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O sequestro de Natascha Kampusch: 8 anos em cativeiro

O sequestro de Natascha Kampusch: 8 anos em cativeiro

Em 02 de março de 1998, a cidade de Viena, na Áustria, foi cenário de um dos crimes mais emblemáticos da história: o sequestro de Natascha Kampusch.

1) O CASO

Natascha tinha 10 anos de idade e, pela primeira vez, conquistara dos pais o direito de ir sozinha para escola. No caminho foi surpreendida por um homem que, em rápidos movimentos, a puxou e a lançou para dentro de uma van.

O sequestrador dirigiu por alguns minutos até chegarem a uma confortável casa em Strasshoff, no nordeste de Viena. O porão da casa era o local onde a jovem Natascha seria mantida em cativeiro pelos próximos 8 anos.

O cômodo escuro, com cerca de 5 m², cheirava mal, tinha um vaso sanitário, uma beliche e uma pia para sua higiene. Não havia luz natural e o ar era trazido por meio de um tubo de ventilação fixado no teto, provocando um ruído constante e enlouquecedor.

No início, o sequestrador tentava convencer a garota de que seus pais não queriam pagar o resgate estipulado por ele e que por isso ela passaria a ser sua propriedade.

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Cartaz colado nas ruas de Viena para encontrar Natascha Kampusch

Durante oito anos, a garota sofreu diversas agressões físicas e psicológicas. Ouviu do sequestrador frases rudes como “ninguém te ama” e chegou a apanhar mais de 200 vezes em uma única semana. Por diversas noites era obrigada a dormir com as mãos amarradas a ele e sofria abusos sexuais.

Com o decorrer do tempo, adquiriu a confiança do sequestrador e passou a sair esporadicamente de seu cativeiro para realizar serviços domésticos e reformas na casa. Estava sempre nua ou seminua para não tentar escapar.

Durante os anos de cárcere, a jovem saiu da casa algumas vezes junto com o sequestrador para ir até a cidade ou até mesmo para esquiar nas redondezas. A todo momento recebia ameaças de que fugir seria morta imediatamente caso tentasse fugir.

Em 23 de agosto de 2006, quando Natascha Kampusch estava no jardim, limpando o carro do sequestrador, finalmente conseguiu fugir. Ao ver seu algoz distraído ao telefone e o portão destrancado, saiu rapidamente e correu pelas ruas da vizinhança até entrar na casa de uma senhora e pedir ajuda.

Cerca de oito horas após a fuga de Natascha, seu sequestrador, Wolfgang Přiklopil, se matou. Atirou-se na frente de um trem ao norte da cidade de Viena.

2) A INFÂNCIA PRÉ-SEQUESTRO

Natascha Kampusch nasceu em uma família humilde. Seu pai, Ludwig Koch, era padeiro e sua mãe, Brigitta Sirny, costureira. A jovem morava com sua mãe no subúrbio de Viena, sendo a caçula de três irmãs.

Natascha não foi a criança mais esperada pelos pais, na verdade o seu nascimento ocorreu quando sua mãe já tinha 38 anos e ansiava por liberdade após já ter criado duas filhas, a mais velha com 20 anos quando Natascha nasceu.

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Natascha Kampusch aos 10 anos de idade

A infância da menina austríaca foi marcada por brigas entre os pais, que mesmo depois de separados não mantinham um relacionamento amistoso. A guarda da menina era alternada entre os dois, o que, deveras, era motivo para mais intrigas.

No primeiro livro lançado por Natascha, ela relata de forma explícita a dificuldade no relacionamento com a figura materna. As brigas eram rotineiras. Às vésperas do crime, Natascha havia discutido com sua mãe, e, na manhã do sequestro, saiu de casa sem se despedir.

3) O SEQUESTRADOR

Wolfgang Přiklopil era um austríaco comum, tinha um perfil longe de qualquer suspeita. Filho único de Karl e Waltraud Přiklopil. Era técnico em comunicações por formação e trabalhou durante muito tempo na Siemens. Ao tempo do sequestro trabalhava como autônomo fazendo reformas em casas e apartamentos.

Morava sozinho em Strasshof an der Nordbahn, cerca de meia hora da casa de sua vítima. A residência foi construída por seu avô após a II Guerra Mundial e continha um abrigo contra bombas, que mais tarde fora reformado e adaptado para servir de cativeiro a jovem Natascha Kampusch.

O sequestrador: Wolfgang Přiklopil
O sequestrador: Wolfgang Přiklopil

Durante o sequestro, Wolfgang recebia frequentemente sua mãe e sua vó em casa, mas estas, após o trágico desfecho do caso, afirmaram que de nada desconfiaram.

O sangue frio de Wolfgang enganou até mesmo a polícia, que foi até a casa do sequestrador a fim de verificar se sua van era a mesma vista no dia do sequestro por uma testemunha. Perguntado sobre o que estava fazendo no horário do crime, afirmou estar sozinho em casa, o que, de fato, convenceu os policiais naquele momento.

Segundo os relatos de Natascha, o humor de Wolfgang oscilava entre carinhoso e agressivo. Durante o cárcere o sequestrador lhe dava presentes em datas especiais (no Natal e aniversário) e também a agredia brutalmente por diversas vezes.

Há rumores de que Wolfgang era envolvido com uma rede de pedofilia. Nada confirmado. Os motivos que o levaram a cometer tal atrocidade nunca serão confirmados, pois, aos 44 anos de idade, preferiu o suicídio a ser caçado pela polícia.

4) O PÓS-CRIME

Após conseguir fugir do cativeiro Natascha se deparou com uma realidade muito diversa da qual estava acostumada. Além da dificuldade em se readaptar a vida em sociedade, precisou lidar com os frequentes assédios da mídia.

De fato, a história da menina sequestrada aos 10 anos de idade e mantida em cárcere até os 18 anos causava comoção e ao mesmo tempo aguçava a curiosidade de todos.

Saber que uma garota perdeu os melhores anos de sua vida trancada em um porão despertava compaixão da sociedade, que, em um primeiro momento, a enxergou como uma vítima inocente e frágil.

Contudo, a postura da jovem foi surpreendente. Não quis ser a vítima. Desde a primeira entrevista (transmitida por 120 canais de televisão, gerando lucros astronômicos a Natascha) a jovem manteve-se calma e explicou que considerava Wolfgang como alguém perturbado mentalmente e sentiu pela sua morte trágica.

Os livros que ganhara de Wolfgang durante o cárcere e as horas que passava assistindo televisão e escutando rádio, contribuíram para que Natascha, ainda que reclusa em um porão, fosse fiel expectadora de tudo que acontecia a sua volta.

Articulada e bem desenvolta frente às câmeras, não demorou muito tempo para ter seu próprio programa de entrevistas na televisão austríaca.

Natascha começou a aparecer com frequência em programas de televisão
Natascha começou a aparecer com frequência em programas de televisão

Concluiu os estudos e quatro anos após sua liberdade publicou seu primeiro livro 3069 dias de cativeiro que após três anos virou filme. Seu segundo livro Dez anos de liberdade foi lançado no ano passado e retrata como tem sido a sua vida após a fuga do cativeiro.

Além dos lucros advindos da mídia e de seus livros, a jovem pleiteou na justiça uma indenização milionária do Estado, alegando que a investigação foi omissa em diversos pontos. Com isso, recebeu dois terços da casa de Wolfgang (mais tarde comprou da mãe de Wolfgang o restante) e o seu carro.

Bastou que lucrasse sobre a sua própria história para que a sociedade a visse com outros olhos. A menina que ficou trancada em um porão durante anos não se mostrou ingênua, mas sim capaz de fazer seu calvário se transformar em dinheiro.

Tal atitude gerou, de certo modo, um preconceito da sociedade para com Natascha. Para muitos, auferir lucro com sua história instiga a ideia de que obteve muito mais vantagens do que prejuízos com o cárcere. E isso não é moralmente correto. Não é essa postura que uma vítima deve ter.

Para Natascha o julgamento da sociedade a afetou emocionalmente, mas não a fez desistir de ajudar as pessoas com os lucros obtidos com sua história. Em uma das entrevistas a jovem afirma:

por ter uma atenção [do público], eu tenho uma responsabilidade e gostaria também de usá-la para o meu próprio benefício e para o de outras pessoas.

Uma coisa é certa, os lucros vindos de seu calvário se transformaram em caridade: construiu e equipou um hospital infantil no Sri Lanka, Natascha Kampusch’s Children’s Ward.

Atualmente, a jovem de 29 anos continua ajudando os mais necessitados, mas vive reclusa em seu apartamento no centro de Viena, fugindo de holofotes e se mantendo longe o quanto possível do assédio da mídia.

5) AS CONTRADIÇÕES DO CASO

As especulações sobre o caso eram, e ainda são, as mais diversas possíveis. Vão desde a participação ativa da vítima, forjando o próprio sequestro para fugir de sua família conturbada, até a participação da mãe de Natascha no sequestro.

O que de fato contribui para o fomento desses rumores é a contradição na fala de Natascha. No livro, ela narra que era a primeira vez que ia para escola sozinha. Em entrevistas a diversos canais de comunicação diz que já tinha ido sozinha outras vezes.

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Casa de Wolfgang Přiklopil, que serviu de cativeiro para Natascha Kampusch

A história do sequestro também é nebulosa quanto ao momento da captura da jovem. Uma testemunha, com 12 anos á época dos fatos, relatou que viu dois homens colocando a menina dentro da van. Enquanto isso, Natascha alega veementemente que somente Wolfgang estava presente no momento do rapto.

Ernst Holzapfelt, amigo e parceiro de negócios do sequestrador, afirmou em depoimento que Natasha e Wolfgang visitaram sua casa cerca de um mês antes da fuga da garota. Segundo ele:

ele a apresentou como uma amiga, embora não tivesse dito seu nome. Ela me cumprimentou com naturalidade, parecia contente.

Ademais, especialistas afirmam que Natascha é um caso claro de Síndrome de Estocolmo, o que justificaria sua omissão quanto a muitos fatos ocorridos no cárcere.

Esta síndrome pode afetar vítimas de sequestros, que passam a nutrir certa admiração por seu algoz. No caso de Natascha, em diversas entrevistas a jovem repreendeu o uso do termo “monstro sexual” ao se referir a Wolfgang.

Diante de tantos contrastes entre os depoimentos de testemunhas e as falas de Natascha, a polícia austríaca criou, em fevereiro de 2008, uma comissão de inquérito para verificar possíveis erros ou omissões durante o inquérito policial do sequestro, inclusive para apurar o envolvimento de mais pessoas no caso.

O caso foi definitivamente encerrado em 2010. Para a polícia, Wolfgang não tinha comparsas. Agiu sozinho, movido apenas por distúrbios psicológicos. No entanto, passados 11 anos da fuga da menina do cativeiro, os boatos não cessaram e, volta e meia, atormentam o sossego tão pretendido por Natascha Kampusch.

Mariana Andrade

Pós-graduanda em Direito Processual. Pesquisadora. Advogada.

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