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Scarface: Tony Montana, Al Capone e a realidade das drogas

Scarface: Tony Montana, Al Capone e a realidade das drogas

“O mundo é seu.” É com esse pensamento que o cubano Tony Montana vive parte de sua vida, crendo em uma propaganda norte-americana de conquistas e glórias baseada no sonho e na realização dos desejos de consumo oriundos do intenso mercado consumista e na propagação de suas excentricidades.

Nesse sentido, Tony Montana é Al Capone e a sua realidade surge numa compulsão por drogas, poder e agressividade. Bryan de Palma não poupou pesquisas e violência.

Uma das cenas mais marcantes de sua obra, o desmembramento de um colega de Tony Montana por um traficante colombiano utilizando uma moto serra, foi descoberto pelo diretor em um inquérito da CIA contra os cartéis de droga e sua violência simbólica e pedagógica.

Dessa maneira, além da realidade de alguns fatos que envolvem o fictício personagem principal, alguns de seus exageros restaram comprovados por investigação policial.

Tony possuía uma marca em seu rosto, da mesma forma que Al Capone. O personagem de Al Pacino imitava o gangster original, que recebera um corte de faca numa briga em sua juventude, rendendo-lhe oitenta pontos em seu rosto.

Scarface quer fazer valer toda a violência real de Capone e sua construção de um império que desafiava a lógica estadunidense do livre mercado e de suas regulamentações e proibições.

A venda de álcool era crime e seu consumo criminalizado. Só que Al Capone maquiou tão bem seu negócio que por mais reconhecido como traficante de bebidas foi preso por sonegação de impostos.

Mas ainda em se tratando da história de Montana e seu desejo por glória e sucesso, que o levou a tomar o caminho que melhor conhecia, o crime, é relevante ressaltar que a metodologia conhecida pelo cubano era unicamente a violência.

Exterminando todos os chefes de drogas que cruzassem seu caminho, Montana tornou-se um mafioso temido por suas atrocidades e excentricidades, porém, teve em seu próprio vício e desejo por poder sua derrocada final.

Há muita semelhança entre Montana (fictício) e Al Pacino, líderes em suas épocas do submundo do crime. A partir de Capone, personagem da vida real, a metodologia do crime passou de uma estratégia para outra, estabelecendo a organização dos atos reconhecidos como criminosos.

É conhecido que Capone praticava outros crimes, como a compra de apostas em circuitos legais do jogo, ameaçando jogadores e participadores para que o resultado moldasse seus próprios interesses. Caso contrário, a violência seria inenarrável.

Scarface era o apelido de Al Capone. Em 1980, quando se debruçou para a criação do cubano Tony Montana, Bryan de Palma considerou trazer ao mundo toda a violência que se passava diante o escondido mercado das drogas ilícitas, como ópio e cocaína.

À época de Capone, quando a bebida não mais fazia parte da vida do mundo legalizado, inúmeras atrocidades ocorreram em benefício do mercado mitigado que necessitava preencher o vício.

Os hospitais enchiam-se de pessoas que consumiam as bebidas fabricadas (1919) ilegalmente em alambiques sem as mínimas condições de higiene, proliferando doenças e divulgando as mazelas causadas pela bebida impropria.

Esse liquido não parava de ser vendido e Al Capone financiava, pela violência e por dinheiro, a chegada do produto aos estabelecimentos comerciais, bares e cabarés em toda Los Angeles, Las Vegas e consequentemente, quase toda a América.

Após a liberação da bebida pelo Estado Norte Americano, esta passou a ser fabricada por produtores especializados que continham em sua fórmula produtos reconhecidos pela vigilância sanitária, reconhecendo a origem e a qualidade da bebida.

Da mesma forma que agora o Estado lucrava com os impostos tributados à bebida, ganhava com a diminuição de tratamentos de saúde de pessoas acossadas pelas mazelas de um subproduto vendido a preço de sangue por mafiosos, que faziam assim sua riqueza.

A maconha vendida com seus papelotes encharcados de sangue inocente daqueles cooptados pela violência dos traficantes, os novos mafiosos e mais audaciosos e violentos que os antigos chefes de família, é responsável por uma enorme quantidade de mortes em uma guerra inapropriada, dispendiosa e indevida.

A realidade das drogas adentra hoje ainda mais os problemas sociais e forma uma situação de urgência na saúde pública. No entanto, ao detectar perturbação de qualquer natureza ligada às drogas, o poder de polícia é o primeiro a ser acionado e o direito penal considerado mais importante que qualquer política de combate ao vício e às drogas.

Scarface é tudo isso. Ele é Al Capone, desde a cicatriz em seu rosto até sua ambição por poder.

A diferença circunstancial nas épocas, 1920-30 para Capone e 1983 para Tony Montana revela que o tráfico, seja de álcool, influencias ou drogas, sempre estará interligado à força e a comprovação desta por meio da violência, o que legitima o líder ou mafioso que todos devem temer, sofrendo aqueles que vivem ao redor.

No filme, Scarface é o mal e a obstinação do homem pela vida dos lucros fáceis, destilando sua semente de irascibilidade que determina o ciclo sempre renovável da vingança, e é desta forma que o fictício Montana se aparta dessa vida: atirando a esmo sua glória, seus vícios e o chumbo camuflado por medo e insegurança.

O “Cicatriz no rosto” da vida real, Al Capone, morreu em 1947, aos 48 anos, vítima de uma parada cardíaca.


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Iverson Kech Ferreira

Mestre em Direito. Professor. Advogado.

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