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STJ: legalidade de decisão que determina sequestro de ativos financeiros não comporta análise em sede de HC

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a legalidade de decisão judicial que determina sequestro de ativos financeiros não comporta análise em sede de habeas corpus, ação constitucional vocacionada à proteção do direito de ir e vir do cidadão, que não se mostra comprometido em virtude da medida.

A decisão teve como relator o ministro Reynaldo Soares da Fonseca:

Ementa

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INQUÉRITO POLICIAL. CORRUPÇÃO (ATIVA E PASSIVA), USO DE DOCUMENTO FALSO E FRAUDE NO PROCESSO LICITATÓRIO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DE DECISÃO JUDICIAL QUE AUTORIZOU BUSCA E APREENSÃO, QUEBRA DE SIGILO DE CELULAR APREENDIDO E DETERMINOU SEQUESTRO DE ATIVOS FINANCEIROS DE INVESTIGADO. ART. 240, § 1º, ALÍNEAS “C” E “E”, DO CPP. DESNECESSIDADE DE CONTEMPORANEIDADE EM MEDIDA CAUTELAR REAL. DEMONSTRAÇÃO DE INDÍCIOS MÍNIMOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE, ASSIM COMO DA IMPRESCINDIBILIDADE DA MEDIDA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DE BUSCA GENÉRICA. ACESSO A DADOS DE CELULAR APREENDIDO: POSSIBILIDADE, SEM A NECESSIDADE DE LIMITE TEMPORAL, PARA FINS DE INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS. SEQUESTRO DE ATIVOS FINANCEIROS: TEMA QUE NÃO COMPORTA CONHECIMENTO EM SEDE DE HABEAS CORPUS. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA NÃO IMPUGNADO ESPECIFICAMENTE. SÚMULA 182/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. (AgRg no HC 437.522/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2018, DJe 15/06/2018) 2. A busca e apreensão é medida cautelar real. Diversamente do que ocorre nas cautelares com natureza jurídica pessoal, o que se pretende com cautelares reais é a busca da verdade real por meio de obtenção de provas. Assim, a colheita de provas não depende da contemporaneidade dos fatos, uma vez que criar entraves a diligências com o fim de investigar fatos criminosos, sob o pretexto do decurso do tempo, obstaculiza a busca da realidade dos fatos e favorece o florescimento da impunidade. Precedente: HC 624.608/CE, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 02/02/2021, DJe 04/02/2021. 3. Ainda que assim não fosse, no caso concreto, foram apresentados fatos novos aptos a justificar a busca e apreensão consubstanciados (1) em recente tentativa de induzir testemunha a a alterar declarações incriminatórias do paciente prestadas em sede inquisitorial; (2) no fato de que o paciente e sua esposa se retiraram recentemente da sociedade da MF MARINA CLUB LTDA ME, transferindo suas cotas para sua filha; e (3) em novas informações descobertas no bojo das Operações “Chorume” e “Locatário”, deflagradas em 21/08/2020, durante as quais, em um dos imóveis do ex-Prefeito JUNIOR MATUTO foi encontrado cartão escrito de próprio punho pelo paciente e datado de 14/04/2019 cujo teor demonstra a relação de amizade entre ambos, e no qual o paciente chama o ex-Prefeito de “Amigão” e afirma que “é com prazer, que lhe chamo assim, ‘meu amigo'” (e-STJ fl. 165), além de mensagens encontradas no celular do então chefe de gabinete do ex-Prefeito e documentos encontrados no notebook do mesmo investigado simulando certidões de tributos imobiliários relacionados ao paciente, todos documentos emitidos no mês de maio/2020, mesmo mês em que a autoridade policial enviara ofício à Prefeitura do Município de Paulista/PE, inquirindo sobre a cobrança de taxas de utilização de imóvel público por parte da MF MARINA CLUB LTDA. 4. Esta Corte tem reconhecido a validade de decisões que autorizam a busca e apreensão, reportando-se aos elementos contidos em representação policial e em parecer ministerial, aptos a justificar a necessidade da medida, e acrescendo fundamentação própria, como ocorreu no caso em exame. Precedentes: AgRg no HC 548.134/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 03/12/2019, DJe 16/12/2019 e HC 428.369/PE, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/09/2019, DJe 03/10/2019. 5. In casu, a busca e apreensão questionada, a par de encontrar amparo no art. 240, § 1º, “c” (apreender objetos falsificados ou contrafeitos) e “e” (descobrir objetos necessários à prova de infração) do Código de Processo Penal, está fundamentada em indícios concretos de materialidade e autoria ampla e detalhadamente descritos na representação policial de quase 30 (trinta) páginas que solicitou a medida e à qual a decisão de 1º grau se reporta. 6. Revela-se necessária, na hipótese em exame, a busca e apreensão tanto para a apuração da verdade real em relação aos crimes de uso de documento falso e corrupção ativa e passiva, quanto, sobretudo, para apuração do delito de apropriação indébita de taxas de utilização de imóvel público previstas no contrato de concessão, uma vez que, aparentemente, jamais foram honradas pela MF MARINA CLUB e a empresa não se dignou responder ofício da autoridade policial, solicitando informações. 7. Esta Corte tem entendido que “a pormenorização dos bens somente é possível após o cumprimento da diligência, não sendo admissível exigir um verdadeiro exercício de futurologia por parte do Magistrado, máxime na fase pré-processual” (RHC n. 59.661/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 3/11/2015, DJe 11/11/2015). De mais a mais, não se caracteriza como genérica a decisão que expressamente declina a necessidade de apreensão de “objetos ilícitos”, “quaisquer objetos que tenham vinculação com as investigações”, “mídias digitais, CD e DVD, pendrives, computadores, celulares ou quaisquer dispositivos de armazenamento de dados que possam conter informações vinculadas com as investigações” 8. Este Tribunal Superior já assentou que “na pressuposição da ordem de apreensão de aparelho celular ou smartphone está o acesso aos dados que neles estejam armazenados, sob pena de a busca e apreensão resultar em medida írrita, dado que o aparelho desprovido de conteúdo simplesmente não ostenta virtualidade de ser utilizado como prova criminal” (RHC 75.800/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 15/9/2016, DJe 26/9/2016). Precedentes: AgRg no HC 567.637/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 03/11/2020, DJe 12/11/2020; AgRg no RHC 137.152/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 26/02/2021. 9. “Apesar de o artigo 22, III, da Lei n. 12.965/2014 determinar que a requisição judicial de registro deve conter o período ao qual se referem, tal quesito só é necessário para o fluxo de comunicações, sendo inaplicável nos casos de dados já armazenados que devem ser obtidos para fins de investigações criminais” (HC 587.732/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 20/10/2020, DJe 26/10/2020). 10. A legalidade de decisão judicial que determina sequestro de ativos financeiros não comporta análise em sede de habeas corpus, ação constitucional vocacionada à proteção do direito de ir e vir do cidadão, que não se mostra comprometido em virtude da medida. Ademais, na hipótese em exame, o tema não chegou a ser objeto de deliberação no acórdão impugnado, o que impede seu conhecimento por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância. 11. A ausência de impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada no momento oportuno impede o conhecimento do recurso, atraindo o óbice da Súmula 182 desta Corte Superior (“é inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada”). 12. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no HC 675.582/PE, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 24/08/2021, DJe 30/08/2021)

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