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Serendipidade e o mandado de busca e apreensão

Serendipidade e o mandado de busca e apreensão

Serendipidade traduz-se na ideia de descobertas afortunadas, achadas por acaso. Tem origem no vocábulo inglês Serendipity, criado pelo escritor britânico Horace Walpole no ano de 1754, a partir do conto inglês Os três príncipes de Serendip.

Esta estória conta as aventuras dos príncipes de Ceilão, que, devido sua trajetória e postura de sagacidade e observação, descobriam “acidentalmente” a solução para problemas impensados, qualificando-os por terem uma mente aberta para múltiplas possibilidades.

Partindo dessa introdução, passamos a analisar a diligência de busca e apreensão realizadas pelas policias. O Código de Processo Penal, em seu artigo 240 e ss, mais especificamente no que tange à busca domiciliar, alerta ao seguinte conteúdo:

Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.

§1º Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:

a) prender criminosos;

b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;

d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;

e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

g) apreender pessoas vítimas de crimes;

h) colher qualquer elemento de convicção.

Já o artigo 243 e ss, prevê o seguinte:

Art. 243. O mandado de busca deverá:

I – indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada

a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso

de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a

identifiquem;

II – mencionar o motivo e os fins da diligência.

Então, a lei processual cita os casos do uso da medida judicial  e afirma que deverá ser indicado, o mais precisamente possível, o endereço, o motivo e o fim almejado da diligencia policial.

Acontece que, nos casos de Interceptação Telefônica podem, durante a diligência, aparecer indícios e objetos que sugerem a prática de crimes ou contravenções diversas das que justificam o pedido inicial perante a autoridade judicial.

Nesse contexto podem-se apresentar situações de caráter subjetivo ou objetivo durante a diligência, ou seja, co-autores e participes ou novos crimes ou contravenções.

Para solucionar o problema devemos atuar conforme o que já é pacificado quanto ao procedimento utilizado nas Interceptações Telefônicas, valendo-se dos institutos da Serendipidade de primeiro e segundo graus.

Tem-se por serendipidade de primeiro grau as situações em que o executor do Mandado de Busca e Apreensão, no decorrer da diligência, encontra um indício que leve a descoberta fortuita de novos autores (Serendipidade de 1º grau Subjetiva) ou novos fatos criminosos (Serendipidade de 1º grau Objetiva), mas que tenham ligação, conexão, com o crime objeto inicial do Mandado de Busca.

Um exemplo são os casos de buscas objetivando apuração de crime de Trafico de Drogas e, no decorrer da diligência, apreende-se arma utilizada em crime de homicídio motivado pela “guerra do trafico”.

Já a Serendipidade de 2ª grau refere-se a situações em que há a descoberta de um fato criminoso alheio ao objeto inicial da diligência, ou seja, não há conexão entre as situações criminosas. Um exemplo seria o caso da descoberta de imagens de pornografia infantil no computador em uma diligência que buscava a apuração de um crime de homicídio.

Conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial, a regra a ser tomada seria a mesma utilizada para as Interceptações Telefônicas. Nos casos de Serendipidade de primeiro grau, de longa data, não há maiores controvérsias quanto à admissibilidade das provas obtidas que tenham conexão com o fato criminoso objeto do Mandado de Busca e Apreensão.

A polêmica incide quanto a Serendipidade de segundo grau, ou seja, o achado de fatos criminosos que não tenham conexão com o objeto do Mandado de Busca e Apreensão. Nesses casos tem se aceitado os indícios apreendidos como elementos que possam subsidiar uma futura notitia criminis, sendo essa a posição doutrinaria do professor Luiz Flavio Gomes.

Por fim, é importante destacar que a jurisprudência tem evoluído e, em alguns casos, passando a aceitar a Serendipidade de 2º grau da prova colhida no curso da Medida Cautelar. Um caso emblemático foi o julgado da Ação Penal 690 TO 2007/0170824-2 do STJ, em que a investigação inicial apurava-se crime de Moeda Falsa.

Porém, foi descoberto, achado, fato criminoso relacionado à venda de sentenças por parte de Desembargadores do Tribunal de Justiça do Tocantins:

PENAL E PROCESSO PENAL. FATOS TÍPICOS ENVOLVENDO DESEMBARGADORES DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 21 DENÚNCIAS EM UMA ÚNICA PEÇA. DENÚNCIAS SÃS E INEPTAS MESCLADAS, RECEBIDAS E REJEITADAS CONFORME APTIDÃO À PERSECUÇÃO PENAL. TRÊS NÚCLEOS ATIVOS DISTINTOS NA NEGOCIAÇÃO DE DECISÕES JUDICIAIS. OUTROS DELITOS ISOLADOS. CÚMULO OBJETIVO E SUBJETIVO. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA DE DESEMBARGADORES PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA NO CURSO DO INQUÉRITO. CONEXÃO PELA PARTICIPAÇÃO DE DESEMBARGADORES EM MAIS DE UM NÚCLEO. NECESSIDADE DE APRECIAÇÃO PROBATÓRIA UNIFORME E VÍNCULO TELEOLÓGICO DOS FATOS. CONCUSSÃO, CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA (“VENDA DE SENTENÇA”). CORRUPÇÃO PASSIVA NA MODALIDADE “RECEBER”. BILATERALIDADE. DESCRIÇÃO DOS FATOS RELATIVOS AO CORRUPTOR ATIVO, AINDA QUE NÃO DENUNCIADO. NÃO OCORRÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. PAGAMENTO FACILITADO DE PRECATÓRIO. CONCUSSÃO CONTRA OS BENEFICIÁRIOS CARACTERIZADA EM TESE. ACORDOS JUDICIAIS IRREGULARES COM O ESTADO. BENEFICIÁRIOS DESEMBARGADORES. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA APTA A SERVIR DE LASTRO PROBATÓRIO. PRINCÍPIO DA “SERENDIPIDADE”.

Eduardo Oliveira Moreira

Investigador de Polícia (MG). Especialista em Análise da Criminalidade.

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