STJ: a custódia cautelar exige indícios suficientes de autoria e não a sua prova cabal
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que para a decretação da custódia cautelar exigem-se indícios suficientes de autoria e não a sua prova cabal, o que somente poderá ser verificado em eventual decisum condenatório, após a devida instrução dos autos.
A decisão teve como relator o ministro Jesuíno Rissato (desembargador convocado do TJDFT):
Ementa
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO QUALIFICADA, CÁRCERE PRIVADO E SEQUESTRO QUALIFICADO, ROUBO MAJORADO, DANO QUALIFICADO, CONSTITUIÇÃO DE MILÍCIA PRIVADA, INTEGRAR ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, TORTURA E OBSTRUÇÃO DA JUSTIÇA. NEGATIVA DE AUTORIA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. NECESSIDADE DE INTERRUPÇÃO DAS ATIVIDADES PELA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CONTEMPORANEIDADE DA MEDIDA. NOVOS ARGUMENTOS HÁBEIS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. INEXISTÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I – Para a decretação da custódia cautelar exigem-se indícios suficientes de autoria e não a sua prova cabal, o que somente poderá ser verificado em eventual decisum condenatório, após a devida instrução dos autos. II – As premissas fáticas firmadas nas instâncias ordinárias não podem ser modificadas na via estreita do mandamus. Dessarte, na hipótese, entender de modo contrário ao estabelecido pelo Tribunal a quo, quanto à existência de indícios de autoria para a preventiva, como pretende o agravante, demandaria o revolvimento, no presente mandamus, do material fático-probatório dos autos, o que é de todo inviável na via eleita. III – A prisão cautelar deve ser considerada exceção, já que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal. IV – No caso, observa-se que a segregação cautelar do ora agravante está devidamente fundamentada em dados concretos extraídos dos autos, que evidenciam de maneira inconteste a necessidade da prisão para garantia da ordem pública, notadamente em razão de, na condição de “Policial Militar lotado na segurança pessoal da família do então Presidente da ALE/RR, o investigado Jalser Renier, e membro do SISO” – Seção de Inteligência e Segurança Orgânica da Assembleia Legislativa, ter sido apontado como integrante de estruturada organização criminosa no âmbito da Assembleia Legislativa de Roraima, formada por policiais militares da ativa e aposentados. V – Segundo o decreto prisional, o agravante teria atuado de forma a embaraçar a investigação acerca dos crimes de sequestro e tortura praticados contra jornalista, cuja atuação profissional crítica desagradava o Deputado Jalser Renier. Conforme consignado no decisum, “quando a esposa do jornalista sequestrado foi à Polícia registrar o Boletim de Ocorrência, NADSON ficou todo tempo atrás dela, acompanhando o depoimento e digitando em seu celular, numa clara atitude intimidatória e se comunicando com os demais investigados sobre o que a vítima falava e se os implicaria, como já descrito acima; no dia em que NADSON teria recebido a intimação para depor sobre os fatos, foi até a casa da vítima, tirou uma foto e lhe enviou, numa clara ameaça velada, como assim foi interpretado pelo jornalista. Posteriormente se justificou dizendo que era amigo das vítimas e queria visitá-las, o que foi negado pelos ofendidos”, circunstâncias que revelam a periculosidade concreta do agente e a imperiosidade da imposição da medida extrema ante a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa, no intuito de impedir a reiteração delitiva, bem como para conveniência da instrução criminal. VI – Consoante r. decisum objurgado, “trata-se de organização criminosa composta por policiais militares altamente treinados e perigosos que já tentaram embaraçar as investigações e estavam comandados por Deputado Estadual, que à época era Presidente do Poder Legislativo de Roraima”, evidenciando a necessidade da medida constritiva para a conveniência da instrução criminal. VII – Ressalta-se que a presença de circunstâncias pessoais favoráveis não tem o condão de garantir a revogação da prisão se há nos autos elementos hábeis a justificar a imposição da segregação cautelar, como na hipótese. Pela mesma razão, não há que se falar em possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. VIII – No que concerne à alegada ausência de contemporaneidade do decreto prisional, verifica-se que, embora os fatos tenham ocorrido em 26/10/2020 e a prisão temporária tenha sido decretada mais recentemente, em 16/9/2021, e convertida em preventiva em 3/10/2021, tenho que, na hipótese, não há que se falar em extemporaneidade do decreto, já que os indícios de autoria surgiram no decorrer da investigação e a prisão cautelar foi decretada tão logo reunidos elementos suficientes a demonstrar a necessidade da imposição da medida extrema. Feito o juízo de ponderação entre a medida imposta – restrição da liberdade de ir e vir – e os resultados que se buscam resguardar – garantia da ordem pública -, verifica-se que a determinação encontra-se em conformidade com a regra de proporcionalidade estrita. IX – Pontualmente, evidencia-se a contemporaneidade da medida, destinada à salvaguarda, por um lado, da ordem pública, ante a periculosidade do agente e, por outro e em reforço, à conveniência da instrução processual que, de outra maneira, estaria em risco pelas circunstâncias supramencionadas quanto à condição de policial militar, integrante da guarda pessoal do Deputado Estadual, de membro da SISO e pelas atitudes concretas de intimidação das vítimas. X – De mais a mais, a contemporaneidade da cautelar deve ser aferida não tomando por base apenas a data dos fatos investigados, mas, igualmente, levando em conta a permanência de elementos que indicam que os riscos aos bens que se buscam resguardar com sua aplicação ainda existem. Nesse sentido, a gravidade da conduta aliada à periculosidade do agravante, integrante de organização criminosa estruturada na sede do Parlamento estadual, como destacado alhures, bem como o processamento da ação penal (na fase instrutória) evidenciam a contemporaneidade da prisão. XI – É assente nesta Corte Superior que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos. Precedentes. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 698.356/RR, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), QUINTA TURMA, julgado em 23/11/2021, DJe 26/11/2021)
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