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Retrospectiva e perspectiva em relação ao Juiz Criminal

Época de final de ano, tomados pelo espirito natalino, não raras vezes nos pegamos reflexivos, pensativos, analisando o ano que passou e projetando o ano vindouro.

Todo momento marcado por um encerramento de um ciclo também o é de abertura para o novo. Assim é a cada amanhecer, a cada minuto, mas o final do ano é muito mais simbólico e propício para isto.

Dessa forma, nesta época o convite a uma retrospectiva é inevitável. Olharmos para trás e avaliarmos o que passou no ano que chega ao fim.

Somente isto pode nos permitir olhar para frente e imaginar aquilo que desejamos para o ano que vai chegar, pois sempre foi assim ao longo de nossa história, sempre precisamos nos remeter ao passado para projetar o futuro (BERMAN).

Pois bem, 2017 foi um ano repleto de situações a serem analisadas em uma retrospectiva e que nos permitem projetar as perspectivas para 2018 no que tange ao cenário jurídico-criminal.

Permitirei-me aqui, focar, tão-somente, no aspecto do juiz criminal. Falar do juiz criminal em nosso processo penal, nunca pode ser considerado “só” falar do juiz criminal, tamanha a relevância de seu papel e o protagonismo de sua atuação no processo penal brasileiro.

O ano que passou foi marcado por muitos destes episódios, onde a atuação de Magistrados criminais ganhou especial destaque, nos mostrando com muitos elementos as expectativas sociais em torno da atuação do juiz.

Tivemos revistas estampado um “duelo” entre um juiz de direito e um acusado por ocorrência de um interrogatório. Tivemos uma série de “comentaristas de interrogatório”, analisando a postura do juiz e do acusado. Isto é muito mais complexo do que incialmente se possa pensar, pois desafia a estrutura (no mínimo aparente) de um processo que tenha um terceiro, equidistante e imparcial como julgador.

Tivemos Ministros brigando em julgamentos no Supremo Tribunal Federal como se discutissem por seus times de futebol, para além da concordância ou não com o ponto de vista de algum deles, são episódios que evidenciam sintomas muito mais graves, como o decisionismo (Lenio STRECK), que permite que ministros da mais alta corte de justiça do país tenham posicionamentos totalmente antagônicos em situações idênticas, evidenciando o alto grau de arbítrio que existe na aplicação da lei penal e processual penal brasileira.

Tivemos juízes sendo perseguidos por seus posicionamentos políticos, em uma pretensa defesa da “neutralidade judicial”. Entretanto, nem o juiz criminal nem nenhum ser humano pode ser neutro e nem este era o objetivo, uma vez que a postura do “perseguidores” não fora a mesma em relação a quem se posicionou politicamente, mas o fez em sentido diverso daqueles que foram denunciados.

Juízes que se posicionaram contra o descaso para com a situação carcerária e a falida política de combate às drogas, acusados de conivência, incentivo e, até, envolvimento com a criminalidade organizada.

No meio disto tudo, muitos os casos de linchamento por rede social de Magistrados que decidiram por solturas, por não decretar prisões ou por absolvições.

Por óbvio que não há nenhum problema em criticar uma decisão de um juiz, muito pelo contrário. Mas a questão aqui é a crítica não pelas suas razões ou fundamentos, mas, apenas, pelo resultado, sendo que, na grande maioria das vezes, o autor da crítica desconhece (ou nem quer saber) as razões que levaram o juiz criminal a decidir.

Cada vez mais as expectativas de grande parte da sociedade guiam o magistrado a uma decisão condenatória, a um decreto de prisão, associando qualquer decisão diferente disto com erro, corrupção, impunidade e etc.

Difícil momento em que temos um nível civilizatório, ao menos formal, com uma democracia constitucionalmente estabelecida e é mais fácil justificar a condenação de um acusado do que uma absolvição.

2017 foi um ano de muito destaque ao papel dos Magistrados. A população acompanhava decisões dos Ministros do Supremo, esperava decisões judiciais em uma série de processos criminais envolvendo um grande número de poderosos, quase que em tempo real.

A população mostrou a sua (in)satisfação com uma série de decisões tomadas nos mais variados casos. O que sempre deve ser enaltecido, na medida em que o Direito não tem sentido se não for para trazer melhorias à vida em sociedade.

Entretanto, generalizações e polarizações arbitrariamente se avocam do suposto “interesse social”, “bem comum”, “ordem pública” para encobrir interesses obscuros que, na grande maioria das vezes, representam o interesse de uma minoria mais favorecida em detrimento de uma maioria facilmente ludibriada.

Assim como começou, 2017 chega ao fim, com Magistrados ocupando grande espaço não só na mídia, como nas redes sociais e nas conversas de bar.

Hoje, entretanto, as críticas estão em muito maior número do que os elogios. Os adeptos e os críticos do “super-herói” juiz, parecem ter se desapontado com alguma decisão que este possa ter tomado ou deixado de tomar. Pois ao não decidir como a maioria esperava em uma série de situações, deixou de dar elementos para críticas e elogios que viriam pela mesma razão.

E neste cenário se abrem as perspectivas para 2018, que reservam desafios ainda maiores.

Em um ano eleitoral, com uma classe política desgastada e, altamente, acuada por conta da atuação dos órgãos de controle. Neste clima de tensão, a política invade o judiciário, seja pelas preferências ideológicas dos julgadores, seja pelos meios escusos de corrupção que penetram em todos os poderes da federação.

Neste ambiente, muitos escândalos ainda virão a acontecer, muita coisa será descoberta, muita delação será feita, revelando uma série de fatos verdadeiros e não verdadeiros.

Entretanto, o momento é de maior fiscalização social, que não pode ser uma leitura seletiva de analisar o resultado com variantes que levam em conta o réu envolvido e as cores que ele defende, mas uma fiscalização que exija dos Magistrados o cumprimento fiel de seu papel.

Uma fiscalização que não permita que valores pessoais e morais guiem a atuação do Magistrado para além ou aquém da norma, mas que cobre de cada um a responsabilidade política pelo relevante papel desempenhado em um Estado Democrático de Direito.

Uma atuação que esteja limitada pelos valores insculpidos na lei e na Constituição. Se eles não são os melhores, paciência, não cabe ao juiz criminal corrigi-los de acordo com suas preferências, este é o preço de se viver em uma Democracia.

Nesta, não há poder sem limites, nem mesmo aquele que esteja imbuído da melhor das intenções. E o limite, sempre será o texto legal e constitucional, que são as formas de controle do poder do Estado em relação ao indivíduo.

O Estado-juiz deve tutelar o Direito de todos, inclusive do Acusado, que deve ser concebido como um sujeito de direitos e isto não pode sofrer relativizações que levem em consideração suas preferências políticas.

Como há muito nos ensina Aury Lopes Jr, não basta ter um juiz, precisamos saber a serviço do que ele está. Este é o ponto, o que esperamos de um juiz. A resposta pode parecer simples, mas não o é.

Deverá o juiz em uma democracia atender os anseios sociais? Até que ponto? São perguntas complexas que nos convidam a uma reflexão. O juiz não pode ter a sua atuação de acordo com a vontade da maioria, pois a sua função, muitas vezes, exige que se aplique a lei, ainda que contramajoritariamente.

A Constituição expressa os valores que devem guiar a atuação do Magistrado, ainda que não seja perfeita, é a opção mais segura para uma vida amparada em preceitos democráticos.

Se valendo da célebre frase de Abraham Lincoln, queremos uma Constituição do povo, pelo povo e para o povo, mas, como lembrou Ferrajoli, que seja capaz de se defender do próprio povo. E tudo isto, se dá através de uma atuação jurisdicional.

Que possamos refletir mais sobre tudo isto neste ano de 2018 e que nunca nos falte a capacidade de questionar.

Daniel Kessler de Oliveira

Mestre em Ciências Criminais. Advogado.

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