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O caso O. J. Simpson à luz dos standards probatórios do direito norte-americano

O caso O. J. Simpson à luz dos standards probatórios do direito norte-americano

Na coluna de hoje pretendemos tratar do caso O. J. Simpson sob a perspectiva dos standards probatórios do direito norte- americano. Como se sabe, o caso em questão, além de ser notoriamente conhecido, é considerado por muitos, em virtude da imensa repercussão que teve, como o “julgamento do século”.

O. J. Simpson foi levado a julgamento, após ter sido formalmente acusado de ter assassinado, de forma brutal, a sua ex mulher (Nicole Brown) e o amigo dela (Ronald Goldman), na noite de 12 de junho de 1994.

O caso do ex-jogador de futebol americano foi amplamente explorado pela mídia e teve muitas discussões em matéria de prova. Contudo, conforme já dito, não pretendemos adentrar nos pormenores do caso, mas tão somente analisá-lo sob a ótica dos standards probatórios.

Inicialmente, sabe-se que o direito norte-americano (anglo-saxônico) adota diferentes standards probatórios de acordo com a natureza da matéria que está sendo tratada. Expliquemos. Se o processo for de natureza cível, o standard ou medida da prova que se exige é diferente do standard ou medida da prova que se requer quando o processo é de natureza penal.

O standard de prova pode ser definido como o grau de convicção mínimo exigido para considerar provado um determinado evento, i.e. o nível a partir do qual se entenderá suficientemente demonstrada a ocorrência de uma qualquer circunstância. Trata-se de uma figura que pretende auxiliar o julgador no processo de valoração da prova, indicando o patamar mínimo de convencimento que deverá ser atingido (grifo nosso). (MELIM, 2013, p. 145-146)

Assim sendo, pode-se notar que os standards probatórios nada mais são do que diferentes graus de convicção exigidos para que um fato seja considerado como provado em juízo.

São três os principais standards probatórios no direito norte-americano, quais sejam, preponderance of evidence (51%), clear and convincing evidence (75%) e beyond a reasonable doubt (95%).

Os dois primeiros standards, em virtude do baixo grau de convicção exigidos, são usualmente utilizados no processo civil, já o último, por exigir uma “quase” certeza, é o que se aplica em sede de processo penal.

No processo penal, portanto, prevalece a regra probatória do para além de qualquer dúvida razoável (beyond a reasonable doubt). Assim, a condenação de qualquer indivíduo só é legítima quando não resta qualquer dúvida razoável acerca da ocorrência do fato criminoso. Se for verificada uma dúvida razoável acerca do cometimento do crime, a condenação não poderá ser prolatada, uma vez que o grau de convicção mínimo não foi atingido.

Sendo assim, é correto afirmar que o grau de certeza ou de convicção (como queiram chamar) exigido no processo penal é mais elevado em relação àquele que se exige no processo civil, já que naquele o erro judiciário traz consequências mais gravosas para o condenado.

Partindo-se dessa premissa, no processo civil, o fato é considerado como  provado quando houver uma prova preponderante em relação as demais (no caso do preponderance of evidence), ou quando existir uma prova clara e convincente (no caso do clear and convincing evidence).

O julgador, portanto, não precisa estar totalmente convencido da ocorrência do fato; precisa apenas verificar qual das hipóteses aventadas é a preponderante ou qual das hipóteses levantadas é a mais clara e convincente.

Segundo MELIM (2016), no standard da beyond a reasonable doubt, o grau mínimo de convicção para a condenação é verificado por meio de critérios negativos. Assim, havendo uma dúvida razoável – não se alcançando uma quase certeza –, a condenação não pode subsistir.

No caso de O. J. Simpson, apesar de ter existido um robusto arcabouço probatório em desfavor do mesmo (histórico de violência doméstica contra a ex-mulher, perícias, identificação por DNA do sangue das vítimas em seu carro e casa), o fato de a luva utilizada no cometimento do crime não ter cabido nas mãos dele foi o suficiente para gerar um empecilho para a condenação, qual seja, a existência de uma dúvida razoável acerca da autoria do delito.

O advogado de defesa de O. J. Simpson, logo após o teste da prova das luvas, proferiu a seguinte frase:

Se não cabe, vocês devem dispensá-lo.

Em termos processuais, a referida frase pode ser lida do seguinte modo:

Se não há prova para além da dúvida razoável, deve ser proferida a sentença absolutória.

Por não ter sido alcançado o grau mínimo exigido para a condenação (para além da dúvida razoável), não restou alternativa para o corpo de jurados a não ser a absolvição de O. J. Simpson.

Por mais que existissem fortes evidências em desfavor do ex-jogador de futebol americano, os jurados jamais poderiam proferir uma decisão condenatória, uma vez que não se alcançou o patamar mínimo do além da dúvida razoável (ou beyond a reasonable doubt).

Todavia, apesar de O. J. Simpson não ter sido responsabilizado criminalmente, na esfera cível o ex-jogador de futebol americano foi condenado a indenizar a família das vítimas. Nota-se, portanto, que a não condenação na esfera criminal não é empecilho para a condenação na esfera cível, pois, além de serem searas diferentes, o grau de exigência no que tange o convencimento do julgador são distintos. No cível, a exigência é menor.  

Por fim, apenas a título ilustrativo, nota-se que o sistema processual penal brasileiro, para fins de condenação, ainda trabalha com a ilusória ideia de certeza. O standard da beyond a reasonable doubt não é formalmente reconhecido. Não se exige um grau mínimo de convencimento.

Assim, a livre apreciação da prova e o seu alto grau de subjetivismo possibilita que o julgador venha a considerar o fato como provado através da simples preponderância das provas em desfavor do acusado. A situação no Tribunal do Júri no Brasil é ainda mais crítica, em virtude da prevalência do sistema da íntima convicção, bem como em razão da desnecessidade de fundamentação das decisões.

Conclui-se, desse modo que, a não exigência formal de um grau mínimo de convicção distancia o processo penal da ideia de certeza e e da ideia de busca da verdade como norte processual.


REFERÊNCIAS

MELIM, Mafalda. Standards de prova e grau de convicção do julgador. In: Revista de concorrência e regulação. Lisboa.  A 4, n° 16 (Out- Dez. 2013).

Daniel Lima

Mestrando em Direito Penal e Ciências Criminais. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Advogado.

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