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Sistema prisional brasileiro e direitos humanos

Infelizmente o Brasil, no ano de 2014, atingiu o terceiro lugar no ranking mundial dos países com maior número de pessoas encarceradas, somam-se 715.592 pessoas sob custódia, considerando-se que 567.655 estão presas no sistema prisional e 147.937 estão submetidas à prisão domiciliar.

Além disso, o Brasil também conta com 20.532 jovens que estão cumprindo medidas socioeducativas.

No entanto, a forma de contenção dessas pessoas é desumana. As condições do sistema prisional atentam contra a mínima dignidade da pessoa humana, pois a realidade que encontramos são pessoas amontoadas em pequenos espaços de confinamento, sem qualquer condição de higiene, alimentação, educação e trabalho adequadas.

Quanto à superlotação, dados recentes demonstram que o sistema prisional brasileiro apresenta um déficit de mais de 220 mil vagas, o que representa a total impossibilidade de cumprir os direitos dos presos de estar em uma cela individual arejada, que contém um dormitório, aparelho sanitário e lavatório com área mínima de 6 m².

O relatório da CPI do sistema prisional brasileiro apontou que nenhum presídio brasileiro cumpria as exigências legais inscritas na Lei de Execução Penal Brasileira (CPI, 2009), para não citar os relatórios da ONU, entre outros.

Ainda, um dado relevante a ser citado é o de que 40,1% dos presos aguardam julgamento, ou seja, são presos provisórios, aguardando uma sentença, sendo que este dado não está levando em consideração os presos nas delegacias de polícia, que, em sua maioria, estão presos também provisoriamente.

Verifica-se, portanto, que o Brasil tem aplicado a pena de prisão sempre como alternativa primária para a resolução de conflitos penais, verificando-se um aumento gradativo desproporcional em descompasso com o crescimento populacional.

Nos últimos 20 anos, o encarceramento cresceu 379%, enquanto que a população do país cresceu apenas 30%, ou seja, são 300,96 presos por 100 mil habitantes. Ainda, é importante destacar que o perfil da população carcerária é composto por homens, pretos ou pardos, jovens e com baixa escolaridade (CONECTAS, 2014).

Ou seja, esses dados buscam descrever a realidade do sistema prisional brasileiro, o qual, conforme se pode constatar, encontra-se em colapso.

Nesse contexto, vale destacar o importante papel dos Direitos Humanos hoje, que é de reverter ou amenizar a exclusão e o encarceramento seletivo, daqueles considerados invisíveis.

Segundo Oscar Villena VIEIRA (2008, p. 207), são as desigualdades sociais “que causam a invisibilidade daqueles submetidos à pobreza extrema, a demonização daqueles que desafiam o sistema e a imunidade dos privilegiados”, minando assim o próprio Estado de Direito e a observância das leis.

A ofensa à dignidade dos invisíveis é igualmente invisível, porque não gera reação política ou social. Muitos ainda acabam sendo vistos como perigosos quando tentam superar a sua condição de invisíveis, excluindo assim sua condição de cidadãos protegidos pela lei.

Além disso, a concepção de dignidade da pessoa humana parecer ser afastada dos rotulados como criminosos e bandidos, a hipótese é a de que a própria concepção de dignidade está vinculada às práticas do indivíduo e não à sua condição inerente de ser humano (BARCELLOS, p. 52).

Assim, os excluídos e encarcerados não são vistos como titulares de direitos, autorizando-se o uso repressivo e até mesmo letal das forças estatais, afastando-se a concepção de direitos humanos.

Os direitos humanos, em especial a dignidade da pessoa humana, seriam os direitos individuais e coletivos reconhecidos a esses indivíduos ou grupos de pessoas para que, em face da sua liberdade, satisfaçam suas necessidades compreendidas como as condições de existência que permitiriam a “produção material e cultural em uma formação econômico-social”.

Mesmo essa visão de garantia dos direitos humanos sendo um tanto mais palpável, ainda se configura como um dever ser, pois na contraditória realidade nem todos podem desfrutar desses direitos, existindo uma verdadeira violência estrutural que afeta sua satisfação (BARATTA, 2004, p. 334 – 338).

Nesse sentido, os direitos humanos exerceriam duas funções: uma função negativa, pois os direitos humanos atuariam como limitação ao poder do Estado de punir, limitando igualmente as condições da punição; e uma função positiva, que seria a de definição do objeto da tutela penal, ou seja, limitando a criação de leis e a sua aplicação, direcionada não somente àqueles chamados de invisíveis, ou inimigos.

Nesse sentido, é que os direitos humanos e a dignidade humana teriam a importante tarefa de serem limites ao poder de punir do Estado, servindo de baliza para o hiperencarceramento brasileiro.


REFERÊNCIAS

BARATTA, Alessandro. Derechos humanos: entre violencia estructural y violencia penal. Por la pacificación de los conflictos violentos. In: ELBERT, Carlos Alberto (Dir). BELLOQUI, Laura (Coord). Alessandro Baratta: Criminología y sistema penal: compilación in memoriam. Buenos Aires: B de F, 2004.

BARCELLOS, Ana Paula de. Violência urbana, condições das prisões e dignidade humana. Disponível aqui.

BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009. Disponível aqui.

CONECTAS. Mapa das prisões: Novos dados do Ministério da Justiça retratam sistema falido. Disponível aqui.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Novo diagnóstico de pessoas presas no Brasil. Disponível aqui.

DEPEN. Disponível aqui.

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2014. Ano 8, 2014. Disponível aqui.

VIEIRA, Oscar Vilhena. A desigualdade e a subversão do Estado de Direito. p. 191 – 216. In: Sarmento, Daniel. Ikawa, Daniela. Piovesan, Flávia (orgs). Igualdade, Diferença e Direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

Mariel Muraro

Advogada (PR) e Professora

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