Saiba como surgiu a “Santa” Inquisição Católica
Por Henrique Saibro
Com a crise do sistema acusatório no Império romano – sistema esse que era aplicado no período republicano –, em virtude da sensação de impunidade e das altas penas cominadas aos “acusadores de má-fé” (GRINOVER, 1982, p. 31), o Estado promoveu uma polícia oficial, fortemente centralizada, permitindo a intervenção ex officio do julgador.
Portanto, no período do Baixo Império o sistema acusatório passou por uma fase de erosão (BARREIROS, 1981, p. 19), com o aumento dos poderes dos juízes, inclusive com capacidade de atuação ex officio, restringindo os poderes (direitos) da defesa, implementando de forma generalizada a tortura – que, frise-se, anteriormente era reservada somente aos escravos –, além da perda sucessiva da regra da oralidade e do contraditório.
O sistema inquisitório apenas não sofreu aplicação imediata na antiga Europa (pois o novo sistema românico tendia inevitavelmente a isso) em virtude da influência das invasões barbáricas (mormente germânicas) no último Império, que defendiam a ideia de um sistema processual acusatório, vigorado pela oralidade e publicidade, mas ainda remanescendo alguns traços inquisitórios (BARREIROS, op. cit. p. 17). Todavia, GRINOVER leciona que o sistema barbárico admitia absurdos como a resolução de conflitos através da superstição e na fé em uma intervenção divina, tornando-se o processo um verdadeiro “jogo de azar”, motivo pelo qual tal modelo perdurou até o início da Idade Média, em razão da descrença dos jurisdicionados, tendo tais indivíduos buscado a jurisdição eclesiástica como fonte de refúgio (1982, p. 32).
As invasões barbáricas remodelaram todos os quadros do Estado, mas manteve-se de pé a organização eclesiástica. Ademais, grande parte da população hispano-romana já tinha se afiliado fortemente ao cristianismo e o território estava coberto de paróquias, sendo que a ideia de justiça que a organização católica pregava em nada se relacionava à românica – a obediência social ao Estado –, senão de libertação do homem e aperfeiçoamento moral, o que culminou em uma nova mentalidade medieval (BARREIROS, 1981, p. 29).
A jurisdição eclesiástica preparava um sistema mais rigoroso e menos preocupado com as garantias individuais, tendo, inicialmente, sua competência jurisdicional sido limitada somente às heresias – buscando aniquilá-las –, mas, com o passar dos anos, provocou extensões a processos que não tinham como objeto aquelas ofensas, passando a julgar qualquer tipo de ilícito.
Acredita-se que a Inquisição tenha tido o seu início com os Concílios de Verona (1184) e Latrão (1215) e ganho subsistência com as Bulas Papais de Gregório IX (1232) – momento em que o tribunal inquisitorial obteve base jurídica plena com a Constituição Excomuniamus – e Inocêncio IV – 1252 (CARVALHO, 2010, p. 69) GOULART (2002, p. 26) afirma que, ainda no século XII, em 1199, Inocêncio III na esteira da Bula Vergentis in senium, preparou o campo da repressão canônica, dando início à investigação de ofício, para os casos de notoriedade, fama e clamor público, mas, com o tempo, mesmo sem esses requisitos, o sistema inquisitivo passou a ser aplicado a todos os crimes.
O referido método acabou prevalecendo, inclusive, para a jurisdição laica. O “Santo” Ofício da Inquisição viveu seu apogeu na França, Itália, Alemanha e em Portugal, mas na Espanha foi o local em que os procedimentos inquisitoriais foram notoriamente conhecidos pelo caráter feroz da sua repressão (BARREIROS, 1981, p. 30), tomando conta de todos os Estados da Europa, à exceção da Inglaterra.
Instituíram-se, então, nos meados de 1233, com a ratificação do Papa Gregório IX no tocante ao cumprimento das normas impostas por Frederico II, os sistemas inquisitoriais Romano e Espanhol, que, mais tarde, proibiram a leitura de autores como Descartes, Locke e outros pensadores que incomodavam os cristãos. O mesmo regime foi aplicado para queimar Joana D’Arc e Giordano Bruno, além de perseguir Martinho Lutero, Inácio de Loyola e Galileu Galilei.
Tratava-se do apogeu da inquisição, dando surgimento à busca pela “verdade real”, renascendo os tormentos pelas torturas, transformando o acusado não mais em um sujeito de direitos, senão de mera investigação. Iniciava-se a Idade das Trevas.
REFERÊNCIAS
BARREIROS, José António. Processo Penal. Coimbra: Livraria Almedina, 1981.
CARVALHO, Salo de. Antimanual de Criminologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
GOULART, Valéria Diez Scarance Fernandes. Tortura e Prova no Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2002.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades Públicas e Processo Penal: As Interceptações Telefônicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982.