Santo Ivo, rogai por nós advogados!
Santo Ivo, rogai por nós advogados!
Escrevo esta coluna na madrugada do dia 6 de outubro de 2016, logo após o STF confirmar que condenados em 2º grau podem iniciar o cumprimento da pena, ainda que pendentes de julgamento recursos nos Tribunais Superiores.
Sou professor de Direito Penal e Processo Penal, e amanhã não saberei como explicar aos meus alunos essa decisão preocupante do STF; decisão essa que faz retirar a esperança daqueles que ainda possuem recursos para manejar, mas que, mesmo assim, devem imediatamente iniciar o cumprimento de sua pena após decisão de segundo grau.
Então, eis o que acontece: prendemos o indivíduo que foi condenado no TJ de sua cidade; a defesa, inconformada, interpõe recursos junto aos tribunais superiores que reconhecem a absolvição do acusado que ficou preso por anos em presídios fétidos, dominados por facções criminosas, onde o Estado sequer ingressa em uma galeria. Para se ter uma ideia, aqui em Porto Alegre, facções criminosas vêm decidindo se o apenado vai ou não para audiência!
Não sei o que leva ministros tão bem preparados tomarem uma decisão tão esdrúxula como essa que confronta a Constituição Federal, bem como o Código de Processo Penal no seu art. 283. O desespero em punir para adoçar o grande público foi maior para alguns ministros que, um dia inclusive, advogaram e eram tidos como grandes causídicos criminalistas e defensores das garantias individuais do cidadão.
O que dizer para o cliente que possuía recurso em andamento e que vinha mantendo uma vida correta, que um dia deu um passo errado na vida, contudo, se recuperou e superou até mesmo o estigma de ter “puxado” uma cadeia, que deu a volta por cima e que tinha naquele recurso a esperança de uma absolvição respondendo ao processo em liberdade.
Difícil. A cada dia é mais complicado advogar. Vejo um monte de “gênios” querendo argumentar que no país tal é assim, sistemas processuais completamente diferentes e etc. Gente, vão estudar antes de falar bobagem para justificar esse estupro constitucional. Se recursos levam tempo para serem julgados em Brasília, certamente não é por culpa de nós advogados, afinal, tentam nos culpar por tudo não é mesmo?
Protestar: como e pra quem? Vejo noticiários exaltando a decisão do Supremo. Agora a impunidade vai acabar no Brasil. Ingênuos, tolos. Quero ver abrir vagas em presídios para todas essas pessoas que aguardavam em liberdade o julgamento dos seus recursos, mas para que vagas? Joga um por cima do outro, como se fossem animais, já que, quem mandou delinquir? Dane-se! Eu estou solto porque sou cidadão de “bem”.
O problema, seu cidadão de “bem”, é que um dia esse apenado que foi tratado como bicho vai progredir de regime e sabe como ele vai sair da casa prisional? Mordendo. É um ciclo vicioso e trágico que não tem fim e, no dia de ontem, o Supremo Tribunal Federal colocou mais pólvora junto a um sistema carcerário falido que está prestes a explodir. Essa decisão certamente terá um reflexo junto ao sistema carcerário brasileiro.
Hoje vou entrar em sala de aula triste e tentar explicar aos meus alunos sobre presunção de inocência e como era importante esse princípio antes do Supremo arrancá-lo do nosso ordenamento jurídico. Você que está comemorando a decisão da nossa Corte Maior não se esqueça: ontem, foi a presunção de inocência que extirparam, e amanhã, qual outra garantia constitucional que irão nos retirar?
Juiz no Brasil é DEUS e pode tudo, portanto, vou me agarrar em Santo Ivo, patrono dos advogados, para ver se ele intercede por nós. O negócio é rir pra não chorar. Tempos difíceis advocacia de LUTO!
Ó, Santo Ivo, ó Santo Ivo!