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STJ: dolo eventual é compatível com qualificadoras objetivas do homicídio

No julgamento do REsp 1.836.556, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou o entendimento de que as qualificadoras objetivas do crime de homicídio, previstas nos incisos III e IV do parágrafo 2º do artigo 121 do Código Penal (CP), são compatíveis com o dolo eventual.

O caso julgado envolvia uma policial civil, fora de serviço, que, incomodada pelo barulho de uma festa na sua vizinhança, teria disparado sua arma para espantar os participantes. Contudo, ela atingiu mortalmente um deles. Ela foi denunciada pelo Ministério Público do Paraná (MPR) por homicídio com dolo eventual triplamente qualificado (motivo fútil, recurso que dificultou a defesa da vítima e perigo comum).

A sentença de pronúncia afastou as qualificadoras e determinou a submissão da ré ao júri popular pela acusação de homicídio simples com dolo eventual.

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) manteve a sentença e entendeu que a alegação de motivo fútil se confundia com a justificativa do dolo eventual, caracterizando bis in idem.

O TJPR entendeu, ainda, que a qualificadora do recurso que impossibilitou a defesa da vítima “não se compatibiliza com o dolo eventual”, bem como que não haveria indícios para sustentar a qualificadora do perigo comum.

No STJ, o colegiado assim entendeu:

as referidas qualificadoras serão devidas quando constatado que o autor delas se utilizou dolosamente como meio ou como modo específico mais reprovável para agir e alcançar outro resultado, mesmo sendo previsível e tendo admitido o resultado morte.

Com esse entendimento, a Quinta Turma acolheu o pedido do Ministério Público para reincluir as qualificadoras na pronúncia, com exceção da qualificadora de perigo comum, pois o TJPR não reconheceu nos fatos os pressupostos para a sua caracterização.

Leia a ementa:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.

HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. 1) DOLO EVENTUAL. COMPATIBILIDADE COM AS QUALIFICADORAS DO ART. 121, § 2º, III E IV, DO CÓDIGO PENAL ? CP. PERIGO COMUM E RECURSO QUE DIFICULTOU OU IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA VÍTIMA. 2) PERIGO COMUM. MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. ÚNICO DISPARO EM DIREÇÃO AOS PRESENTES NO LOCAL. CONSTATAÇÃO QUE PARA SER AFASTADA ESBARRA NO ÓBICE DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ? STJ. 3) AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO.

1. A jurisprudência desta Corte e do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ? STF oscila a respeito da compatibilidade ou incompatibilidade do dolo eventual no homicídio com as qualificadoras objetivas (art. 121, § 2º, III e IV). Precedentes.

1.1. Aqueles que compreendem pela incompatibilidade do dolo eventual com as qualificadoras objetivas do art. 121, § 2º, III e IV, do CP, escoram tal posição na percepção de que o autor escolhe o meio e o modo de proceder com outra finalidade, lícita ou não, embora seja previsível e admitida a morte.

1.2. Tal posicionamento, retira, definitivamente do mundo jurídico, a possibilidade fática de existir um autor que opte por utilizar meio e modo específicos mais reprováveis para alcançar fim diverso, mesmo sendo previsível o resultado morte e admissível a sua concretização. Ainda, a justificativa de incompatibilidade entre o dolo eventual e as qualificadoras objetivas, inexistência de dolo direto para o resultado morte, se contrapõe à admissão nesta Corte de compatibilidade entre o dolo eventual e o motivo específico e mais reprovável (art. 121, § 2º, I e II, do CP).

1.3. Com essas considerações, elege-se o posicionamento pela compatibilidade, em tese, do dolo eventual também com as qualificadoras objetivas (art. 121, § 2º, III e IV, do CP). Em resumo, as referidas qualificadoras serão devidas quando constatado que o autor delas se utilizou dolosamente como meio ou como modo específico mais reprovável para agir e alcançar outro resultado, mesmo sendo previsível e tendo admitido o resultado morte.

2. A configuração do perigo comum (121, § 2º, III, do CP) por disparo de arma de fogo tem como pressuposto que mais de um disparo tenha sido direcionado aos presentes no local ou que único disparo a eles direcionado tivesse potencialidade lesiva apta para alcançar mais de um resultado, o que não foi constatado. Para se concluir de modo diverso, seria necessário o revolvimento fático-probatório, vedado conforme Súmula n. 7 do STJ.

3. Agravo regimental parcialmente provido para também incluir na sentença de pronúncia a qualificadora do art. 121, § 2º, IV, do CP.  (AgRg no AgRg no REsp 1836556/PR, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 15/06/2021, DJe 22/06/2021)

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Priscila Gonzalez Cuozzo

Priscila Gonzalez Cuozzo é graduada em Direito pela PUC-Rio, especialista em Direito Penal e Criminologia pelo ICPC e em Psicologia pela Yadaim. Advogada e Consultora Jurídica atuante nas áreas de Direito Administrativo, Tributário e Cível Estratégico em âmbito nacional. Autora de artigo sobre Visual Law em obra coletiva publicada pela editora Revista dos Tribunais, é também membro do capítulo brasiliense do Legal Hackers, comunidade de inovação jurídica.

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