ArtigosCriminologia Penitenciária

Sensacionalismo carcerário

Por Diorgeres de Assis Victorio

Conforme informei no artigo anterior darei continuidade ao proposto na semana passada. Assistindo ao programa do Fantástico do dia 06/12/2015 (Fantástico ouve especialistas e vítimas sobre progressão de pena) verifiquei alguns fatos bem interessantes. Iniciou falando sobre a polêmica da saída temporária de presos, vulgarmente conhecida em São Paulo como “A saidinha dos presos”, já no RJ é conhecido como “Saidão”.

Segundo o Fantástico o Secretário de Segurança do RJ defende que os autores de crimes violentos fiquem mais tempo presos antes de ganhar o benefício da progressão (de pena). A lógica seria apenas “castigar” o preso, o confinando-o por mais tempo, sendo que não há embasamento científico para tal afirmação, não sendo comprovado cientificamente que um tempo maior de confinamento no cárcere seria capaz de transformar o ente criminoso; que esse espaço de tempo é reintegrador e sabemos que na verdade é ao contrário, que o cárcere possui caráter criminógeno, uma verdadeira “faculdade do crime organizado”.

Posteriormente nos mostram as instalações do Presídio Central de Porto Alegre, com população de 4.300 presos (população muito menor do que da antiga Casa de Detenção de SP, onde já tive a oportunidade de adentrar várias vezes) onde vemos muita precariedade na Unidade, o que me causou estranheza, tendo em vista que em SP possuímos a maior população carcerária do país e não temos sequer uma Unidade nem próxima da que nos mostra na reportagem. É de espantar porque há muita verba do DEPEN que tem por objetivo reformar, ampliar e etc. as Unidades de todo país.

Conforme mencionei no artigo intitulado Diário de um agente penitenciário: reformar os presídios é a solução?, 15 estados nos últimos dez anos teriam deixado de usar R$ 187 milhões liberados pelo governo federal para construir e reformar presídios. Como que São Paulo que tem 190.828 pessoas presas, sendo 1,9 na razão preso/vaga, tem melhores condições nos cárceres do que o Rio Grande do Sul que tem apenas 29.243, sendo 1,4 na razão preso/vaga[1]? Isso é no mínimo muito estranho. Um Estado tem mais que seis vezes a população carcerária do outro Estado, que consequentemente tem muito mais gastos, em virtude disso consegue dar um cumprimento de pena a nível muito mais elevado do ponto de vista da dignidade humana do que em comparação ao outro Estado.

A fim de trazer mais polêmica ao tema informo que em São Paulo a Secretaria de Administração Penitenciária possui a Resolução SAP – 26, de 1-3-2013 que estabelece medidas de padronização para o fornecimento de materiais de higiene e vestuário aos presos custodiados em Unidades Prisionais do Estado de São Paulo que visa estabelecer regras padronizadas, para o oferecimento de uma assistência material igualitária em todo o Sistema Penitenciário Paulista, sendo que no ato da inclusão do(a) preso(a), será fornecido: Uniforme completo (calça; camisa tipo jaleco; camiseta; bermuda;chinelo; blusa; calçado. Inclusive peças íntimas de vestuário masculino (cueca; meia, peças íntimas de vestuário feminino (calcinha; meia; sutiã), incluindo Itens de habitação (laminado de espuma anti-chama; travesseiro; lençol; toalha de banho; fronha; colcha; cobertor; toalha de rosto. Sendo ainda fornecidos itens de higiene pessoal (sabonete; creme dental; escova dental; aparelho de barbear; papel higiênico).

Já para as mulheres será fornecido o absorvente íntimo (em quantidade suficiente), sendo que para a mulher presa puérpera, será fornecido também: bolsa; mamadeira; cobertor infantil; toalha de banho; babador; macacões curto e longo; conjunto de pagão; meia, e também os de higiene infantil, que são shampoo; sabonete; haste higiênica flexível; fralda; lenço umedecido, e também diante da necessidade de se manter a higiene da cela e das demais dependências do pavilhão habitacional, serão fornecidos coletivamente por mês: sabão em pó; detergente; desinfetante; panos de limpeza; escova de roupas; vassoura; rodo; balde e esponja.

Por todos esses fatos que esclareço que cada caso é um caso, não podemos assim fazer que nem foi feito no programa “Repórter em Ação” com o título: Detenta passa fim de semana com a mãe e entrega bebê que teve no presídio nos dando a idéia que todos ali não têm nem água para beber e que os familiares têm que levar tudo para o preso porque o Estado não fornece nada, assim como também errou o Fantástico ao fazer “sensacionalismo barato” mostrando um presídio no Rio Grande do Sul em péssimas condições, nos dando a falsa impressão que as cadeias daquele Estado estariam daquela “forma”.

Assim como também errou ao mostrar como exemplo apenas uma cadeia do método APAC (criado por Mário Ottoboni).[2] Mas compreendo, isso dá muito IBOPE e o objetivo é vender o “produto” não importando se o que foi mostrado se resume a apenas uma pequena parcela da realidade. O efeito sempre é devastador. Esclareço ainda que muitas vezes eu explicava aos visitantes que na cadeia havia alimentação, (inclusive aos domingos serviam no período da tarde suco de laranja e dois pães com mussarela, no almoço serviam para os presos e visitantes frango frito, macarrão, arroz, feijão, salada de tomate e para quem estava em dieta existia ainda sopa de macarrão com legumes; já no sábado era carne cozida, batata frita e salada de repolho e na parte da tarde o mesmo lanche do domingo, e para os que estavam de dieta a mesma refeição do domingo.

Não adiantava eu tentar explicar aos visitantes que eles ainda possuíam nos outros dias em seu cardápio, omelete, linguiça frita acebolada, purê de batata, farofa, almôndega, salsicha ao molho, carne frita, feijão gordo, carne com cenoura, ovos fritos, peixe frito e linguiça acebolada ao molho, os mesmos me diziam que a comida da cadeia não prestava e etc. e eu dizia que eu tomava o café da manha (pão e café feitos por presos), almoçava (almoço feitos pelos presos) e tomava café da tarde (também feitos pelos mesmos) e que nunca tinha passado mal nesses mais de 21 anos “comendo comida da cadeia”. Já vi casos de presos falando que a comida estava estragada e muitas vezes comíamos a mesma na frente deles e nada nos acontecia.

Mister se faz mencionar ainda que a SAP/SP criou a PORTARIA CONJUNTA CRO/CRN/CCAP/CRC/CVL – 001 de 19 de abril de 2007 que dentre outros objetivos visa padronizar os procedimentos de recebimento de mercadorias para consumo estabelecendo os materiais que podem  adentrar a Unidade e as quantidades dos mesmos, visando assim acabar com a mercancia nas Unidades.

Cabe agora ao atento leitor questionar as diferenças estruturais dos sistemas prisionais do Estado que possui a maior população carcerária com os demais, um Estado encarcerador que é o Estado de São Paulo e um Estado de “Vanguarda” que são aqueles das regiões mais frias de nosso país. Que esse artigo sirva de alerta aos que se dedicam ao estudo do cárcere e dos seus habitantes, lembrando que o educando não é objeto da pena e sim o sujeito da pena, não pode e não deve ser tratado como coisa.


[1] Brasil. Presidência da República. Secretaria Geral. Mapa do encarceramento : os jovens do Brasil / Secretaria-Geral da Presidência da República e Secretaria Nacional de Juventude. – Brasília : Presidência da República, 2015, p. 26-27.

[2] Para quem deseja iniciar os estudos sobre o método APAC recomendo a leitura inicial de algumas obras de OTTOBONI: “Vamos matar o criminoso”, “Ninguém é irrecuperável”, “Cristo chorou no cárcere”, “A comunidade e a execução de pena”, dentre outras obras.

_Colunistas-Diorgeres

Diorgeres de Assis Victorio

Agente Penitenciário. Aluno do Curso Intensivo válido para o Doutorado em Direito Penal da Universidade de Buenos Aires. Penitenciarista. Pesquisador

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