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STF legisla ao criminalizar a homofobia

STF legisla ao criminalizar a homofobia

A questão não é ser a favor ou contra a criminalização da homofobia; a gravidade reside na forma ilegal, ilegítima e inconstitucional que o STF está adotando para tornar a homofobia crime.

No sistema jurídico brasileiro, a competência para criar leis e, consequentemente, tipos penais é do Congresso Nacional, por meio da câmara dos deputados e senado federal. A Constituição Federal prevê como cláusula pétrea o princípio da legalidade e da reserva legal, com previsão no art. 5º, inciso XXXIX:

Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

STF legisla ao criminalizar a homofobia

Ou seja, somente a lei que pode estabelecer uma determinada conduta como criminosa e a criação de tipos penais é atribuição exclusiva do Poder Legislativo, jamais e sob qualquer hipótese do Supremo Tribunal Federal.

Nesse ponto, ao menos três ministros proferiram votos coerentes e dentro de sua atribuição institucional, desprovidos de qualquer apelo social ou político que merece ser destacado. O ministro Marco Aurélio foi incisivo ao começar o voto e acompanhou a divergência aberta pelo ministro Ricardo Lewandowski:

Não é no Supremo. A atuação do Judiciário é vinculada ao direito aprovado pelo Congresso Nacional. – ministro Marco Aurélio

Segundo o ministro, não há crime sem lei.

E quando a Constituição se refere a lei, é lei no sentido formal, emanada do Congresso Nacional. – ministro Marco Aurélio

Dias Toffoli acompanhou o voto de Lewandowski, reconhecendo a omissão legislativa, mas não enquadrando como crime.

O entendimento majoritário do STF é uma verdadeira violação à Constituição Federal. Aliás, a função do STF é de ser guardião constitucional, o que já vem deixando o seu mister constitucional há muito tempo. A Constituição é muito clara ao definir a sua atribuição:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição.

Não precisa ser um renomado jurista para saber que o ordenamento jurídico veda a analogia in mallam partem no Direito Penal, ou seja, sob qualquer hipótese a analogia pode ser aplicada para prejudicar o réu. Isso se aprende no 1º ou 2º período de Direito, ainda nas primeiras aulas da disciplina de Direito Penal, assim como está em todo e qualquer livro ou compêndio especializado no assunto.

O STF não está somente violando o princípio da legalidade; está também mais uma vez afrontando a independência dos poderes, já que o Poder Judiciário, Executivo e Legislativo são independentes e harmônicos entre si, isto é, cada um agirá dentro de suas atribuições legais.

Quando o Judiciário usurpa a competência que é de outro poder, acaba por desestabilizar o sistema democrático. E uma das características da democracia é ausência de um super poder. Nenhum poder pode tudo! Nenhum poder é mais forte que o outro.

A Lei do Racismo prevê crimes que são resultantes de preconceito por motivo raça, cor, etnia ou religião. Mesmo com todo esforço mental, utilizando todos os mecanismos de interpretação e integração normativa, não é possível se concluir que a Lei do Racismo se aplica aos casos de homofobia.

Mesmo porque, se for buscar uma interpretação histórica (do tempo em que a lei foi criada), nem se falava em discriminação por orientação sexual. Nem mesmo se formos buscar os critérios de interpretação literal, histórico ou teleológico; eles não são capazes de se chegar a essa conclusão e interpretação do STF.

Todo tipo de preconceito e discriminação tem que ser veementemente rechaçado. Não é possível ter que tolerar esse tipo de situação em pleno século XXI, mas não é dessa forma que o Brasil se colocará nos eixos. Não é o Poder Judiciário assumindo o papel de “super herói” que irá conseguir colocar o país nos trilhos.

O Congresso Nacional representa a vontade do povo. Os parlamentares são eleitos para representar o interesse da sociedade. E somente eles que detém a legitimidade legal e constitucional para criar tal tipo legal.

Sou até favorável que a homofobia seja crime e lamento profundamente a falta de interesse dos nossos parlamentares em suprir essa grande lacuna legislativa, mas não é o STF que pode tornar essa conduta criminosa, somente o Congresso Nacional através de lei.


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Marcelo Rogério Medeiros Soares

Advogado. Consultor jurídico. Professor de Direito Penal e Processo Penal.

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