STJ: tribunal não pode complementar fundamentos da sentença para manter causa de exasperação da pena
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não é permitido ao Tribunal complementar os fundamentos da sentença para manter alguma causa de exasperação da pena, em virtude da vedação à reformatio in pejus.
A decisão teve como relator o ministro Ribeiro Dantas:
Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OPERAÇÃO EX-CÂMBIO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E LAVAGEM DE DINHEIRO. ALEGADA DEFICIÊNCIA NA DEFESA TÉCNICA. PREJUÍZO NÃO COMPROVADO. SÚMULA 523/STF. TESE DE REVOGAÇÃO TÁCITA DO ART. 385 DO CPP PELA LEI 13.964/2019. PROFERIMENTO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA APÓS PEDIDO ABSOLUTÓRIO DO PARQUET EM ALEGAÇÕES FINAIS. SENTENÇA PROLATADA ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVEL LEGISLAÇÃO. APLICAÇÃO IMEDIATA, E NÃO RETROATIVA, DAS NORMAS PROCESSUAIS PENAIS. ART. 2º DO CPP. ACÓRDÃO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO QUANTO ÀS ELEMENTARES TÍPICAS DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E DA LAVAGEM DE DINHEIRO. PLEITO ABSOLUTÓRIO. SÚMULA 7/STJ. REFORMATIO IN PEJUS NÃO CONFIGURADA. ACÓRDÃO QUE APENAS MANTEVE A FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA, SEM LHE ACRESCER ARGUMENTOS. INOVAÇÃO RECURSAL. DESCABIMENTO. REITERAÇÃO DELITIVA NA LAVAGEM. BIS IN IDEM COM A CONDENAÇÃO POR ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO EM PARTE E, NESTA EXTENSÃO, DESPROVIDO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO PARA EXCLUIR A MAJORANTE DO ART. 1º, § 4º, DA LEI 9.613/1998. 1. A mera discordância dos atuais advogados do réu quanto à linha defensiva adotada pelo causídico anterior, sem comprovação do prejuízo decorrente de eventual deficiência na defesa técnica, não autoriza a declaração de nulidade. Inteligência da Súmula 523/STF. 2. O art. 385 do CPP foi recepcionado pela Constituição da República de 1988. Precedentes do STJ e do STF. 3. Descabe falar, no presente processo, em revogação tácita do art. 385 do CPP pela Lei 13.964/2019 (que acrescentou o art. 3º-A ao Código), porque a sentença condenatória foi proferida em 24/5/2018, antes da entrada em vigor da novel legislação. 4. Na forma do art. 2º do CPP, a lei processual penal (ainda que seja mais benéfica ao réu) tem eficácia imediata, mas não retroativa, não podendo prejudicar os atos praticados anteriormente à sua vigência. 5. Outrossim, o art. 3º-A do CPP encontra-se com sua eficácia suspensa por decisão liminar do eminente Ministro LUIZ FUX nas ADIs 6.298, 6.300 e 6.305, publicada em 3/2/2020. 6. O acórdão recorrido encontra-se suficientemente fundamentado, tendo exposto as elementares típicas objetivas e subjetivas dos delitos de organização criminosa e lavagem de dinheiro com espeque na farta prova documental e testemunhal dos autos. Aferir se o agravante efetivamente praticou os delitos ou se apenas mantinha uma relação de amizade com um dos corréus, razão pela qual movimentavam dinheiro entre si, encontra óbice na Súmula 7/STJ. 7. Consoante o entendimento recentemente firmado pela Terceira Seção no julgamento do EREsp 1.826.799/RS, não é permitido ao Tribunal complementar os fundamentos da sentença para manter alguma causa de exasperação da pena, em virtude da vedação à reformatio in pejus. 8. No presente caso, todavia, não houve acréscimo de fundamentação por parte do TRF ao manter a majorante do art. 1º, § 4º, da Lei 9.613/1998. Ao contrário do que aduz a defesa, a sentença afirma expressamente que aplicou a causa de aumento porque o réu incorreu nas duas situações descritas na Lei (quais sejam, o intermédio de organização criminosa e a reiteração delitiva). O Tribunal local apenas afastou a primeira, mas manteve a reiteração que já constava na sentença, sem acrescer nenhum argumento àqueles do juízo sentenciante. Reformatio in pejus não configurada. 9. O decote de uma das situações previstas no texto legal (a intermediação de organização criminosa) até poderia servir para reduzir a fração da majorante, caso fosse mantida apenas a situação remanescente (a reiteração). Não obstante, a fração já havia sido fixada pela sentença no mínimo legal de 1/3, de modo que não há reparos há fazer aqui. 10. É incabível a inovação recursal em agravo regimental, postura vedada pela preclusão consumativa. 11. A incidência da majorante do art. 1º, § 4º, da Lei 9.613/1998, pela reiteração delitiva na lavagem de dinheiro, configura bis in idem com a condenação por organização criminosa. Afinal, a prática reiterada da lavagem corresponde justamente ao núcleo nominal “infrações penais” referido no art. 1º, § 1º, da Lei 12.850/2013. 12. Agravo regimental conhecido em parte e, nesta extensão, desprovido. Habeas corpus concedido de ofício, para excluir a majorante do art. 1º, § 4º, da Lei 9.613/1998. (AgRg no REsp 1943370/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 09/11/2021, DJe 16/11/2021)
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