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Responsabilidade penal da pessoa jurídica: a visão europeia

Por Cezar de Lima

A responsabilização penal do ente corporativo é matéria geradora das mais intensas controvérsias. Apesar de sua aplicação à tutela ambiental já estar indiscutivelmente firmada em nosso ordenamento jurídico legal – inicialmente, através do artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal, e, posteriormente, pelo advento da Lei 9.605/98, denominada Lei dos Crimes Ambientais -, a discussão doutrinária a respeito de sua utilidade prossegue

A responsabilidade penal da Pessoa Jurídica no direito brasileiro é expressamente vedada, exceto nas hipóteses de crimes ambientais conforme previsto na Constituição Federal no seu art. 225, § 3º e na Lei nº 9.605/98. Ainda que a exceção esteja expressamente prevista na Carta Magna, o tema aflora intensas controvérsias na doutrina.

Deixando essas controvérsias doutrinárias de lado e buscando fazer uma análise cuidadosa sobre o tema é possível verificar que o sistema jurídico penal, especificamente as legislações específicas de combate aos crimes econômicos, estão sendo influenciadas por um aumento nas relações internacionais.

A partir disso, temas “novos” surgiram nas ciências criminais, dentre eles destaco o criminal compliance e a nova discussão sobre a possibilidade ou não de expandir a responsabilização penal da pessoa jurídica nos crimes econômicos. No entanto, quanto a esse último tema, pode parecer estranho ao leitor imaginar como se responsabilizar penalmente pessoas jurídicas?! A ideia não é ressuscitar a discussão arcaica e ultrapassada que se fundamenta nos preceitos básicos da teoria do delito e da pena – onde se discute o não cometimento de crimes pelas empresas, pois essas não teriam capacidade de culpabilidade -, pelo contrário, os avanços das relações internacionais nos obrigam a evoluir no pensamento e idealizar um novo debate.

Dessa forma, ao buscar referenciais bibliográficos sobre Criminalidade de Empresas, verificou-se que nos países europeus a imputação penal das pessoas jurídicas está sendo discutida sobre uma nova análise, fugindo totalmente da tradicional teoria do delito aplicada aos indivíduos.

A partir disso, utilizando o sistema espanhol como referencial, constatou-se que desde 2010 existe um sistema jurídico-material de responsabilidade penal de pessoas jurídicas. Essa responsabilidade penal diz respeito apenas aos entes dotados de personalidade jurídica, que são aqueles entendidos como unidades econômicas.[1]

Além disso, o sistema espanhol prevê a responsabilidade penal das pessoas jurídicas estrangeiras, desde que estas tenham filiais ou centros de produção na Espanha.

A forma espanhola de responsabilidade penal das pessoas jurídicas é aplicada a uma extensa lista de delitos, dentre os quais, quase a totalidade é de crimes patrimoniais e de delitos socioeconômicos.[2]

Para imputar a responsabilidade penal às pessoas jurídicas por delitos cometidos em razão da empresa, o sistema espanhol adotou o modelo de responsabilidade por atribuição, o qual consiste na transferência da responsabilidade à pessoa jurídica, dos crimes cometidos por seus administradores ou funcionários.[3]

Em síntese, essa responsabilidade penal ocorrerá (i) em face dos crimes cometidos por pessoas físicas que ocupem posições de representantes legais ou administradores das pessoas jurídicas e, também, (ii) pelos delitos praticados por funcionários subordinados.

Apesar desta expressa previsão do modelo de responsabilidade por atribuição, prevista o art. 31 bis, 1, imperioso destacar que o legislador espanhol foi impreciso, pois no item 2 do mesmo artigo o legislador apresenta um modelo de responsabilidade penal própria (direta) da pessoa jurídica. Essa margem de dubiedade deixada pelo legislador espanhol é fortemente criticada, pois estaria afrontando não só a legalidade ordinária como os princípios do Tribunal Constitucional.[4]

Quanto ao criminal compliance, foi possível constatar que, em que pese as orientações do “Comité de Ministros Del Consejo de Europa”, de que as legislações penais deveriam prever que as pessoas jurídicas adotassem medidas de controle interno necessárias para impedir o cometimento de delitos, o Código Penal espanhol não apresenta nenhum dispositivo nesse sentido.[5] Diante disso, grande parte da doutrina sustenta que a existência de um programa de criminal compliance efetivamente implantado e em pleno funcionamento poderia eximir a pessoa jurídica das sanções a ela aplicada. Para tanto, apresentam dois argumentos: (i) Literal – com a existência de um programa de compliance se pode afirmar que a pessoa jurídica exerceria o devido controle a que se refere o art. 31 bis 1 do CP espanhol e (ii) Sistemático – se houver a implantação do sistema decompliance post delictum poderia haver uma atenuação da responsabilidade da pessoa jurídica.[6]

Em suma, verifica-se que o sistema espanhol apresenta alternativas pontuais quanto à responsabilidade criminal das pessoas jurídicas, ao passo que a doutrina em face da lacuna legislativa propõe a aplicação das orientações internacionais do criminal compliance. Por fim, salienta-se a importância de analisar essa problemática sob a ótica dos modelos adotados nos outros países, até porque a partir da Lei 12.846 (Lei Anticorrupção) tivemos um forte indicativo de que estamos próximos de debatermos uma ampliação da responsabilidade penal da pessoa jurídica na legislação brasileira.


[1] Lei orgânica 5/2010, de janeiro de 2010.

[2] SANCHEZ, Jesus Maria Silva. Criminalidad de empresa y Compliance. La responsabilidad penal de las personas jurídicas em Derecho español. Editora Atelier Libros. 2013. Barcelona. Pag. 16

[3] Novo Código Penal espanhol (reformado pela Lei Orgânica 5/2010), em vigor desde 24.12.2010: “Art. 31 bis.  1. En los supuestos previstos en este Código, las personas jurídicas serán penalmente responsables de los delitos cometidos en nombre o por cuenta de las mismas, y en su provecho, por sus representantes legales y administradores de hecho o de derecho. En los mismos supuestos, las personas jurídicas serán también penalmente responsables de los delitos cometidos, en el ejercicio de actividades sociales y por cuenta y en provecho de las mismas, por quienes, estando sometidos a la autoridad de las personas físicas mencionadas en el párrafo anterior, han podido realizar los hechos por no haberse ejercido sobre ellos el debido control atendidas las concretas circunstancias del caso.

[4] PRADO, Luiz Regis. Novo código penal espanhol (lei orgânica 5/2010) responsabilidade penal do ente coletivo – impressões iniciais. Ciências penais | vol. 14 | p. 431 | jan / 2011 | dtr\2011\1819

[5] “Art. 33. (…) 7. Las penas aplicables a las personas jurídicas, que tienen todas la consideración de graves, son las siguientes: a) Multa por cuotas o proporcional. b) Disolución de la persona jurídica. La disolución producirá la pérdida definitiva de su personalidad jurídica, así como la de su capacidad de actuar de cualquier modo en el tráfico jurídico, o llevar a cabo cualquier clase de actividad, aunque sea lícita. c) Suspensión de sus actividades por un plazo que no podrá exceder de cinco años. d) Clausura de sus locales y establecimientos por un plazo que no podrá exceder de cinco años. e) Prohibición de realizar en el futuro las actividades en cuyo ejercicio se haya cometido, favorecido o encubierto el delito. Esta prohibición podrá ser temporal o definitiva. Si fuere temporal, el plazo no podrá exceder de quince años. f) Inhabilitación para obtener subvenciones y ayudas públicas, para contratar con el sector público y para gozar de beneficios e incentivos fiscales o de la Seguridad Social, por un plazo que no podrá exceder de quince años. g) Intervención judicial para salvaguardar los derechos de los trabajadores o de los acreedores por el tiempo que se estime necesario, que no podrá exceder de cinco años.

[6] SANCHEZ, Jesus Maria Silva. Criminalidad de empresa y Compliance. La responsabilidad penal de las personas jurídicas em Derecho español. Editora Atelier Libros. 2013. Barcelona. Pag. 31

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