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Sala de Estado-Maior: uma discussão atual e necessária

Preliminarmente, esclarece-se que o presente artigo não busca delimitar e introduzir definições sobre o que é Sala de Estado-Maior. Acerca do tema, elucida-se que o presente subscritor discorreu sobre o assunto anteriormente, oportunidade em que apresentou definições legais, doutrinas, jurisprudências – inclusive informações sobre a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADIN 1.127-8) que removeu a expressão “assim reconhecidas pela OAB” –  e demais atendimentos atualizados sobre a matéria.

Assim, trata-se de uma discussão atual e necessária sobre prerrogativas profissionais na era da modernidade. Modernidade: o que se entende por este preceito? Como resposta, expressa-se que o referido período nada mais é do que o “derretimento dos sólidos” de modo gradual. Nas palavras de BAUMAN (2003, p. 8), a modernidade é como um “fluído”, um “líquido”, não é algo fixo, não é algo dado ou que mantém sua forma com facilidade, refere-se “à qualidade de líquidos e gases”. Para o sociólogo,

Os fluidos se movem facilmente. Eles “fluem”, “escorrem”, “esvaem-se”, “respingam”, “transbordam”, “vazam”, “inundam”, Borrifam”, “pingam”; são “filtrados”, “destilados”; diferentemente dos sólidos, não são facilmente contidos – contornam certos obstáculos, dissolvem outros e invadem ou inundam seu caminho.

Em que pese a facilidade e volatilidade dos fluídos que coordenam e norteiam o período vivenciado pelos indivíduos, tem-se que “os fluidos, por assim dizer, não fixam o espaço nem prendem o tempo” (BAUMAN, 2003, p. 8), razão pela qual, preocupa-se com a forma de condução desses “gases”, vez que, como toda e qualquer partícula, nota-se que as mesmas são compostas por instabilidade e agitação.

Em outros termos, contextualiza-se o período turbulento vivenciado pelos operadores do direito na era moderna, momento repleto de volatizações e vilipêndios de garantias e direitos fundamentais – vide Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44 – e demais momentos vivenciados na atualidade.

Neste contexto, conforme destacado anteriormente, preocupa-se com a relativização das garantias e direitos fundamentais, principalmente em relação àqueles inerentes aos advogados, entendido e posto por uma minoria como os grandes vilões e responsáveis pelo retardamento da máquina judiciária num discurso falho de que o uso de manobras técnicas, inclusive do Habeas Corpus, seriam empregados de forma exacerbada a fim de procrastinar a tramitação de processos, carregando o fardo de responsáveis pela suposta “ineficácia” das decisões judiciais e “impunidade” de seus clientes.

Sinceramente, sabemos que não são os recursos supostamente protelatórios dos defensores que são responsáveis pelo fracasso do modelo atual, ao contrário, as causas e soluções são conhecidas, mas de publicização pouco interessante, vez que não assegurariam o sentimento de segurança requisitado na ideia do comunitarismo moderno.

Como consequência, apresenta-se ao escárnio a Constituição da República, retira-se o princípio da presunção da inocência, reconhece-se a execução penal de forma antecipada e divulga-se – com dinheiro público – supostas medidas de combate à corrupção, as quais ultrapassam os números propostos – 10 medidas – e através de um discurso falso – responsável pela adesão errônea de milhares pessoas – prometem acabar com a corrupção que assola o país e retribuir os anseios populacionais por segurança.

Como consequência, observa-se em pauta diversos pareceres de alteração do Código de Processo Penal, alvitres que corroboram com o discurso pregoado acima, de que o advogado é o grande abjeto social, por isso, deve-se limitar o número de manobras realizadas em superior instância.

Represa-se os argumentos acima de modo a demonstrar barreiras criadas, bem como pôr fim aos estigmas e celeumas criadas em torno da advocacia. Não há espaço para questionamentos e argumentos falhos. Pugna-se por uma medida contundente por parte daqueles que levantam a bandeira das prerrogativas profissionais, zela-se pela valorização e respeito da classe dos advogados – principalmente da Ordem dos Advogados do Brasil – como um todo, afinal, não é à toa que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (artigo 133 da Constituição da República).

Desta forma, observa-se a existência de uma corrente que procura desqualificar a indispensabilidade do exercício da advocacia. Em outras palavras, busca-se a criminalização do adestramento profissional, de forma que se visualiza um crescente número de advogados indiciados criminalmente, tendo, inclusive, inúmeras prerrogativas violadas – ressalta-se a interceptação telefônica e mandados de busca e apreensão em escritórios de advocacia – e até mesmo prisões arbitrárias pelo exercício de suas funções.

Assim, reitera-se que o artigo 7º, inciso V, do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei n.º 8.906 de 1994) concede ao advogado, em caso de segregação prisional, o direito à Sala de Estado-Maior.

Sobre o direito anterior, que inclusive ensejou o presente artigo, enfatiza-se que a Sala de Estado-Maior é uma prerrogativa de todo e qualquer advogado – não se trata de um privilégio -, deve ser respeitada e sua indispensabilidade deve ser preservada, principalmente pelos próprios profissionais integrantes da classe.

Também, certifica-se que não se trata de uma “regalia” ou “mordomia” – razão pela qual se afirmou que não há espaço para questionamentos -, ao contrário, ao exigir-se Sala de Estado-Maior aos advogados, requer-se o distanciamento do que se entende por encarceramento ou prisão – expressões que remetem à presença de grades, portões de ferro e demais fórmulas inerentes ao cárcere, devendo as janelas serem livres, com possibilidade de abertura total, facultando-se ainda o banho de sol e a amplitude na circulação do advogado, não podendo haver contato com os demais detentos, devendo o local se situar fora de qualquer estabelecimento prisional de fato, preservando-se o direito à intimidade, bem como devendo existir banheiros próprios, possuindo a sala, assim, acomodações dignas, com colchões apropriados e camas próprias.

Isto posto, realiza-se preliminares a fim de colocar em xeque argumentos que diminuem o exercício da advocacia, legislando e criando jurisprudências do que se entende por Sala de Estado-Maior e qual o local apropriado para o acondicionamento dos profissionais presos, confundindo-se com a definição de cela especial. Conceituando, cela especial nada mais é do que uma improvisação daquilo que conhecemos como cárcere, adaptações realizadas dentro de uma unidade prisional – assim como aquelas realizadas no Complexo Médico Penal de Pinhais/PR, com intuito de receber os presos da operação lava jato -, de forma que “amenize” o feitio tenebroso do presídio.

No entanto, esclarece-se que a aludida repaginação demonstra-se incapaz a fim de substituir eventual Sala de Estado-Maior, tendo em vista que há conservação da aparência prisional, não se exclui as grades, não se garante o direito à intimidade e demais características mencionadas acima.

Neste aspecto, ressalta-se a volatização dos fluídos vivenciados na modernidade, mencionando-se que o exercício da advocacia, sua indispensabilidade e demais definições encontram-se expressas na Constituição da República e a garantia da Sala de Estado-Maior respalda-se em Lei Federal, razão pela qual, qualquer disposição ao contrário do que encontra expresso nas leis acimas contrariaria garantias e direitos fundamentais, o que se demonstra inconstitucional.

Pelo exposto, conclui-se que apesar do estado liquefeito hodierno – que aqui se critica minimamente –, como classe devemos buscar a valorização profissional, lutar pela garantia e efetivação de direitos fundamentais dos advogados. Todo e qualquer profissional ao exercer seu labor deve ter a segurança de que se encontra respaldado, para que possa enfrentar as dificuldades do dia a dia, principalmente para combater atos e medidas arbitrárias praticados por demais poderes contra o Estado Democrático de Direito.

Sendo assim, Sala de Estado-Maior é direito de todo e qualquer causídico e na sua ausência, principalmente pelo fato de a prisão ser considerada utilma ratio, prisão domiciliar é à medida que se impõe, não havendo espaço para cela especial.


REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

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