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STJ: o magistrado pode decretar a interceptação se demonstrar a existência dos requisitos que a autorizam

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu parcialmente, por unanimidade, embargos de declaração, entendendo que, quanto à interceptação, o magistrado pode decretar a medida mediante fundamentação concisa e sucinta, desde que demonstre a existência dos requisitos autorizadores.

O Relator foi o Ministro Rogerio Schietti Cruz. Participaram do julgamento os Ministros Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região) e Laurita Vaz.

EMENTA

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE. PREFEITO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARCIALMENTE ACOLHIDOS.

  1. Conquanto o art. 619 do Código de Processo Penal disponha sobre o cabimento do recurso de embargos de declaração, o Superior Tribunal de Justiça acolheu a tese, há muito adotada pela doutrina, de que se trata de um recurso atípico, voltado ao aperfeiçoamento da compreensão de decisão judicial. Assim, tanto a sentença quanto o acórdão que contenham obscuridade ou contradição, ou que hajam omitido ponto sobre o qual deveria o órgão judicante pronunciar-se (art. 620 do CPP), dão ensejo à oposição de embargos.
  2. Relativamente ao cabimento deste recurso, esta Corte Superior de Justiça consolidou jurisprudência de que a contradição ou a obscuridade não implicam que o Tribunal deva acolher a tese apresentada pelo recorrente: o fato de a solução adotada pelo Tribunal não ser a que satisfaça o recorrente em nada invalida a decisão adotada.
  3. Todavia, no que tange à tese de violação dos arts. 2º, II, e 5, ambos da Lei n. 9.296/1996, o acórdão ora embargado constatou, equivocadamente, que o acórdão impugnado pelo recurso especial não analisara a tese de violação dos arts. 2º, II, e 5, ambos da Lei n. 9.296/1996.
  4. Este Superior Tribunal não exige motivação exaustiva na decisão que decreta a providência ora criticada. Pode “o magistrado decretar a medida mediante fundamentação concisa e sucinta, desde que demonstre a existência dos requisitos autorizadores da interceptação”.
  5. Forçoso enfatizar-se, a propósito da intimidade dos indivíduos, que, “a privacidade, como direito fundamental, é a regra, porque a maior parte dos cidadãos não são investigados criminalmente, mas se há justa causa para a investigação e nela é comprovada a necessidade da medida (interesse da justiça), não há que se exigir um standard probatório e decisório tão elevado” para a efetivação de providências restritivas, no processo penal.
  6. Na espécie o Juiz de primeiro grau salientou “a existência de fortes indícios do direcionamento de licitações levadas a efeito pelas prefeituras ora investigadas, para empresas constituídas para finalidade ilícita, de maneira a justificar formalmente, mediante diversos artifícios, entre os quais a criação de documentação fiscal forjada, despesas públicas que, em verdade, encobrem desvios de verbas federais destinadas àqueles municípios, implicando em grave lesão aos cofres públicos e aos programas governamentais básicos de interesse da população, notadamente a mais carente”. Aduziu que “o problema é ainda mais grave por envolver os Chefes dos Executivos municipais, cujas participações lamentavelmente parecem evidentes na organização criminosa, como a realização de saques “na boca do caixa” de verbas federais destinadas ao pagamento de supostos serviços prestados às Prefeituras”. Entendeu que “a extensão e a gravidade dos fatos justifica a quebra do sigilo telefônico, aludindo à manifestação do Ministério Público, que, por sua vez, salientou que, “no curso dos trabalhos desenvolvidos pela CGU-PE, constatou-se a existência ,de indícios que sugerem a existência de uma estrutura voltada para a fraude de diversas licitações, as quais eram efetuadas, a cargo das prefeituras dos municípios supracitados, para a aquisição de produtos com verbas repassadas pelo Governo Federal, como por exemplo, os programas de “Apoio à Alimentação Escolar na Educação Básica (Ministério da Educação), “Atendimento Assistencial Básico nos Municípios Brasileiros” (Ministério da Saúde), “Bolsa-Escola” e “Bolsa-Família” (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome), entre outros”. O parecer invocado na decisão ora objurgada concluiu que, indubitavelmente, outro meio de produção de provas não teria o mesmo resultado que é objetivado pela requerente com a interceptação telefônica, a qual se revela como o único meio eficaz para a elucidação dos fatos, transcrevendo, para tanto, “trecho da representação onde se indicam os possíveis ilícitos que estão sendo objeto do apuratório vertente, o que denota a necessidade de se dar início ao monitoramento telefônico dos investigados”, diante da própria natureza dos ilícitos.
  7. O Tribunal de origem deu parcial provimento ao recurso defensivo para afastar as circunstâncias relativas à personalidade, os motivos, as circunstâncias e as consequências do crime – motivo pelo qual decotou 8 meses de reclusão da pena -, mantendo, no mais, a dosimetria. Pela leitura do trecho transcrito, observa-se que o único elemento mantido pelo Corte a quo foi a culpabilidade, ocasião em que a sentença cingiu-se a afirmar que “o réu, juntamente com terceiros por ele indicados para praticar ilícitos, concorreu conscientemente para o desvio de recursos públicos [de modo que] sobre sua conduta pois incide reprovação social elevada”. Assim, forçoso concluir que não remanesce nenhum elemento idôneo para a fixação da pena-base acima do mínimo legal.
  8. Embargos de declaração parcialmente acolhidos, com efeitos infringentes, apenas para fixar a pena de 3 anos de reclusão, pela prática do delito previsto no art. 1º, I, do Decreto-lei n. 201/1967.

(EDcl no AgRg no REsp n. 1.731.559/PE, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 8/11/2022, DJe de 16/11/2022.)

Fonte: REsp nº 1731559 / PE

Priscila Gonzalez Cuozzo

Priscila Gonzalez Cuozzo é graduada em Direito pela PUC-Rio, especialista em Direito Penal e Criminologia pelo ICPC e em Psicologia pela Yadaim. Advogada e Consultora Jurídica atuante nas áreas de Direito Administrativo, Tributário e Cível Estratégico em âmbito nacional. Autora de artigo sobre Visual Law em obra coletiva publicada pela editora Revista dos Tribunais, é também membro do capítulo brasiliense do Legal Hackers, comunidade de inovação jurídica.

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