A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a condenação por crime anterior à prática delitiva, com trânsito em julgado posterior à data do crime sob apuração, malgrado não configure reincidência, enseja a valoração negativa da circunstância judicial dos antecedentes, justificando a exasperação da pena-base a esse título.
A decisão teve como relator o ministro Reynaldo Soares da Fonseca:
Ementa
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO. DOSIMETRIA. PRIMEIRA FASE. REDUÇÃO DA PENA-BASE. INVIABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DEVIDAMENTE JUSTIFICADAS. CULPABILIDADE ACENTUADA. PERSONALIDADE VIOLENTA E PERIGOSA. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO ACENTUADAS. CONSEQUÊNCIAS EXTREMAMENTE GRAVOSAS PARA A VÍTIMA. MAUS ANTECEDENTES. PRECEDENTES. DESLOCAMENTO DA QUALIFICADORA DO MOTIVO TORPE PARA A PRIMEIRA FASE. PRECEDENTES. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE NOS FUNDAMENTOS E NO INCREMENTO OPERADO NA BASILAR. TERCEIRA FASE. AUMENTO DA FRAÇÃO DE REDUÇÃO PELO CRIME TENTADO. INVIABILIDADE. EXTENSÃO DO ITER CRIMINIS. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO NÃO CONDIZENTE COM A VIA PROCESSUAL ELEITA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A legislação brasileira não prevê um percentual fixo para o aumento da pena-base em razão do reconhecimento das circunstâncias judiciais desfavoráveis, tampouco em razão de circunstância agravante ou atenuante, cabendo ao julgador, dentro do seu livre convencimento motivado, sopesar as circunstâncias do caso concreto e quantificar a pena, observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Ademais, predomina nesta Corte Superior, o entendimento de que o aumento da pena em patamar superior à fração de 1/6 (um sexto), demanda fundamentação concreta e específica para justificar o incremento em maior extensão. Precedentes. 2. A culpabilidade, como circunstância judicial está afeta ao grau de reprovabilidade da conduta perpetrada pelo agente, a qual deve destoar do tipo penal a ele imputado e, na espécie, ela foi considerada desfavorável, em virtude de o paciente, motivado por ciúmes e inconformado com o término do relacionamento amoroso com a vítima, haver invadido seu domicílio munido de uma faca, surpreendo-a enquanto dormia para desferir-lhe diversos golpes de faca em regiões vitais do corpo (entre 40 e 50 golpes no pescoço, tórax, abdome e membros), causando perfurações em vários órgãos (coração, pulmão, fígado e esôfago) (e-STJ, fls. 32/33). Essas circunstâncias demonstram, sem sombra de dúvidas, a maior reprovabilidade da conduta perpetrada, a merecer o desvalor desta vetorial em maior extensão. 3. No que tange à personalidade do paciente, tem-se que resulta da análise do seu perfil subjetivo, no que se refere a aspectos morais e psicológicos, para que se afira a existência de caráter voltado à prática de infrações penais, com base nos elementos probatórios dos autos, aptos a inferir o desvio de personalidade de acordo com o livre convencimento motivado, independentemente de perícia. Na espécie, essa vetorial foi negativada ao argumento de agressiva e sádica, haja vista que ele torturou a ofendida, lhe impingindo desmesurado sofrimento (e-STJ, fl. 44); acrescente-se, ainda, que as circunstâncias em que cometido crime também foram extremamente graves, pois o acusado, além de fazer uso de um travesseiro para prejudicar a função respiratória da ofendida, valendo-se de sua força física superior e do pleno domínio de arte marcial (praticou por dois anos e meio, como ele próprio disse hoje em plenário), desferiu-lhe por cerca de duas horas e meia dezenas de golpes de faca (e-STJ, fl. 18); some-se a isso, seu desprezo pelo sentimento de luto da vítima, que havia enterrado sua mãe onze dias antes do fato, e durante a execução do crime assumiu postura impassível frente às súplicas daquela com quem havia mantido relacionamento amoroso por cerca de dois anos (e-STJ, fl. 36). Esses argumentos, sem sobra de dúvida denotam sua índole violenta e perigosa, a merecer o desvalor conferido a essas vetoriais, inclusive em maior extensão. 4. Quanto às consequências do delito, foram extremamente gravosas para a vítima, que permaneceu em estado gravíssimo, necessitando múltiplas transfusões sanguíneas. Ademais, ao menos enquanto não seja submetida a uma série de intervenções cirúrgicas reparadoras dos múltiplos danos estéticos amargados, terá ela que conviver com as cicatrizes em seu corpo. No que se refere aos danos psicológicos, cumpre destacar o significativo período de perda da autonomia resultante da incapacidade de se locomover e de se alimentar sem ajuda de terceiros, bem como a consequente necessidade de morar de favor com familiares (situação que perdura até hoje) (e-STJ, fl. 37). Nesse contexto, em que demonstrado o terror físico e psicológico sofrido pela ofendida, também não verifico nenhuma ilegalidade a ser sanada no desvalor conferido a essa vetorial. 5. Os maus antecedentes foram desvalorados em razão de condenações por delitos praticados anteriormente ao crime em questão, mas cujo trânsito em julgado ocorreu posteriormente à data dos fatos aqui tratados, inexistindo ilegalidade a ser sanada neste ponto, pois a jurisprudência desta Corte de Justiça é unânime, no sentido de que a condenação por crime anterior à prática delitiva, com trânsito em julgado posterior à data do crime sob apuração, malgrado não configure reincidência, enseja a valoração negativa da circunstância judicial dos antecedentes, justificando a exasperação da pena-base a esse título. Precedentes. 6. No tocante ao deslocamento de uma, das três qualificadoras reconhecidas pelo Conselho de Sentença para exasperar a pena-base, também não verifico nenhuma ilegalidade a ser sanada, porquanto este entendimento está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que, havendo mais de uma qualificadora no homicídio doloso, uma delas pode formar o tipo qualificado e as demais serem utilizadas para agravar a pena na segunda etapa do cálculo dosimétrico (caso constem no rol do art. 61, II, do CP) ou para elevar a pena-base na primeira fase do cálculo. Precedentes. 7. A redução na fração de 1/3 pelo crime tentado foi estabelecida porque as instâncias de origem concluíram que houve considerável extensão no iter criminis percorrido, haja vista o crime não ter atingido o objetivo almejado pelo réu, ficando esse resultado muito próximo de sua realização, seja em virtude da intensa hemorragia causada à vítima pelos golpes de faca, seja pelo tempo necessário para deixar a situação de risco de vida durante o período de internação hospitalar (e-STJ, fls. 20/21). 8. Rever as premissas fáticas que conduziram o Tribunal de origem a concluir pelo expressivo transcurso do iter criminis, com reflexo no quantum da redução decorrente da tentativa, demandaria o reexame da moldura fática e probatória delineada nos autos, procedimento inviável na via estreita do habeas corpus. Precedentes. – Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 799.939/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 28/2/2023, DJe de 6/3/2023.)