ar de realidade tão grande e demasiado envolvente que as reações das pessoas passaram a refletir o estresse causado pelas zombarias.

Algumas possuem aparatos tecnológicos que abarcam toda a percepção de tempo e espaço da pessoa. Outras, mais simples, dispõe da atuação de atores revestidos do medo que ronda toda a sociedade.

Para alguns, mera distração e entretenimento. Existem aqueles que são pegos nas brincadeiras e não permitem que sua imagem seja usada, pois de alguma forma, não concordam com a atitude de terceiros que envolvem a realidade e a encenação, bem como a percepção e a inocência da pessoa que protagoniza como vítima da pegadinha.

Por outro lado, existem aqueles que concordam que a mentira não deve ser usada para levar distração às pessoas em canal de televisão, pois usa-se o outro como mero fantoche daquilo que se pretende fazer, que é distrair.

E mesmo usando a imagem com a autorização da pessoa esta é usada como um meio para atingir determinado fim, mas nunca respeitada como um fim em si mesma.

Todavia, essa discussão geraria inúmeras divagações Kantianas entre outras formas de expressar o outro, desde Bentham, Mill até Espinosa à Bauman.

Doutro sentido, mais pragmático, são as chacotas realizadas de forma irresponsável e que podem, de uma forma ou outra, causar sérios danos aos participantes.

Numa tremenda falta de bom senso um programa famoso de TV dos domingos nacionais colocou dentro de um provador uma menina vestida de defunto que assustava quem entrava para experimentar a roupa nova.

Uma mulher, não identificada pela família, teve um ataque cardíaco fulminante, falecendo no local, em 31 de outubro de 2013.

Há quem diga que os problemas causados pelo estresse diário e as próprias preocupações da vida normal levaram ao fim da pessoa naquele momento, que foi apenas realçado por uma brincadeira sem maldade. Nisso tudo, não fosse a ação de terceiros que tinha intenção de causar grave emoção, a morte não teria acontecido.

Todavia, utilizar o outro para causar impacto numa sociedade que aguarda se beneficiar da aflição de terceiros, é simplesmente inaceitável.

Entretanto essa não é a maior crítica quando a ação dos atores causou uma mudança terrível no mundo real: a morte da vítima e os problemas psicológicos causados na atriz de apenas 13 anos na época dos fatos. Sem mencionar a família da vítima com seu sofrimento perpetuo e eterno.

O intuito aqui não é discutir os artigos do código penal que todos conhecem ao tratar do homicídio culposo ou doloso, ou até mesmo, as suas formas de realização no mundo dos fatos, uma vez que esses estudos são tão propedêuticos que devem ser dominados pelo leitor deste Canal.

Todavia é importante asseverar que a culpa ou dolo depende da ação ou omissão no momento do acontecimento, quando uma coisa leva a outra e altera o mundo real, esta pode e deve ser considerada pelo direito.

Se apenas a bolsa da mulher tivesse caído no chão e quebrado o seu aparelho celular, o dano típico do Código das penas poderia ser aplicado.

Mas as pegadinhas de mal gosto se apropriam mundo afora do intelecto humano e do respeito ou falta deste para com os outros. Para conseguir curtidas em sua página no youtube, um jovem nos EUA pegou uma espingarda de pressão e atirou no peito de seu amigo que estava dormindo no sofá.

Só que a arma de brinquedo tinha sido trocada pela arma de caça do pai. Assim, Jeffrey Charbonneau (24 anos) morreu numa tarde de 2010 pelas mãos de seu melhor amigo Nicholas Bell, 23 anos, sentenciado ainda a quatro anos de prisão.

O exemplo norte americano evidencia uma maneira de se buscar fama nas redes sociais por intermédio das pegadinhas. Atirar com uma espingarda de pressão no peito do colega não deve causar uma experiência prazerosa para quem recebeu o balaço.

Por outro lado, aquele que atirou sentiria prazer em rir do colega em dor e ainda; de transmitir para todo o mundo pelas redes interligadas da internet o seu ato considerado (pelo autor) apenas uma pegadinha irônica e sem maldade.

Essa maneira de enxergar os exemplos advindos dos programas de entretenimento na TV se espalha pelo mundo dos fatos e atos. Parece até que é normal agir irresponsavelmente para com os outros.

Em 2012 uma enfermeira recebeu uma ligação no hospital onde trabalhava e que estava internada Kate Middleton para dar à luz ao seu filho, o príncipe George. Tal chamada parecia ser da família real e a enfermeira, certa de estar falando com a rainha Elizabeth passou as informações sobre a paciente.

No outro dia, tabloides sensacionalistas da Inglaterra, bem como, a rádio local que realizou a pegadinha, brincavam afirmando a necessidade de o hospital aumentar a segurança dos dados dos seus pacientes, que deveriam ser sigilosos.

Após de dois dias, a enfermeira cometeu suicídio em seu apartamento.

O estresse do dia comum e das pessoas é realçado pelas brincadeiras de mal gosto, e muitas vezes, levados até as últimas consequências no mundo dos fatos. Evidenciado pela provocação alheia, essa prostração emocional pode vir a ser o estopim para diversas reações, entre elas a morte do agente, como vimos, ou a autodefesa.

Premila Lal, morta aos 18 anos, teve a péssima ideia em 2013 de pregar uma peça em seu irmão de 15 anos, escondendo-se no armário de casa.

Ao entrar, seu irmão imaginou que a casa tinha sido invadida e que o assaltante estava escondido no armário, armou-se com a arma que o pai escondia e atirou matando quem estava dentro da estante.

As pegadinhas de TV que envolvem brincadeiras de provocações e que mudam a percepção da realidade das pessoas também estão fadadas a estes tipos de reações.

O que dizer de alguém que dissimula a realidade e atira em outra pessoa que, também ator, cai “morto”. Só que do outro lado, entendendo e percebendo a realidade que se põe a sua frente há um policial civil, que atira matando o autor do disparo ficcional, cumprindo sua função de defesa própria e a de terceiros.

De toda forma, Kant estava certo.

Entender o outro como um fim para seu próprio divertimento é trata-lo com total desrespeito. Tanto que mortes ocorreram nessas brincadeiras. Há ainda quem diga que o mundo anda muito sério, muito sensível.

Mas mexer com a realidade de pessoas diversas que vivem vidas sopesadas pelas dificuldades hodiernas pode ser muito perigoso. A distorção da realidade pode trazer alteração no próprio momento em si, como também na vida da vítima, psicologicamente para sempre.

Assim, muitas pegadinhas acabam ensinando os outros em como realizar outras pegadinhas, que podem ser fatais e até mesmo levar a morte. Há então, de qualquer forma, a alteração no mundo real em brincadeiras de mal gosto que podem trazer o direito penal para responder/agir pela irresponsabilidade de alguns.

A responsabilidade dos centros de cultura, canais de TV e programas de entretenimento é deveras enorme perante ao seu público.

É por meio desses propagadores de ideias e de sentidos que muitas vezes diversas pessoas iniciam a segunda feira pensando em buscar algo novo e melhor para suas vidas, ou; simplesmente relembram e riem das infelizes pegadinhas que preenchem o horário nobre de domingo.

Iverson Kech Ferreira

Mestre em Direito. Professor. Advogado.

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