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STJ: cabe ao juiz decidir a causa e todas as questões a ela relativas

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que no processo penal brasileiro, em razão do sistema da persuasão racional, o juiz forma sua convicção “pela livre apreciação da prova” (art. 155 do CPP), o que o autoriza a observadas as limitações processuais e éticas que informam o sistema de justiça criminal, decidir livremente a causa e todas as questões a ela relativas, mediante a devida e suficiente fundamentação.

A decisão teve como relator o ministro Rogerio Schietti Cruz:

Ementa

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA DE PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE PARA CONSUMO PRÓPRIO. POSSIBILIDADE. EXCEPCIONALIDADE DO CASO DOS AUTOS. ORDEM CONCEDIDA. 1. No processo penal brasileiro, em razão do sistema da persuasão racional, o juiz forma sua convicção “pela livre apreciação da prova” (art. 155 do CPP), o que o autoriza a, observadas as limitações processuais e éticas que informam o sistema de justiça criminal, decidir livremente a causa e todas as questões a ela relativas, mediante a devida e suficiente fundamentação. 2. A Lei n. 11.343/2006 não determina parâmetros seguros de diferenciação entre as figuras do usuário e a do pequeno, médio ou grande traficante, questão essa, aliás, que já era problemática na lei anterior (n. 6.368/1976). 3. O alargamento da consideração sobre quem deve ser considerado traficante acaba levando à indevida inclusão, nesse conceito, de cessões altruístas, de consumo compartilhado, de aquisição de drogas em conjunto para consumo próprio e, por vezes, até de administração de substâncias entorpecentes para fins medicinais. 4. Na espécie em julgamento, em que pese a existência de condenações, antigas no tempo, pela prática de delitos da mesma natureza em desfavor do acusado, em nenhum momento foi ele surpreendido comercializando, expondo à venda, entregando ou fornecendo drogas a consumo de terceiros. Também não há nenhuma referência a prévio monitoramento de suas atividades, a fim de eventualmente comprovar a alegação do Ministério Público de que “estava comercializando entorpecentes na Praça Jardim Oriente, local amplamente conhecido como ponto de venda de entorpecentes”. 5. Considerada a ínfima quantidade de droga apreendida (0,4 g de crack) e a afirmação do réu, em juízo, de que a substância apreendida seria para seu próprio consumo, opera-se a desclassificação da conduta a ele imputada, em respeito à regra de juízo, basilar ao processo moderno e derivada do princípio do favor rei e da presunção de inocência, de que a dúvida relevante em um processo penal resolve-se a favor do imputado. 6. Ao funcionar como regra que disciplina a atividade probatória, a presunção de não culpabilidade preserva a liberdade e a inocência do acusado contra juízos baseados em mera probabilidade, determinando que somente a certeza, além de qualquer dúvida razoável (beyond a reasonable doubt), pode lastrear uma condenação. A presunção de inocência, sob tal perspectiva, impõe ao titular da ação penal todo o ônus de provar a acusação, quer a parte objecti, quer a parte subjecti. Não basta, portanto, atribuir a alguém conduta cuja compreensão e subsunção jurídico-normativa decorra de avaliação pessoal de agentes do Estado, e não dos fatos e das circunstâncias objetivamente demonstradas. 7. Por tal motivo, não se pode transferir ao acusado a prova daquilo que o Ministério Público afirma na imputação original e, no ponto, não se pode depreender a prática do crime mais grave – tráfico de drogas – tão somente a partir da apreensão de droga em poder do acusado ou de seu passado criminógeno. Salvo em casos de quantidades mais expressivas, ou quando afastada peremptoriamente a possibilidade de que a droga seja usada para consumo próprio do agente – e a instância de origem não afastou essa hipótese –, cumpre ao titular da ação penal comprovar, mediante o contraditório judicial, os fatos articulados na inicial acusatória, o que, no entanto, não ocorreu, como se depreende da leitura da sentença e do acórdão. 8. É de considerar-se, outrossim, que do Ministério Público, instituição que, acima de tudo, se caracteriza pela função fiscalizatória do direito (custos iuris), espera-se – mormente ante a necessidade de direcionar seus limitados recursos e esforços institucionais com equilibrada ponderação – uma atuação funcional imbuída da percepção de que o Direito Penal é o meio mais contundente de que dispõe o Estado para manter um grau de controle sobre o desvio do comportamento humano, e que, por isso mesmo, deve incidir apenas nos estritos limites de sua necessidade, não se mostrando, portanto, racionalmente defensável que a complexidade do atual perfil de atribuições “converta os agentes de execução do Ministério Público em simples ‘despachantes criminais’, ocupados de pleitear meramente o emprego do rigor sistemático de dogmática jurídico-penal, ademais de meros fiscais da aplicação sistemática e anódina da pena.” (Paulo César Busato, O papel do Ministério Público no futuro Direito Penal brasileiro. In: Revista de Estudos Criminais. Doutrina Nacional. v. 2, n. 5, p. 105-124). 9. Ordem concedida, para cassar o acórdão impugnado e, por conseguinte, restabelecer a sentença que, desclassificando a imputação original, condenou o paciente pela prática do crime previsto no art. 28, caput, da Lei n. 11.343/2006 (Processo n. 1501388-12.2020.8.26.0599). (HC 681.680/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 21/09/2021, DJe 29/09/2021)

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