STJ: salvo situação excepcionalíssima, não se acolhe alegação de nulidade por cerceamento de defesa

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, salvo situação excepcionalíssima, não se acolhe alegação de nulidade por cerceamento de defesa, em função do indeferimento de diligências requeridas pela defesa, porquanto o magistrado é o destinatário final da prova, logo, compete a ele, de maneira fundamentada e com base no arcabouço probatório produzido, analisar a pertinência, relevância e necessidade da realização da atividade probatória pleiteada.

A decisão teve como relator o ministro Sebastião Reis Júnior:

Ementa

RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO MAJORADO. VIOLAÇÃO DO ART. 382 DO CPP. DISPOSITIVO DE LEI TIDO POR VIOLADO. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. APRESENTAÇÃO DE FORMA NÃO COMPREENSÍVEL. PRETENSÃO RECURSAL NÃO DELIMITADA. SÚMULA 284/STF. ALEGAÇÃO DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DEFICIENTE EM SEDE DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INOCORRÊNCIA. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA DECADÊNCIA. TESE DE NECESSIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. NÃO INDICAÇÃO DE DISPOSITIVOS INFRACONSTITUCIONAIS VIOLADOS. SÚMULA 284/STF. REPRESENTAÇÃO É ATO QUE DISPENSA MAIORES FORMALIDADES. PRECEDENTES. VONTADE DA VÍTIMA PRESENTE NOS AUTOS. NOTÍCIA CRIME OFERTADA. PLEITO DE ABERTURA DE VISTA DOS AUTOS AO PARQUET PARA POSSIBILIDADE DE OFERECIMENTO RETROATIVO DE PROPOSTA DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP). CARÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. DENÚNCIA QUE JÁ TINHA SIDO RECEBIDA. IMPOSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DE AMBAS AS TURMAS DA TERCEIRA SEÇÃO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 563 E 566, AMBOS DO CPP. TESE DE CERCEAMENTO DE DEFESA POR CONTA DA PRECLUSÃO DE OITIVA DE TESTEMUNHA. MATÉRIA NÃO DEBATIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM SOB O ENFOQUE DADO PELO RECORRENTE. CARÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ÓBICE DA SÚMULA 211/STJ. TESE DE CERCEAMENTO DE DEFESA POR INDEFERIMENTO DAS DILIGÊNCIAS E DA PROVA PERICIAL. FUNDAMENTOS IDÔNEOS APRESENTADOS PELA CORTE DE ORIGEM. MAGISTRADO, DESTINATÁRIO FINAL DA PROVA. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 89 DA LEI N. 9.099/1995. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. DIREITO SUBJETIVO DO RECORRENTE. INEXISTÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. SOMA DAS PENAS MÍNIMAS IN ABSTRATO IMPOSTAS AOS CRIMES PERPETRADOS EM CONTINUIDADE DELITIVA SUPERIOR A 1 ANO. SÚMULA 243/STJ. TESES DE NÃO COMPROVAÇÃO DE MATERIALIDADE E DE NEGATIVA DE AUTORIA. PLEITO ABSOLUTÓRIO. INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE LASTREARAM O ÉDITO CONDENATÓRIO COM SUPORTE EM VASTO CONJUNTO PROBATÓRIO, NOTADAMENTE DOCUMENTOS E TESTEMUNHOS. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO VEDADO NA VIA ELEITA. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. CARÊNCIA DE INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO INFRACONSTITUCIONAL VIOLADO. SÚMULA 284/STF. 1. O Tribunal a quo dispôs que o voto-condutor bem analisou as questões trazidas a esta Corte Superior, entendendo que o conjunto probatório suficientemente demonstrou que o réu R, na qualidade de administrador dos postos de combustíveis, para obter dinheiro junto à CEF, simplesmente forjava os borderôs, independentemente da existência de duplicatas. Assim, o banco liberava o dinheiro sem exigir a apresentação da duplicata, confiante na boa-fé do réu. […] Com relação à testemunha F J J (evento 166, VÍDEOS 15 e 16), o acórdão consignou que este “contou ser cliente do posto BADERNORTE, afirmando que nunca tivera qualquer problema com o posto. Conforme destacou, efetuava os pagamentos devido ao posto por meio de boletos”. Ressalto que o fato de a testemunha afirmar realizar pagamentos por boleto não desonera o réu R do crime, especialmente porque inexiste qualquer indício que a testemunha tenha deixado de pagar os papéis ou tenha contribuído de qualquer forma para o delito. […] Ainda, no que se refere ao argumento de que o Tribunal não enfrentou a desqualificação da testemunha A D, esse também não subsiste da simples leitura do decisum: Da mesma forma, embora R insista na tese de que, ainda que atuasse como administrador, não seria o responsável pelo setor financeiros das empresas, insinuando, inclusive, que a ex-funcionária A D teria o intento de prejudicá-lo, não trouxe prova contundente nesse sentido. […] Além disso, conforme depoimento da gerente da CAIXA M V, A D procurou o banco para resolver a situação de restrição do crédito, ocasião em que descobriu estar sendo investigada pelo banco e ser devedora de vultosa quantia, o que vai de encontro à tese defensiva. (…) seria totalmente desarrazoado afastar a participação do réu R na prática da infração. A uma, porque foi o beneficiado com o desconto de títulos simulados e creditados em sua conta. A duas, porque parte dos títulos emitidos em desfavor de Adriana foi cedida à CEF pelo POSTO BADENORTE LTDA., com o qual a testemunha não tinha qualquer relação de emprego ou prestação de serviços (o que foi confirmado pela testemunha Paulo – ev. 166, doc. 13). 2. Insuficiente a fundamentação apresentada no presente recurso especial, haja vista a não demarcação, de forma compreensível, dos limites da pretensão recursal. Com efeito, não houve a transcrição, nem análise de como o artigo 382 do Código de Processo Penal foi violado, fazendo incidir o teor da Súmula 284/STF, por conta de não restar compreensível o teor da insurgência. 3. O recurso especial possui natureza vinculada, exigindo, para o seu cabimento, a imprescindível demonstração da parte recorrente, de forma clara e precisa, dos dispositivos apontados como malferidos pela decisão recorrida, juntamente com argumentos suficientes à exata compreensão da controvérsia estabelecida, sob pena de inadmissão pela aplicação da Súmula 284/STF (AgInt no REsp n. 1.955.109/DF, Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe de 8/9/2022). 4. Não prospera o presente argumento de prestação jurisdicional deficiente, porquanto as controvérsias suscitadas pelo embargante – qualificação e consideração dos testemunhos – foram analisadas pela instância ordinária, em que pese o seu descontentamento com o resultado do julgado. 5. […] os embargos declaratórios não se prestam para forçar o ingresso na instância extraordinária se não houver omissão a ser suprida no acórdão, nem fica o juiz obrigado a responder a todas as alegações das partes quando já encontrou motivo suficiente para fundar a decisão (AgRg no Ag n. 372.041/SC, Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJ 4/2/2002), de forma que não há falar em negativa de prestação jurisdicional apenas porque o Tribunal local não acatou a pretensão deduzida pela parte (AgRg no REsp n. 1.220.895/SP, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 10/9/2013). 6. Quanto à tese de decadência, ante a necessidade de representação da vítima, o recurso especial não ultrapassa as condições de admissibilidade, haja vista a não indicação de dispositivos infraconstitucionais violados, o que faz incidir na espécie o teor da Súmula 284/STF. 7. Não tendo sido apontadas, especificamente, quais normas teriam sido contrariadas, incide a Súmula 284 do STF, segundo o qual: É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia (AgRg no AREsp n. 1.151.992/TO, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 11/5/2018 – grifo nosso). 8. Para a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ante a prescindibilidade de formalidades para a representação, a condição de procedibilidade pode ser identificada pela notícia crime oferecida pela Caixa Econômica Federal, Inquérito Policial n.º 5010022-45.2013.404.7205. 9. In casu, entretanto, não se aplica a citada compreensão, na medida em que a condição de procedibilidade – representação – pode ser depreendida do boletim de ocorrência e da portaria policial. […] A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está fixada no sentido de que a representação é ato que dispensa maiores formalidades, sendo suficiente que a vítima ou quem a represente legalmente apresente manifestação para que os fatos sejam devidamente apurados, tal como ocorre na hipótese dos autos (AgRg no AREsp n. 1.668.091/PR, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe de 4/9/2020). 10. O Tribunal a quo não se manifestou acerca do pedido de abertura de vista dos autos ao parquet para a possibilidade de oferecimento retroativo de proposta de acordo de não persecução penal (ANPP), fazendo incidir, no ponto, o óbice da Súmula 282/STF, diante da evidente carência de prequestionamento. 11. A falta de prequestionamento da matéria suscitada no recurso especial impede o seu conhecimento, a teor da Súmula 282/STF (AgInt no AREsp n. 1.284.727/SP, Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 8/6/2022). 12. […] a Sexta Turma desta Corte modificou a orientação estabelecida em precedente anterior acerca da possibilidade de aplicação retroativa do art. 28-A do Código de Processo Penal, aderindo ao mesmo entendimento da Quinta Turma, no sentido de que o acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei n. 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia (AgRg no AREsp n. 1.787.498/SC, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 1º/3/2021). 13. […] A respeito da aplicação do acordo de não persecução penal (ANPP), entende esta Corte que a retroatividade do art. 28-A do CPP, introduzido pela Lei nº 13.964/2019, revela-se incompatível com o propósito do instituto quando já recebida a denúncia e encerrada a prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, como ocorreu no presente feito (AgRg no AREsp n. 1.983.450/DF, Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, DJe de 24/6/2022). 14. A Corte de origem não debateu o alegado cerceamento de defesa por conta da preclusão da oitiva de testemunha, sob o enfoque apresentado pelo recorrente, em nenhum momento, enfrentou-se especificamente as teses apresentadas no recurso especial, bem como a instância ordinária não foi provocada a suprir tal omissão mediante a oposição de embargos de declaração, fazendo incidir, no ponto, o óbice da Súmula 211/STJ diante da evidente carência de prequestionamento. 15. No que se refere ao indeferimento das diligências, consideram-se válidos os argumentos colacionados pelas instâncias ordinárias, ademais, a jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que, em regra, salvo situação excepcionalíssima, não se acolhe alegação de nulidade por cerceamento de defesa, em função do indeferimento de diligências requeridas pela defesa, porquanto o magistrado é o destinatário final da prova, logo, compete a ele, de maneira fundamentada e com base no arcabouço probatório produzido, analisar a pertinência, relevância e necessidade da realização da atividade probatória pleiteada (AgRg nos EDcl no AREsp n. 1.366.958/PE, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 28/5/2019, DJe 4/6/2019) (AgRg no REsp n. 2.027.050/SP, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 1/12/2022). 16. Conforme pacífica jurisprudência desta Corte Superior, não se acolhe alegação de nulidade por cerceamento de defesa, em função do indeferimento de diligências requeridas pela defesa, pois o magistrado, que é o destinatário final da prova, pode, de maneira fundamentada, indeferir a realização daquelas que considerar protelatórias ou desnecessárias ou impertinentes (AgRg no RHC 157.565/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 22/02/2022, DJe 25/02/2022) (AgRg no AREsp n. 2.012.609/DF, Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, DJe de 1º/7/2022). 17. Ao negar a suspensão condicional do processo, o Tribunal de origem dispôs que o referido benefício de direito subjetivo do acusado, competindo, ao Ministério Público, na condição de titular da ação penal, a oferta da suspensão condicional somente caso entenda preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos previstos na lei. 18. Para o Superior Tribunal de Justiça, a suspensão condicional do processo é solução de consenso e não direito subjetivo do acusado, consoante precedentes desta Corte (AgRg no RHC n. 91.265/RJ, relator Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 27/2/2018, DJe 7/3/2018) (AgRg no RHC n. 163.764/RJ, Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe de 17/10/2022). 19. No caso concreto, como já decido anteriormente, a negativa de oferecimento da suspensão condicional do processo pelo d. Ministério Público Estadual ocorreu com fundamentação concreta, adequada e específica, tendo em vista que, além de não se tratar de direito subjetivo do acusado, o Parquet sopesou devidamente as consequências (fuga) e as circunstâncias do delito grave e de grande repercussão, em tese, praticado pelo agravante. […] Assente nesta eg. Corte Superior que “A Proposta de suspensão condicional do processo não se trata de direito subjetivo do réu, mas de poder-dever do titular da ação penal, a quem compete, com exclusividade, sopesar a possibilidade de aplicação do instituto consensual de processo, apresentando fundamentação para tanto. A iniciativa para propor a benesse é do Parquet; não pode, pois, o Judiciário substituir-se a este” (AgRg no HC n. 654617/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe de 11/10/2021) (AgRg no HC n. 676.294/SP, Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, DJe de 15/2/2022 – grifo nosso). 20. Nos termos do entendimento consolidado na Súmula 243/STJ, o benefício da suspensão condicional do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja no somatório, seja pela incidência da majorante ultrapassar o limite de 1 (um) ano (AgRg no RHC n. 74.943/SC, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 3/9/2019, DJe de 10/9/2019). In casu, a soma das penas dos ilícitos, perpetrados em continuidade delitiva, totaliza 2 anos e 8 meses, o que inviabiliza a concessão da benesse ora vindicada. 21. Da leitura dos fundamentos apresentados pela Corte de origem, verifica-se que as instâncias ordinárias, com suporte num vasto conjunto probatório, alicerçado, notadamente, nas provas documentais e testemunhais colhidas, houve por reconhecer a materialidade delitiva e autoria do recorrente. 22. O pleito absolutório não comporta conhecimento na via eleita, ante o óbice constante da Súmula 7/STJ. 23. Tendo o Tribunal de origem concluído pela autoria e materialidade delitiva, porquanto constatado que o réu obteve indevida vantagem econômica, mediante grave ameaça exercida contra as vítimas, a desconstituição das premissas fáticas do julgado, para fins de desclassificação, demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório, inadmissível pela via do recurso especial, a teor da Súmula 7/STJ (AgRg no AREsp n. 1.985.594/GO, Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, DJe de 25/4/2022). […] A pretensão de absolvição demandaria incursão na seara probatória, vedada no âmbito do recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ (AgRg nos EDcl no AREsp n. 1.486.558/SP, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe de 12/12/2019). 24. Constata-se, no ponto, a ausência de indicação de dispositivo infraconstitucional violado. Com efeito, o STJ possui a missão constitucional de, por meio do recurso especial, uniformizar a jurisprudência pátria a respeito da adequada aplicação dos dispositivos infraconstitucionais. Nesse contexto, a ausência de indicação do dispositivo violado ou cuja aplicação revela dissídio jurisprudencial, impede o conhecimento do recurso especial, em virtude de sua deficiente fundamentação, o que atrai o óbice do enunciado n. 284 da Súmula do STF (AgRg no AREsp n. 1.821.153/GO, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 16/8/2021 – grifo nosso). 25. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (REsp n. 1.891.923/SC, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 16/2/2023.)