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Para STJ, furto de camarões descascados afasta tese de crime famélico

A  6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) denegou ordem em Habeas Corpus impetrado pela defesa de um homem condenado a 9 meses e 10 dias de reclusão em regime inicial semiaberto, pelo furto praticado contra uma rede de supermercados.

O réu teria enchido a mochila de alimentos e, no caixa, tentou pagar apenas os produtos que manteve na cesta do supermercado. Após o pagamento ser recusado, tentou deixar o local com os produtos que estavam na mochila, sendo apreendidos somente alimentos nobres, como camarão descascado e cozido, condimentos e sobremesa. 

Assim, o STJ considerou que o crime praticado não estava amparado pelo princípio da insignificância, não caracterizando crime famélico, pois o crime de furto e a escolha dos bens alvos da conduta são elementos aptos a afastar a tese de que o ilícito teve como objetivo matar a fome e garantir a subsistência do réu.

O réu, assistido pela Defensoria Pública de São Paulo, foi ao STJ sustentar a aplicação do princípio da insignificância. Alegando que não haveria relevância penal na sua conduta, pois os bens teriam sido devolvidos.

Não caberia a absolvição do réu com este argumento, pois ele era reincidente específico, os bens furtados são avaliados em R$ 292,10, valor que representa mais de 10% do salário mínimo.

Em outra decisão o STJ já havia reconhecido que para caracterizar o princípio da insignificância os bens não poderiam ultrapassar esses 10% do salário mínimo. 

Ainda que, em casos excepcionais, o STJ tenha absolvido réus reincidentes que furtaram bens de valor considerável, a ministra Laurita Vaz apontou outros elementos que desaconselharam esse resultado para o caso concreto.

Primeiro porque houve certa sofisticação na conduta. O réu encheu a mochila de alimentos e, no caixa, tentou pagar apenas os produtos que manteve na cesta do supermercado. 

Após o pagamento ser recusado, tentou deixar o local com os produtos que estavam na mochila, sendo produtos de luxo. 

A votação para denegar o habeas corpus foi unânime.

Confira a ementa da decisão do STJ

HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO QUALIFICADO, NA FORMA TENTADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RES FURTIVAEDE VALOR TOTAL QUE SUPERA 10% DO SALÁRIO MÍNIMO. HIPÓTESE EM QUE NÃO SE MOSTRA SOCIALMENTE RECOMENDÁVEL RECONHECER A ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. REGIME PRISIONAL INICIAL SEMIABERTO, MAIS GRAVOSO QUE O PARADIGMA FUNDADO NO QUANTUMDE PENA ABSTRATA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. MULTIRREINCIDÊNCIA. CONDENAÇÃO ANTERIOR POR CRIME COMETIDO COM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA. SÚMULA N. 269 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MÉRITO DO PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA ACOLHIDO. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA.1. Espécie em que o Paciente foi condenado pelo crime de furto qualificado, na forma tentada, pela subtração, em 2021, de produtos expostos à venda em um supermercado localizado em Campinas – SP, por R$ 295,10 (duzentos e noventa e cinco reais e dez centavos). 2. O valor venal das res furtivae supera 10% (dez por cento) do salário mínimo fixado à época – circunstância que, em regra, obsta a aplicação do princípio da insignificância. 3. O fato de o produto do furto ter sido devolvido à Vítima não afasta, de per si, a tipicidade material da conduta delitiva. 4. Réu que apresenta condições subjetivas desfavoráveis, pelas condenações anteriores pela prática do crime de roubo e de outros três furtos. Ocorre que o princípio da bagatela é inaplicável em casos nos quais está evidenciada “a habitualidade delitiva, o que não pode ser tolerado pelo Direito Penal” (STJ, AgRg no AREsp 1.075.739/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 29/11/2017). 5. Os elementos probatórios da causa principal parecem indicar que houve certa sofisticação no planejamento na conduta, pois o Paciente encheu sua mochila de alimentos e, no caixa, tentou pagar apenas os produtos que colocou na cesta do supermercado. O pagamento foi recusado e o Condenado, então, dirigiu-se ao estacionamento, para que pudesse sair do local sem pagar pelas mercadorias que escondeu na mochila. Ademais, foram apreendidos alimentos nobres (como camarão descascado e cozido), condimento e sobremesa. Essa conjuntura impede concluir, nesta via de cognição limitada, que o furto ocorreu tão somente para que o Paciente pudesse garantir sua subsistência, e que a atipicidade material da conduta na hipótese mostrar-se-ia socialmente recomendável. 6. Hipótese na qual foi reconhecida a multirreincidência do Paciente e houve, inclusive, condenação por crime cometido com violência ou grave ameaça. Assim, não obstante a imposição da reprimenda final em patamar inferior a 4 (quatro) anos de reclusão, não é ilegal a sujeição do Condenado ao regime intermediário, ainda que a pena-base tenha sido fixada no mínimo legal, nos termos da orientação jurisprudencial sedimentada na Súmula n. 269 desta Corte, segundo a qual “é admissível a adoção do regime prisional semi-aberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais”. 7. Mérito da manifestação do Ministério Público Federal acolhido. Ordem de habeas corpus denegada.

Daniele Kopp

Daniele Kopp é formada em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) e Pós-graduada em Direito e Processo Penal pela mesma Universidade. Seu interesse e gosto pelo Direito Criminal vem desde o ingresso no curso de Direito. Por essa razão se especializou na área, através da Pós-Graduação e pesquisas na área das condenações pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Sistema Carcerário Brasileiro, frente aos Direitos Humanos dos condenados. Atua como servidora na Defensoria Pública do RS.

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