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Sorria, você está sendo filmado: bem-vindo à sociedade do controle

Por Felipe Faoro Bertoni

Sorria, você está sendo filmado.

Quantas vezes já fomos surpreendidos com essa informação?

Estamos sendo cada vez mais observados, vigiados, analisados. Parece, enfim, que se concretiza a profecia de Orwell, atribuindo aos cidadãos a necessidade de se adaptar a uma nova dinâmica social, que, agora, deve levar em conta a constante vigília existente.

Os riscos dessa exposição em demasia são potencializados pelo rompimento das fronteiras de comunicação e compartilhamento de dados. Não são poucos os casos em que as pessoas – anônimas ou não (Carolina Dieckmann, Colin Farrell, Paris Hilton, Viviane Araújo, para citar alguns exemplos) – tiveram sua imagem exposta, ocasionando situações, no mínimo, desconfortáveis.

Por outro lado, esse contexto possui o condão de tornar a população mais informada, diante da maior amplitude de divulgação dos fatos e fenômenos sociais. Algo acontecido hoje, no Japão, amanhã estampará a capa de um jornal brasileiro. A informação voa.

Todavia, a despeito da extensa divulgação, a imagem retratada é, em regra, superficial, não ultrapassa a epiderme, impossibilitando o conhecimento aprofundado das situações ou das pessoas expostas.

O cenário jurídico não escapa desse fenômeno. Cada vez mais os fatos jurídicos são objetos de evidência midiática e expostos – ainda que de forma parcial e sem contextualização – à sociedade. Invariavelmente, de posse da informação veiculada, a população exerce seu julgamento. No mais das vezes, um julgamento arbitrário, pois, como já dito, exercido apenas sobre fragmentos de informação, evidentemente incapazes de transmitir o todo, ou pelo menos, o suficiente para uma análise adequada.

Esse mecanismo influi para a eleição de pautas pontuais e assistemáticas com a eleição de bodes expiatórios[1]. De uma hora para outra revelam-se monstros cuja perseguição é necessária, promovendo-se verdadeira caça às bruxas. E é perfeitamente compreensível que a população encampe essa ideia. Afinal, diante de uma doença, é natural que se busque o antídoto.

Todavia, o que não se pode tolerar é que esses fatores endógenos ingressem no âmbito jurídico-processual, o qual opera em uma lógica flagrantemente distinta. Nesse campo é terminantemente proibido realizar qualquer “perseguição de monstros” ou “caça às bruxas”. Aqui, todos são cidadãos e, por força da Constituição Federal, inocentes, até que se prove o contrário, por uma sentença condenatória transitada em julgado. Daí o desacerto em legitimar uma política criminal de cunho bélico (guerra ao tráfico, guerra ao terror). Os efeitos são catastróficos e a lógica contamina. Por mais tentadora que possa parecer a ideia, Operadores do Direito não são soldados em favor de um ideal. São, na verdade, Operadores do Direito…nada mais do que isso.

Lembro, ainda, que, nesse âmbito, a pressa é inimiga da perfeição. Garantias, Direitos, formas e procedimentos devem ser observados e respeitados, sob pena de, tal como Sísifo, vermos eternamente a pedra rolar montanha abaixo (vide Satiagraha, Castelo de Areia, Banestado, ilustrativamente). No afã de se realizar justiça – seja lá o que isso signifique – pode-se culminar por realizar o revés, injustiça.

Por derradeiro, acabamos esquecendo, pois assim somos sugestionados, que, eventualmente, algumas coisas acontecem. Simplesmente acontecem. Sem motivo, sem justificativa, sem explicação e sem culpados. Assim é a vida, por mais amarga que possa se fazer sentir. A busca incansável por culpados as vezes é estéril e desarrazoada.

Costuma-se falar em expansão do Direito Penal, olvidando-se, muitas vezes, de que há, a rigor, uma expansão do Direito. Mais, é possível dizer que há uma judicializaçao da vida. O ser humano perdeu, em grande medida, a privacidade e o livre arbítrio, tendo suas condutas moldadas com base no meio em que está inserto, bem como tendo em conta o premente estado de vigilância ao qual está submetido.

Hoje, mais do que nunca, assim como Pompéia, “mulher de César”, não basta sermos honestos, temos que parecer honestos.

Assim sendo, vamos, pois, sorrir. Afinal, devemos estar sendo filmados.

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[1] Sobre o mecanismo expiatório e a obra de René Girard, recomendo, como introito, a pesquisa e leitura dos artigos de Wilson Franck e Milton Gustavo Vasconcellos, destacados pesquisadores da área.

_Colunistas-FelipeFaoro

Felipe Faoro Bertoni

Advogado (RS) e Professor

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