Sistemas de valoração da prova: qual é o adotado no Brasil?

Sistemas de valoração da prova: qual é o adotado no Brasil?

Neste artigo iremos expor os sistemas principais sistemas de valoração de provas, analisando-os de maneira separada, sem, contudo fazer uma análise histórica. Iremos apenas tecer comentários acerca de cada sistema, mencionando quais foram os adotados pelo nosso código de processo penal e em quais situações.

O sistema de provas é o critério utilizado pelo juiz para valorar as provas dos autos, alcançando a verdade histórica do processo. Três foram os principais sistemas adotados. (RANGEL, 2015, p. 515)

São três os principais sistemas probatórios catalogados até então, quais sejam, sistema legal de provas (prova tarifada), sistema da intima convicção e sistema do livre convencimento motivado (persuasão racional).

O sistema legal de provas ou sistema da prova tarifada, como o próprio nome já sugere, é um sistema hierarquizado, no qual o valor de cada prova é predefinido, não existindo, portanto uma valoração individualizada, de acordo com cada caso concreto. Ou seja, cada prova já possui seu valor definido em lei de forma prévia. Nesse sistema o juiz não possui liberdade para valorar as provas de acordo com as especificidades do caso concreto.

A confissão era considerada uma prova absoluta, uma só testemunha não tinha valor etc. Saltam aos olhos os graves inconvenientes de tal sistema, na medida em que não permitia uma valoração da prova por parte do juiz, que se via limitado a aferir segundo os critérios previamente definidos na lei, sem espaço para sua sensibilidade ou eleições de significados a partir da especificidade do caso. (LOPES JR, 2016, p. 205- 206)

Nota-se que no sistema da prova tarifada, a confissão era prova absoluta; irrefutável, podendo, por si só, fundamentar uma eventual condenação. Ou seja, era a rainha das provas, pois mesmo que em desconformidade com as demais provas, a confissão já era o bastante para condenar o acusado..

Lopes jr (2016) critica o sistema da prova tarifada dizendo que a hierarquização e o valor predefinido de cada prova limita a atuação do juiz, no sentido de que o mesmo fica impedido de eleger significados de acordo com as especificidades de cada caso concreto.

Diz ainda que ainda há resquícios dos sistema da prova tarifada, no atual código de processo penal, um exemplo disso é o artigo 158 do referido diploma legal, que impede que a confissão do acusado, nos crimes que deixam vestígios, supra a falta de exame de corpo de delito.

Outro resquício do sistema da prova legal é a previsão do art. 232, parágrafo único, do CPP, pois condiciona a validade da fotografia do documento a sua autenticação. Ou seja, é o legislador dizendo o quanto vale a fotografia do documento, ou melhor, quando e como ela será válida.

Há ainda o art. 237 do mesmo diploma legal, demonstrando outro resquício da prova tarifada, pois a pública forma (cópia de documento avulso extraída por oficial público) só terá valor quando conferida com o original perante a autoridade. (RANGEL, 2015, p. 519).

Nota-se que, apesar de não existir, atualmente, nenhum dispositivo legal no código de processo penal, adotando expressamente o sistema legal de provas, ainda existem resquícios do mencionado sistema, pois existem várias situações em que o julgador está limitado de forma prévia, na valoração das provas.

Nota-se ainda que intrinsecamente o magistrado ainda hierarquiza as provas, pois as confissões ainda continuam sendo consideradas provas absolutas, e em muitas ocasiões, terminam por fundamentar uma sentença condenatória mesmo que de forma isolada, e em desacordo com o arcabouço probatório produzido.  

O juiz, nas provas legais, era um matemático, pois apenas verificava qual o peso deste ou daquele meio de prova, ou como a Lei mandava provar este ou aquele fato. Seguia, friamente, o que a Lei nº mandava para aferir os fatos, objetos de prova. (RANGEL, 2015, p. 519)

O sistema da íntima convicção, por sua vez, é o oposto do que chamamos de prova tarifada, pois naquele sistema o juiz decide de forma livre, não necessitando fundamentar sua decisão e nem está adstrito a um critério predefinido de provas. Ou seja, o juiz decide com total liberdade.

Nesse sistema, o legislador impõe ao magistrado toda a responsabilidade pela avaliação das provas, dando a ele liberdade para decidir de acordo, única e exclusivamente, com a sua consciência. O magistrado não está obrigado a fundamentar sua decisão, pois pode valer-se da experiência pessoal que tem, bem como das provas que estão ou não nos autos do processo. O juiz decide de acordo com sua convicção íntima. (RANGEL, 2015, p. 516)

O sistema da íntima convicção foi adotado pelo nosso código de processo penal, sendo aplicável tão comente aos casos submetidos ao Tribunal do Júri.

Assim, no Tribunal do Júri, os jurados julgam com plena liberdade, de acordo com a sua íntima convicção, não precisando portanto, fundamentar a decisão em nenhum dispositivo de lei, o que, na prática, pode dar ensejo a injustiças e arbitrariedades, tendo em vista que os jurados são cidadãos comuns, que não possuem formação jurídica.

Rangel (2015) argumenta que não há compatibilidade entre o sistema da íntima convicção, que foi o sistema adotado pelo Tribunal Popular, com o princípio da motivação das decisões judiciais, insculpido no artigo 93, XI, da carta magna de 1988, pois toda a decisão judicial, conforme preceitua este dispositivo constitucional, deve ser fundamentada, pois é direito do réu saber por quais motivos foi absolvido ou condenado.

E o júri por ser um órgão integrante do poder judiciário, deveria fundamentar as suas decisões, pois só assim estará em conformidade com a constituição e se evitará arbitrariedades.

A “íntima convicção”, despida de qualquer fundamentação, permite a imensa monstruosidade jurídica de ser julgado a partir de qualquer elemento, pois a supremacia do poder dos jurados chega ao extremo de permitir que eles decidam completamente fora da prova dos autos e até mesmo decidam contra a prova.

Isso significa um retrocesso ao direito penal do autor, ao julgamento pela “cara”, cor, opção sexual, religião, posição socioeconômica, aparência física, postura do réu durante o julgamento ou mesmo antes do julgamento, enfim, é imensurável o campo sobre o qual pode recair o juízo de (des)valor que o jurado faz em relação ao réu.

E, tudo isso, sem qualquer fundamentação. A amplitude do mundo extra-autos de que os jurados podem lançar mão sepulta qualquer possibilidade de controle e legitimação desse imenso poder de julgar. (LOPES JR, 2016, p. 206).

Nota-se que há uma paradoxo, na medida em que, a constituição dispõe que toda decisão do poder judiciário deve ser fundamentada e ao mesmo tempo afirma que as decisões no júri prescindem de fundamentação.

Ademais, o fato da decisão dos jurados não carecer de fundamentação, sendo proferida, portanto, de acordo com a intima convicção do júri, faz com que a possibilidade de reforma da decisão atacada seja quase nula, pois como não houve a exposição dos motivos que levaram os jurados a decidir de determinada maneira, não há como atacar a decisão proferida, pois não se sabe quais foram as razões fizeram com que os jurados decidissem da maneira que se objetiva reformar.

Por fim, temos o sistema do livre convencimento motivado ou persuasão racional, que é a regra, pois é aplicável a todos os ritos processuais, com exceção do júri.

O livre convencimento motivado ou persuasão racional, previsto no caput do artigo 155 do código de processo penal, é um sistema equilibrado, já que as provas não são valoradas previamente (como ocorre no sistema da prova legal de provas), e o julgador não decide com ampla e excessiva discricionariedade (como ocorre no júri).

Com efeito, no livre convencimento motivado, como o próprio nome já sugere, o julgador está livre para valorar as provas de acordo com o seu livre convencimento. Não existe uma super prova; não há aquela prova que se sobreponha em relação as demais, tendo em vista que as provas serão valoradas de acordo com cada caso concreto.

Rangel (2015), faz uma ressalva ao dizer que apesar do sistema da persuasão racional não estabelecer valor entre as provas, ou seja, apesar  de não haver hierarquia entre as provas, o juiz deve fundamentar as suas decisões com base nas provas produzidas sobre o crivo do contraditório e do devido processo legal, não se aceitando a condenação de um indivíduo com base, única e exclusivamente, em elementos colhidos na fase de investigação, pois nessa fase (pré-processual) o contraditório é mitigado.

Em outras palavras, o juiz deve fundamentar a sua decisão de acordo com as provas colhidas durante o processo, não podendo, portanto, decidir com base, única e exclusivamente, nos elementos colhidos na fase investigatória, visto que tais elementos não possuem natureza probatória, já que não foram colhidos sob o crivo do contraditório e do devido processo legal.

Lopes Jr (2016), por sua vez, adverte que o livre convencimento motivado, na verdade não é um sistema tão livre como se pensa, pois a liberdade não é plena, uma vez que a decisão judicial deve está consubstanciada na prova produzida, vedando-se o decisionismo, ou seja, não admite-se em um processo penal democrático, como é o nosso, que o juiz julgue “conforme a sua consciência”, dizendo “qualquer coisa sobre qualquer coisa” (STRECK).

Em outros dizeres, o juiz deve decidir de acordo com o arcabouço probatório que foi produzido durante o processo, é vedado, portanto, o decisionismo, ou seja, que o juiz julgue de acordo com a sua consciência e de acordo com a sua lei particular.

Conclui-se que, expressamente, o Brasil adota o sistema do livre convencimento motivado (155 do CPP), bem como o sistema da íntima convicção (apenas para o júri). Contudo é inegável o fato de que o sistema da prova tarifada ainda possui resquícios no processo penal, tendo em vista os fortes ranços inquisitórios que ainda assolam alguns dos dispositivos do nosso código e a mentalidade de alguns dos nossos julgadores.  


REFERÊNCIAS

LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 13 ed. São Paulo. Saraiva. 2016. 

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 19 ed. São Paulo. Atlas. 2015. 

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 23 ed. São Paulo. Atlas. 2015.