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Resposta às considerações do juiz Orlando Faccini Neto sobre a atuação no caso Kiss

Senti-me desafiado a escrever esse texto em razão da manifestação do Dr. Orlando Faccini Neto, que além de Juiz é professor de Processo Penal na Universidade Federal e atua, como sempre faz questão de divulgar, na formação de novos juízes no Estado, na coluna de Rosane Oliveira no GZH.

Ora, Rosane de Oliveira é uma das principais colunistas do Grupo RBS e sua coluna reverbera inegavelmente em todos os meios de informação no Rio Grande do Sul. Portanto, a versão do Juiz ao ver que sua atitude serviu de fundamento para nulidade do ato judicial por ele presidido corre o risco de ser tomada como oficial apesar da decisão do Tribunal de Justiça o qual, a vista das pessoas do povo, alimentadas pelo sensacionalismo do caso, assumiria uma posição de carrasco, martirizador do juiz de primeiro grau, o que, nem de perto, corresponde aos fatos.

Dr. Orlando Faccini Neto
Imagem: Reprodução / GZH

A carta aberta do juiz Orlando Faccini Neto

Em sua carta aberta, o Dr. Faccini Neto busca justificar seu encontro a portas fechadas com jurados, sem a presença da Acusação ou da Defesa, da seguinte forma: 1) que sempre mantém uma relação de cordialidade com os julgadores do conselho de sentença; 2) que temia que os trabalhos não seguissem; 3) o temor do item 2 se daria por um dos jurados acometido de crise de ansiedade segundo lhe relatara o oficial de justiça.

Essa não foi a única nulidade reconhecida no caso, a ela soma-se, por exemplo, a falta de registro de ato não filmado oficialmente, apesar da transmissão pelo YouTube, que não consta dos autos. Contudo, dessa nulidade o Julgador quis se justificar.

Pois bem, considerando que se trata de um Juiz de Direito e Professor de Processo Penal, pessoa que inegavelmente possui elevadíssimo saber jurídico, do contrário não ocuparia as posições que ocupa, temo que deliberadamente o Dr. Faccini Neto ignorou o conceito de imparcialidade objetiva ou estética de imparcialidade, reconhecida pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, notadamente nos casos Piersak vs Bélgica e De Cuber vc Bélgica.

De acordo com esse conceito, não basta que o juiz seja subjetivamente imparcial, como alega o Magistrado, é preciso que ele *aparente* ser imparcial. Ou seja, ninguém aqui está duvidando que o Dr. Faccini Neto agiu da forma como agiu munido das melhores das boas intenções, não se trata disso, senão, em sentido contrário, de alertar que de boas intenções o inferno está cheio.

Em outras palavras, não se afirma que o Juiz do caso utilizou esse encontro a portas fechadas para orientar, induzir ou influenciar os jurados, o que se está dizendo é que por ter agido assim, não podemos afirmar o contrário e esse é o grande problema.

É verdade que ainda não existe uma orientação rígida para juízes com relação ao seu comportamento nos autos do processo, ainda que a vaza-jato tenha fornecido elementos suficientes para reconhecer a suspeição do Juiz Moro.

De outro lado, cada vez mais dispositivos do processo penal primam pela aparência de conformidade dos seus agentes, seja pela cadeia de custódia da prova trazida por lei ao Código de Processo Penal, seja pela orientação já firmada na Jurisprudência majoritária no STJ sob a ilicitude da prova colhida em busca e apreensão sem mandado, ainda quando se tratando de flagrante delito, quando não tenha sido integralmente registrada em vídeo pelos policiais o ato.

Como lembra Geraldo Prado em sua brilhante obra sobre o sistema acusatório, a qual eu tenho certeza de que o Dr. Faccini Neto leu: não basta ao juiz ser honesto, ele precisa também aparentar ser honesto; o que, infelizmente, não aconteceu em um caso tão importante, repercutido e registrado como esse.

Links importantes:

GAUCHA ZH – Juiz do caso Kiss escreve artigo sobre encontros com jurados

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